“E qual será o nome?” O agrônomo Mario Whately respondeu de bate-pronto: “Palm Butter”. Responsável por criar a identidade visual da nova marca, o arquiteto e designer Eduardo Foresti não achou boa ideia. “Palm Butter” para um alimento nativo da Amazônia, cultivado e produzido por uma família brasileira, em uma fazenda centenária, no interior paulista? Não tem outro? “Lá em casa, a gente chama de ‘planteiga'”, contou Whately.
Pronto. O nome estava dado. E, como Planteiga, aquela que parece, mas não é manteiga, está ganhando o varejo. Desenvolvido pela Vateli, empresa familiar da qual o agrônomo é o diretor executivo, o produto não encontra semelhante no mundo – até agora, pelo menos. Metade de sua composição é de palmito pupunha. O restante inclui óleo de coco “sem gosto” e castanha de caju.
Sem aditivos de cor ou sabor, com 52% menos gordura e 45% menos calorias do que as manteigas tradicionais e mais leve, cremosa e apetitosa do que as manteigas plant-based, a Planteiga acaba de ser eleita o melhor alimento de 2023 pela NaturalTech Awards, o maior evento de comidas e bebidas orgânicas e saudáveis da América Latina.
“Nunca buscamos um substituto para a manteiga, queríamos algo diferente, que combinasse sabor com saudabilidade e sustentabilidade. Por isso, não o chamamos de manteiga”, conta o executivo, de 34 anos, em conversa com o NeoFeed. “É outra coisa, totalmente diferente. É Planteiga.”
De conservação delicada, a Planteiga, por enquanto, está restrita à capital paulista e interior do Estado. Mesmo em pouco tempo, a Vateli conquistou os mercados de luxo Santa Luzia e Empório São Paulo, além de mercearias de produtos naturais, como a Quitanda Pinheiros, e a rede de supermercados Sonda. O preço? Ao redor de R$ 20, o pote de 200 gramas.
“Não é de nosso interesse sair vendendo de qualquer forma”, revela Whately. “Estamos focados em um crescimento consistente.” A previsão é, no próximo ano, quintuplicar a produção da Planteiga, diz ele.
Foram dois anos de experiências, de uma sucessão de tentativas e erros, até chegar à receita atual. A ideia surgiu em junho de 2020. Por causa da pandemia, o irmão de Whately foi cumprir o isolamento, na fazenda Rio Morto, em Novo Horizonte, no interior paulista, a 408 quilômetros de São Paulo.
Para cuidar dos negócios da família, o diretor da Vateli estava vivendo lá com a mulher Amanda, também agrônoma, e os filhos pequenos Joaquim, hoje com 5 anos, e Marina, de 3.
Whately não acreditou quando viu o irmão, vegano à época, besuntando o pão do café da manhã com margarina. Como assim? Não era para ser saudável? Ele então começou a pesquisar. “Mas todas os produtos plant-based eram uma combinação de óleos vegetais”, lembra. O empresário então pensou no palmito. E os testes na cozinha de casa começaram.
A escolha pela pupunha foi natural. A Planteiga é sua grande aposta, mas a empresa produz pupunha em conserva, espaguete de pupunha, talharim de pupunha e lasanha de pupunha.
A ideia do agrônomo, encampada imediatamente por Mario, pai, era produzir uma nova linha de produtos à base do palmito. A Vateli foi fundada em 2017. Uma homenagem bem-humorada ao modo com o qual os brasileiros pronunciam o sobrenome inglês Whately,
Alguns anos antes, entre 2012 e 2013, ele começara a testar o cultivo de algumas mudas da palmeira. Desde 1906, quando foi erguida pelo bisavô de seu bisavô paterno, a Rio Morto passou por vários ciclos de cultura –algodão, café e laranja, além da cana, o principal negócio da família.
No momento em que os laranjais da região foram acometidos por doenças e pragas, Whately começou a pensar em levar as pupunheiras da experimentação para a produção de fato.
Desde os tempos de faculdade na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo, Whately tinha vontade de se dedicar a um alimento, com o qual ele pudesse trabalhar toda a cadeia –da semeadura ao processamento.
“E palmito era o que a gente tinha mais coragem de verticalizar”, diz o diretor executivo da Vateli. “Para nós, era impossível fazer isso com a cana ou mesmo com a laranja.”
