Uma ebulição tem marcado o universo dos relógios de segunda mão desde que em outubro de 2017, o modelo Rolex Daytona “Paul Newman” bateu o recorde de relógio de pulso alcançando um valor de US$ 17,7 milhões (quase R$ 95 milhões na conversão atual) num leilão, organizado pela Casa Phillips. Durante a pandemia, contudo, o seleto número de entusiastas por relógios de luxo usados se tornou muito maior e ocasionou uma supervalorização no mercado paralelo.
“Antes da pandemia, tínhamos entre 1 mil e 1.500 pessoas registradas a darem seus lances em nossos leilões. Já no final do ano passado, tínhamos cerca de 3.000. E alguns deles eram clientes completamente novos para nós”, disse ao NeoFeed, Paul Boutros, head do departamento de relógios da casa Phillips para as Américas.
O aumento significativo de entusiastas durante a pandemia foi impactante para a escalada de preços, mesmo que as marcas afirmem não ter havido redução na capacidade de produção durante o período de restrições.
“Entendo esse crescimento pelo fato que durante a pandemia muitas pessoas tiveram tempo de explorar suas paixões, aprender novas coisas. Vimos esta mesma explosão em carros de colecionadores, arte contemporânea e também relógios. As pessoas com tempo se devotaram aos seus hobbies e paixões”, explica Boutros.
A plataforma Subdial, de compra e venda de relógios de luxo, por exemplo, criou um índice para monitorar a valorização dos 50 relógios mais negociados no mercado de segunda mão. Mesmo com uma leve desaceleração em alguns modelos pontuais, nos últimos 12 meses registrou um aumento médio de 27,4% nos preços.
Para efeito de comparação, no mesmo período, o S&P 500 teve uma desvalorização de aproximadamente de 11%, Ibovespa caiu cerca de 20%, as ações do serviço de streaming Netflix tiveram uma redução de quase 65% e o bitcoin sofreu uma queda de 37%.
Dentre as marcas que melhor têm performado neste universo, destacam-se Rolex, Audemars Piguet e Patek Philippe. A matemática é simples: a lei da oferta e demanda. As companhias têm sofrido com a indisponibilidade de estoque e mais consumidores enfrentam longas filas de espera para aquisição de peças.
Nos últimos dozes meses, segundo o Subdial50, o Rolex Daytona subiu 43,2% e algumas versões de Audemars Piguet Royal Oak acumulam até 59% de aumento no preço de revenda. Já o Patek Philippe Nautilus, relógio descontinuado pela marca suíça, em janeiro de 2021, registrou uma valorização de 56%
Trocando em miúdos, no mercado oficial, um Rolex Daytona em aço (Referência 116500LN) custa cerca de US$ 14,5 mil (R$ 77,5 mil, ou R$ 105,7 mil quando comprado nos revendedores oficiais no Brasil). No entanto, não há disponibilidade imediata do modelo e a fila de espera para clientes qualificados em todo o mundo pode ultrapassar três anos.
No mercado de segunda mão, este mesmo relógio custa, em média, US$ 33 mil (R$ 176 mil). Em um leilão organizado pela Phillips em junho, uma peça desta mesma referência foi arrematada por cerca de US$ 48 mil (R$ 256 mil).
O Patek Philippe Nautilus contou com um comeback surpresa no final do ano passado. Uma edição limitada a apenas 170 unidades comercializado em parceria com a joalheria Tiffany & Co., com um mostrador no simbólico “Tiffany blue”, esgotou-se rapidamente. O valor de vitrine, de US$ 52 mil (cerca de R$ 278 mil na cotação atual), se multiplicou vertiginosamente.
Apenas duas semanas depois de seu lançamento, uma das peças foi arrematada US$ 6,5 milhões (quase R$ 35 milhões) em um leilão de última hora promovido pela Phillips. O valor arrecadado com a venda foi convertido para a ONG Nature Conservancy, que trabalha na conservação do meio-ambiente.
Quando o assunto é leilão de relógios, a Phillips se destaca frente a concorrentes como Sotheby’s e Christie’s. Em 2021, a companhia alcançou um total de vendas no departamento de relojoaria de US$ 209,3 milhões (R$ 1,1 bilhão), o número representa um crescimento de 57% em relação a 2020 e 89% se comparado aos níveis pré-pandemia, em 2019. Além disso, no ano passado, todos os lotes disponibilizados pela empresa foram comercializados.
Em entrevista exclusiva para o NeoFeed, Paul Boutros analisa o atual momento do mercado de leilões, as tendências e marcas com maior potencial de valorização.
Como tem sido o desempenho do departamento de relógios dentro da casa Phillips?
É provavelmente o departamento de maior sucesso. Há muitas maneiras de medir este sucesso. Nos últimos 18 meses foram três temporadas consecutivas de leilões, vendemos 100% dos relógios oferecidos. Nunca houve isso em nenhum departamento de relojoaria de nenhuma casa de leilões. Temos muito orgulho disso, pois mostra o quão bem escolhemos nossos produtos e também a força da comunidade de colecionadores.
