NOVA YORK — Há uma semana, Severin Hacker, cofundador e CTO da plataforma Duolingo, anunciou a criação do Severin Hacker Vision Fund. Aos 40 anos, o empresário suíço-americano vai investir parte de sua fortuna pessoal, avaliada em US$ 1,3 bilhão, para apoiar inovações no cura de deficiências visuais. Ele está particularmente interessado nas terapias voltadas para a neuroplasticidade cerebral, a capacidade de o sistema nervoso central de se adaptar a novas situações.
Hacker entregou a administração de seu fundo à Neta Foundation, gestora sediada em Manhattan, que direciona recursos para startups early-stage focadas na melhoria do bem-estar humano, por meio de ferramentas emergentes, desenvolvidas por universidades e instituições de pesquisa.
A fundação também ajudará o empreendedor na diligência para seus aportes, analisando ensaios clínicos, desenvolvimento de novos tratamentos e colaborações interdisciplinares entre pesquisadores.
Criada em janeiro de 2024, pelo paulistano Alon Lederman e pela americana Danielle Capalino, ambos diplomados pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), a Neta propõe uma forma de fazer filantropia cada vez mais popular — a combinação entre doações e investimentos estratégicos.
“Normalmente, investimentos como o de Hacker são o empurrão que muitas startups e pesquisas científicas precisam para alcançar um patamar de onde podem passar o chapéu por grandes fundos”, diz Lederman, em entrevista ao NeoFeed. “Queremos desenvolver uma comunidade ao redor de investimentos que servem como pontapés para novas tecnologias.”
Nos Estados Unidos, explica ele, as fundações privadas são obrigadas a doar, todos os anos, 5% de seu patrimônio. Tradicionalmente, a doação para um centro de referência no tratamento e pesquisa do câncer, por exemplo, entra nesses 5%. “No entanto, investir em uma startup que está investigando a cura para a doença não conta", afirma Lederman
A gestora desenvolveu uma ferramenta com base nos chamados Donors-Advised Funds, ou DAFs. Com esse sistema, o doador direciona seus recursos para causas que falam alto ao coração. Mas, em vez de usar seus bolsos de aportes de risco, ele abre uma carteira filantrópica, gerenciada por organizações especializadas.
Livre de impostos
Os DAFs isentam os ativos de caridade de impostos. “Imagine um investimento de US$ 100 em uma startup que, ao longo do tempo, quintuplica essa quantia”, propõe Lederman. “No momento da retirada, é cobrado do investidor 23,8% de imposto sobre o ganho.” Nesse caso, o ganho é de US$ 400, e o imposto, de US$ 95. No fim, o retorno líquido é de US$ 305.”
Com os DAFs, o processo vira uma doação e o aporte de US$ 100 recebe uma dedução do imposto de renda de cerca de 37%. Ou seja, o investimento de US$ 100 “custa” US$ 63. “Só que este investidor tem US$ 100 no seu fundo”, completa.
Ao investir na mesma startup, o retorno volta livre de impostos. Com isso, o investimento de US$ 63 alcança, no final, US$ 500. “Mas este retorno não volta para o bolso pessoal do investidor”, frisa o cofundador da Neta. “Esta é uma forma de alegrar investidores, fundações e pessoas físicas, que apreciam iniciativas de altíssimo risco, mas que preferem usar seu dinheiro filantrópico para este fim."
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Se a aposta foi feita no desenvolvimento de uma nova tecnologia que deu com os burros n’água, o dinheiro é tratado como uma doação. Mas se a tecnologia vingar, o lucro volta para o fundo, para ser reciclado em novos investimentos filantrópicos à escolha do freguês. “Só não pode destinar esta verba à compra do seu novo iate”, brinca Lederman.
Segundo a National Philanthropic Fund, os primeiros DAFs foram criados na década de 1930. Apesar de ganharem ganhar visibilidade e popularidade a partir dos anos 1990, só foram reconhecidos formalmente em 2006, perante a Lei de Proteção de Pensões. Hoje, são os veículos de filantropia que mais crescem nos Estados Unidos, representando representando mais de 10% de todas as doações.
Em um artigo publicado no ano passado na revista online Impact Alpha, o americano Tim Freundlich, hoje à frente do fundo ImpactAssets, escreve que nos Estados Unidos existem cerca de US$ 229 bilhões de DAFs e mais de US$ 1 trilhão em fundações privadas. Isso se traduz em quase dois milhões de contas administradas por mais de mil organizações no país. Por trás deste fermento estão incentivos fiscais, aumento de renda da população, e maior conhecimento sobre a importância da filantropia.
Hoje, os maiores DAFs fazem parte de grandes instituições como Fidelity e Vanguard, que permitem investimentos quase que exclusivamente em seus próprios fundos. No entanto, muito desse dinheiro ainda é investido sem nenhuma relação aos objetivos filantrópicos do doador.
Por uma conversa com um Nobel
A ideia de criar a Neta foi inusitada. No fim de 2022, Lederman pendurou as chuteiras no Credit Suisse de Nova York, fechando uma carreira de quase três décadas. Por um ano, ele estudou o setor de filantropia até ressurgir no mercado com essa nova empreitada.
Durante este hiato, ele vivenciou um episódio peculiar: o grupo de investidores-anjos do qual ele faz parte recebeu a proposta de investir na pesquisa de um novo tratamento de câncer, liderada por um Nobel de química. No entanto, o modelo de negócios era rudimentar e algumas metas ainda não haviam sido alcançadas.
Ainda assim, um investidor centimilionário do grupo ligou para Lederman e disse que queria apostar no projeto usando seu dinheiro filantrópico, em vez da verba administrada por seu family office — sua equipe não o deixaria jamais tomar tamanho risco.
O investidor não queria nada em troca. Apenas a oportunidade de conversar com o prêmio Nobel duas vezes por ano. “Pensando em pessoas como ele, criamos uma plataforma digital focada em direcionar o dinheiro filantrópico para estes projetos", lembra Lederman, que, ao longo de 20 anos de carreira no mercado financeiro, trabalhou com produtos estruturados, empréstimos, derivativos, estruturas fiscais e cross borders.
Além do fundo de Severin, na Neta há investimentos na adaptação de tecnologia militar no setor de drones para uso civil, inclusão financeira, e tecnologias climáticas, um tema de crescente interesse entre investidores.
E ainda há clientes brasileiros residentes nos Estados Unidos, que utilizam os DAFs para impacto social no Brasil, enviando legalmente suas doações para organizações que lideram projetos em diversos setores na terra natal.