Para a premiada economista italiana Mariana Mazzucato, superar os grandes desafios do nosso tempo requer o que ela chama de ambição e destreza. Todos os tipos de organização nas economias do mundo, afirma ela, têm de ser guiados por experiência, conhecimento técnico e profissionais de gestão de projetos.
Com tais competências, as empresas, os governos e as organizações da sociedade civil podem, então, trabalhar em conjunto para atender às necessidades sociais, econômicas e ambientais coletivas. Mas não tem sido assim nas últimas cinco décadas: a má gestão de empresas e do Estado privilegiou o curto prazo em detrimento dos investimentos necessários ao progresso.
“Essas tendências esgotaram o conhecimento, as habilidades e a visão das organizações”, defende. E aqui entra um grupo de agentes que tira proveito desse modelo de capitalismo e do enfraquecimento subjacente das competências, faturando quantias colossais no processo: a indústria da consultoria.
Mariana lança essa provocação no livro "A grande falácia — Como a indústria da consultoria enfraquece as empresas, infantiliza governos e distorce a economia", escrito em parceria com a também economista Rosie Collington. Recém-chegada ao Brasil, a obra é reveladora da força das consultorias.
“É comum que governos contratem consultorias para ajudar no desempenho de funções essenciais, como elaborar estratégias de adaptação ao clima, implementar programas de vacinação e prestar serviços na área de bem-estar social”, escrevem, citando as “Big Three” do setor de estratégia (McKinsey, Boston Consulting Group e Bain & Company) e as “Big Four”, da contabilidade (PwC, Deloitte, KPMG e Ernst & Young).
Já, quando são contratadas por empresas, dizem Mariana e Rosie, as incumbências que recebem às vezes estão relacionadas à estratégia corporativa, às vezes à gestão e execução de um determinado projeto ou a uma capacidade específica, como TI ou planejamento financeiro.
Hoje, o tamanho da indústria de consultoria é espantoso, dizem as economistas. E seu crescimento não dá sinais de arrefecer. Para se ter uma ideia, em 2021, citam as autoras, as estimativas do mercado global de serviços de consultoria variaram entre quase US$ 700 bilhões e mais de US$ 900 bilhões, embora esses números não reflitam todo o panorama das atividades desse modelo de empresa. “A onipresença de consultores no ramo da economia é assombrosa”, afirmam.
Um exemplo aconteceu durante os dois primeiros anos da pandemia de Covid-19, entre 2020 e 2021, quando governos gastaram quantias fabulosas na contratação das grandes consultorias. Em julho de 2020, a McKinsey havia assegurado mais de US$ 100 milhões do governo dos Estados Unidos para empreendimentos relacionados à crise sanitária.
Em 2021, no Reino Unido, a Deloitte recebeu, no mínimo, £ 279,5 milhões de libras do governo (mais de R$ 1,9 bilhão). Na Itália, a McKinsey foi contratada para ajudar a alocar € 191,5 bilhões, correspondentes à parcela do país no fundo da União Europeia para a recuperação da pandemia.
Nos bastidores, com transparência
Mariana e Rosie destacam a presença de consultores à mesa das grandes decisões durante muitas das comoções econômicas globais da década passada.
“Desde a crise da dívida da zona do euro até a recuperação de Porto Rico, depois do furacão Maria”, ocorrido em 2017 e que matou mais de 3 mil pessoas.
Nas últimas décadas, cita o livro, as Big Three e as Big Four também foram contratadas para ajudar a projetar cidades inteligentes, formular estratégias nacionais de emissão líquida zero de carbono, propor reformas no ensino, assessorar exércitos, administrar a construção de hospitais, redigir códigos de ética médica, elaborar legislação fiscal, supervisionar a privatização de empresas estatais, administrar fusões entre farmacêuticas e governar a infraestrutura digital de inúmeras organizações.
Para as autoras, “os contratos de consultoria abrangem cadeias de valor e setores em vários países e continentes, afetando todos os níveis da sociedade”.
Mas, afinal, isso é bom ou ruim? Mariana e Rosie defendem que a contratação em peso das consultorias enfraquece empresas e esvazia a capacidade do Estado. Segundo elas, boa parte dos contratos são estabelecidos com pouca transparência e sem a exigência de indicadores claros ou transferência de conhecimento.
Dizem que as consultorias podem, sim, desempenhar um papel relevante nas economias, mas nos bastidores e de modo transparente, não no centro das decisões. A dupla baseia sua tese em estudos realizados em vários países, relatórios históricos de políticas econômicas, investigações jornalísticas e entrevistas com consultores.
Entre os muitos questionamentos que as autoras se propõem a responder está por que tantas pessoas bem-intencionadas e inteligentes escolhem trabalhar em consultorias assim que recebem seu diploma da universidade. E o que isso diz sobre o capitalismo contemporâneo.
“Quisemos desvendar o que acontece com o cérebro de uma organização quando ela não aprende fazendo porque tem alguém fazendo para ela”, explicam.
Para explorar essas questões, as economistas conversaram com líderes de governos, funcionários públicos, executivos de empresas, empregados de ambos os lados dos contratos de consultoria e colegas e amigos que compartilharam suas histórias. “Com eles, aprendemos não só a respeito dos desafios atuais, mas também sobre possíveis alternativas”, dizem.
Elas esperam que o livro seja mais do que o ponto de partida para uma conversa sobre os problemas de gestão dos governos e empresas da atualidade e que também forneça algumas ferramentas e inspiração para que, no futuro, eles se norteiem pelo propósito público.
Mariana e Rosie também perguntam se devemos nos preocupar com o tema. Afinal de contas, os consultores não estão simplesmente ajudando a tornar seus clientes mais eficientes, fazendo o que eles não são capazes de fazer?
E elas próprias respondem: “Este livro mostra por que o crescimento nos contratos de consultoria, o modelo de negócios das grandes consultorias, os conflitos fundamentais de interesse e a falta de transparência têm uma importância tremenda”. Está proposta a reflexão.