Quem é o público da Phillips hoje?
Eles estão no mundo todo. Nosso último leilão reuniu um público de 70 países diferentes. A maioria destes clientes é de homens, com idades que vão dos 16 aos 90 anos. São homens ricos, de negócios, jovens profissionais que estão começando suas carreiras e buscam algo excepcional para dar início às suas coleções. Algumas vezes membros de famílias reais. Claro que temos também revendedores, que sabem que podem conseguir excelentes peças para seus clientes. E temos visto cada vez mais mulheres participando, o que é maravilhoso. É um verdadeiro reflexo deste mercado: de todo o mundo. Afinal, todos nós compartilhamos o tempo.
"Nos últimos 18 meses foram três temporadas consecutivas de leilões, vendemos 100% dos relógios oferecidos. Nunca houve isso em nenhum departamento de relojoaria de nenhuma casa de leilões"
Como o consumidor pode identificar um relógio que tenha potencial de revenda?
Nunca compre um relógio pensando em revendê-lo, é uma péssima estratégia. Compre um relógio que você ame. Se ele mantiver seu preço, ótimo. Se ele valorizar, excelente. Se ele desvalorizar, não tem problema. Afinal, você ama o relógio que você comprou. Uma coleção de relógios é feita por felicidade, paixão. Meu conselho para colecionadores é que tenham certeza de que o relógio caiba bem no pulso. Tenha certeza que é uma marca que mantém o caráter artesanal da relojoaria fina. Os relógios com maior demanda de mercado são aqueles que servem em pulsos de múltiplas culturas e tipos de corpo. Rolex e Patek Philippe, por exemplo, são brilhantes em fazer relógios do tamanho certo, que servem em pessoas de todo o mundo, de todos os gêneros.
Recentemente, vemos uma busca por modelos coloridos, principalmente os verdes. Essa tendência se repete na Phillips?
É um fenômeno interessante. Houve o lançamento dos modelos Oyster Perpetual com cores bem fortes, muito incomum e muito selecionado. Hoje, com a internet, quando a Rolex oferece algo, alcança milhões de pessoas e viraliza. Com o fato de uma marca grande como Rolex apresenta algo com cores fortes depois de muitos anos sem fazer isso, o mercado ama. A demanda explodiu. É algo divertido e que diferencia seu relógio. Se você ama determinada cor, é um jeito de expressar sua personalidade. Diferente de modelos padrões. Mais recentemente, o modelo em (Patek Philippe Nautilus) Tiffany Blue ajudou a ampliar a demanda de mercado por modelos coloridos. Por conta desta exposição, este tom de turquesa virou uma tendência, independentemente da marca.
Este relógio, inclusive, atingiu recorde na Phillips. Essas peças mais recentes têm potencial para serem comercializadas em leilões?
Para nós, o relógio tem que ter apelo. Ao mesmo tempo, precisamos acreditar que podemos vender. Queremos fazer com que o consignatário e nossos clientes estejam felizes. Se há um cliente em nossa base de dados, vamos considerar ter este relógio. Se tem alta qualidade, clientes e há um apelo de longo prazo para a comunidade de colecionadores, vamos pegar.
Os relógios arrematados pela Phillips comumente alcançam valores mais altos que o estimado. Por quê?
Fazemos estimativas conservadoras para que a maioria dos inscritos possam ter a chance de arrematar uma peça. Muitos superam os valores estimados por refletirem o que é buscado pelo mercado. Somos a casa de leilões que alcança os maiores valores de relógios, por conta do tipo de clientes que atraímos. Somos muito seletos no que escolhemos e pegamos os modelos de mais alta qualidade.
"Nunca compre um relógio pensando em revendê-lo, é uma péssima estratégia. Compre um relógio que você ame. Se ele desvalorizar, não tem problema. Afinal, você ama o relógio que você comprou"
Como vocês certificam a autenticidade desses modelos?
Todos os relógios são verificados: as peças internas, os números de série, componentes que se adequam à idade da peça. Temos também um conselho que conta com colecionadores. Quando encontramos algo que não conseguimos identificar, buscamos essas pessoas. É um processo que leva pelo menos dois meses, podendo chegar a seis meses ou um ano entre receber o relógio e ele ir a arremate. Temos que analisar a peça, fotografar, catalogar, publicar. O catálogo tem que chegar à casa das pessoas com pelo menos um mês de antecedência.
Dentre as peças mais modernas, quais são as mais desejadas?
Dentre os modelos da Rolex, Daytona, GMT Master e Submariner são muito desejados. Os modelos Royal Oak, da Audemars Piguet, com função cronógrafo ou que mostram apenas horas também, especialmente os mecânicos. Na Patek Philippe, qualquer Aquanaut ou Nautilus moderno, com produção limitada e complicações: calendários perpétuos com cronógrafos e repetidores de minutos, estes últimos são muito desejados – e também os mais complexos mecanicamente. Alguns relógios de marcas independentes também estão nas buscas de colecionadores, como FP Journe, Karin Voutilainen, MB&F, Laurent Ferrier, têm uma demanda tremenda em criações recentes.