Tudo começou com um xis branco sobre um quadrado preto. Minimalista, quase anônima, a Big X foi criada na urgência imposta pelo acúmulo dos boletos. Em 2014, Kleber Fortes, então com 25 anos, abandonara os campos de futebol, depois de passar por clubes de menor expressão no Brasil e na Europa. Era preciso dar um novo rumo à vida. Arriscou então fabricar camisetas estampadas pelo irmão Henrique, web designer, dois anos mais novo.
Graças aos contatos do ex-jogador, a t-shirt conquistou boleiros, ganhou projeção e virou a THESAINT, hoje referência do streetwear brasileiro. A grife fecha 2025 com quatro lojas físicas, presença em cerca de 200 multimarcas, uma parceria com a NBA, o lançamento da primeira coleção feminina e faturamento de oito dígitos — alta de 200% em relação a 2024.
Com R$ 800 emprestados pela mãe cabeleireira e pelo pai funcionário público, a marca nasceu no quarto de Kleber e Henrique, na casa da família na periferia de São Bernardo do Campo, no ABC paulista. A estreia foi um sucesso.
Bastou Gabriel, então jogador do Fluminense, surgir com o X gigante no peito para que a peça chamasse a atenção, causasse burburinho e ganhasse o figurino de futebolistas, artistas e influenciadores.
As operações, no entanto, aconteciam no improviso — sem CNPJ, sem e-commerce estruturado, sem estoque. Mas uma encomenda no final de 2014 deflagraria uma mudança de ritmo: Neymar, à época no Barcelona, queria algumas peças. Um pedido capaz de mudar o jogo.
“Se atendêssemos do jeito que estávamos operando, porém, perderíamos a chance de crescer”, conta Henrique, diretor criativo, em conversa com o NeoFeed.
Os irmãos correram. Constituíram a THESAINT, alugaram um escritório e colocaram a plataforma no ar. Ufa! Neymar ganhou suas camisetas e a marca... explodiu.
A evolução acelerada da THESAINT exigia mais profissionalização.
Foi quando Lucas Cavenco, de 32 anos, também ex-jogador que, depois de aposentar as chuteiras, atuava no mercado financeiro, assumiu, em 2020, o cargo de CEO.
“Para o negócio avançar ainda mais, seria necessária uma estrutura maior”, lembra o executivo ao NeoFeed. “Atualmente, operar uma marca independente de moda é difícil.”
Lucas sugeriu então uma parceria estratégica com o grupo Oáz, ecossistema de moda e lifestyle, liderado por Bento Guida e sua mãe Trudi. O valor da transação é mantido sob sigilo, mas o impulso foi decisivo. No final daquele 2022, a THESAINT abriu sua primeira loja física.
Bento propôs a rua Oscar Freire, um dos endereços mais cobiçados de São Paulo. Kleber, Henrique e Lucas desconfiaram. Associavam os frequentadores do bairro dos Jardins ao consumo de luxo, muito distante da cultura underground do streetwear. Mas eles estavam enganados.
Na Oscar Freire, o trio descobriu o “superpoder” da THESAINT, como define o CEO: “Percebemos que pessoas de diferentes nichos encontravam algo em comum na marca”.
Design autoral
Diferente das grifes brasileiras tradicionais do segmento, em geral, replicadoras das tendências estrangeiras, a THESAINT se firmou no mercado com uma estética própria. A coleção Encontro é emblemática. Em homenagem às origens da família, Henrique criou uma estampa com metade do rosto da avó de um lado e metade do rosto do avô do outro — dividida propositalmente no centro, como se tivesse sido mal costurada.
Colocada à venda, esgotou rapidamente. E a linha evoluiu para outras composições, sempre juntando duas metades de um mesmo tema. A de Dennis Rodman com o número do jogador no Chicago Bulls é um dos best-sellers da grife.
Como já virou tradição na THESAINT, alguém usa, uns notam e outros muitos adotam — uma celebridade apareceu na televisão americana com uma das peças da Encontro. Assim, nasceu a parceria recém-estabelecida com a NBA. Para 2026, cinco novas collabs estão previstas. Com quem? Ainda é segredo.
Uma grande sacada de Kleber, Henrique e Lucas é a de trabalhar com lançamentos em drops. Coleções com poucas peças dão à THESAINT o caráter de escassez e exclusividade, promovendo o desejo e a fidelidade dos consumidores e inserindo a marca no segmento premium. Não à toa o tíquete médio da grife, R$ 550, é bem superior ao das marcas do gênero no País.
A estratégia facilita ainda o controle de fluxo de caixa e estoque, ao reduzir riscos financeiros e manter o frescor imprescindível ao ritmo do varejo contemporâneo, sobretudo do streetwear.
Impossível também desconsiderar o timing. Quando lá atrás, na periferia de São Bernardo, os irmãos Fortes (ou FOrTEX como são conhecidos) criaram a X, o streetwear começava a virar hype.
Dois anos antes, o estilista americano Virgil Abloh (1980-2021) lançara a Off-White, associando a “moda de rua” à alta costura — tanto que, ao morrer, ele era diretor criativo do menswear da Louis Vuitton. O movimento cresceu e as silhuetas oversized, com referências à cultura pop, se tornaram influência de estilo.
“O streetwear se consolidou como uma das tendências mais marcantes do varejo e da moda contemporânea. Ele envolve produção, promoção, venda e revenda de peças casuais de maneira inovadora, muitas vezes fora dos canais tradicionais”, lê-se no relatório Streetwear — The new exclusivity, da consultoria PwC. “Ele subverteu a lógica tradicional de moda: o público tem voz ativa na definição do que é cool.”
A moda de rua está entre os nichos que mais crescem. Avaliado em US$ 371 bilhões, em 2025, nos próximos sete anos, o mercado mundial deve bater a casa dos US$ 637 bilhões — uma taxa de crescimento anual composta de quase 8%, informa estudo da Fortune Business Insights.
Lá atrás, quando o streetwear não era a potência fashion de hoje, Kleber e Henrique precisaram definir como falariam ao mundo. Escolheram o nome THESAINT em homenagem à mãe — “Ela é de todas as religiões e conhece todos os santos”, conta o diretor criativo. Mas por que em inglês?
“Achávamos que, se disséssemos que era uma marca brasileira, nos associariam a produtos baratos, sem muita qualidade”, lembra ele. “Tinha de ser estrangeira.”
Por isso, no início, os irmãos se apresentavam como revendedores de peças de uma empresa suíça, de propriedade de um amigo de Kleber, da época em que ele jogava no País. Em pouco tempo, no entanto, essa narrativa deu lugar ao orgulho da origem brasileira.
O nome em inglês fica como símbolo de uma ambição global. Se tudo correr como o planejado, em 2026, a THESAINT inaugura operações nos Estados Unidos e na Europa e firma presença no Japão, onde já está em alguns showrooms.
Alcance que se reflete nos nomes associados à grife, entre eles a cantora e empresária Anitta e o atacante holandês Memphis Depay, que recentemente conquistou a Copa do Brasil pelo Corinthians.