A tulha centenária virou fábrica
Dois anos de estudos e hoje os 80 dos 5 mil hectares da fazenda dedicados ao palmito são uma “miniAmazônia” de pupunha no quente noroeste paulista.
A antiga (e belíssima) tulha do início do século 20 precisou de dois anos para ser revitalizada e seu interior, transformado em uma moderna fábrica de palmito – tudo sob medida, até o maquinário, em respeito à arquitetura do ex-armazém de grãos de café.
É lá que está instalado o laboratório de análise de qualidade da matéria-prima e embalagens da Vateli. Na unidade fabril, os Whately investiram R$ 5 milhões.
Parte do faturamento da empresa ainda vem do processamento da pupunha para outras marcas, diz o executivo sem precisar o valor exato. Mas os produtos Vateli ganham espaço no Brasil. O palmito em conserva, o espaguete, o talharim e a lasanha estão em 500 pontos comerciais espalhados pelos quatro cantos do país.
Calma e cuidado, sem atropelo e pressa, são o lema do executivo na condução dos negócios da Vateli. Tudo é pensando e testado muito antes de sair do papel e ser anunciado para o mundo. Foi assim com a lavoura, com a fábrica, com cada produto que sai da velha tulha. Toda decisão é compartilhada com a família.
Sem Amanda, por exemplo, o espaguete de pupunha não seria comprido tal qual as melhores massas italianas.
Fazendo adaptações em uma maquininha comprada pela internet, a agrônoma criou um aparelho que fileta o palmito em espiral, como aqueles antigos descascadores de laranja à manivela.
“Da primeira vez, quando Amanda fez o primeiro ‘espaguete’ foi saindo aquele fio enorme, nós começamos a pular de alegria na cozinha”, lembra o marido. “Coisa mais linda.”
A invenção da agrônoma trouxe ainda outro diferencial em relação aos fiapos de palmito tradicionalmente oferecidos nos mercados e feiras.
Como o corte não é no sentido da fibra da pupunha, o alimento é menos fibroso, mais agradável de mastigar, do que os disponíveis atualmente.
É assim que eles trabalham. Pergunte ao empresário, quanto foi investido no desenvolvimento da Planteiga e ele responderá:“Nosso tempo e paciência, até chegar à composição ideal”. E essa mesma dedicação vem lá da plantação.
A pupunha, explica Whately, não é uma espécie domesticada e, por isso, para crescer robusta precisa do ambiente da floresta.
Jardinagem em larga escala
Os 400 mil pés de palmeira são irrigados por gotejamento, permitindo que a água escorra lentamente para a raiz das plantas. Além da economia do recurso, o sistema se aproxima do modo como a irrigação acontece naturalmente no meio ambiente, evitando a erosão da terra.
Quando as folhas das palmeiras caem, são mantidas no campo para a cobertura do solo. “O objetivo é construir um solo saudável, aumentar a biodiversidade, restaurar o equilíbrio do ecossistema e atenuar a mudança climática”, diz Whately. Com o mesmo objetivo, espécies daninhas são controladas, jamais eliminadas. É assim na Amazônia, tem de ser assim em Novo Horizonte.
Na fazenda Rio Morto, não se usa arado e raramente se recorre a fertilizantes, herbicidas e pesticidas. Diferente do palmito juçara, a pupunha perfilha; ou seja, emite novos brotos. Assim, não é preciso arrancar a planta para obter o alimento. Mas, por isso mesmo, a colheita tem de ser manual, para extrair apenas o palmito que está pronto para deixar o pé.
A pupunha também não é sazonal. Todos os dias, dez funcionários colhem o palmito. “Costuma-se dizer que a colheita de pupunha é uma jardinagem em grande escala”, compara Whately. Com uma vida útil acima dos dez anos e podendo chegar a 20 metros de altura, as palmeiras garantem o sombreamento da lavoura.
Os preceitos sustentáveis da Vateli passam ainda pela reutilização da água residual da fábrica é 100% reutilizada. Em 2020, em parceria com a marca de papéis artesanais Moinho Brasil, a Vateli lançou a Papeli, uma linha de papéis feita com os restos das cascas de pupunha.
Whately não esquece uma frase da nutricionista e chef Neka Menna Barreto, ouvida em uma palestra, anos atrás: “O sabor não começa quando colocamos um alimento na boca. O sabor começa na paisagem”.