O clima era de apreensão com a mudança do controle acionário do MCH Group, conglomerado suíço por trás da Art Basel, para as mãos de James Murdoch, pelo empresário ser filho do controverso magnata de mídia australiano Rupert Murdoch, dono da News Corp, que administra o The Wall Street Journal, e da Fox Corp., que tem a conservadora Fox News.

A área de investimentos de James Murdoch é o entretenimento. Este ano, por exemplo, uniu-se ao ex-executivo da Disney Índia, Uday Shankar, para investir US$ 1,8 bilhão na Viacom18, para construir a "plataforma líder de entretenimento" da Índia.

Foi com resistência de outros acionistas, portanto, que sua Lupa Systems quis abocanhar em 2020, uma grande fatia da MCH Group. Em agosto daquele ano, injetou 48 milhões de francos suíços (48,5 milhões de euros), tornando-se membro do conselho e acionista relevante (com 32,32% das ações). Em dezembro, conquistou 49% e três assentos no conselho ao investir um total de 75 milhões de euros.

A Art Basel Miami, no entanto, a mais importante feira de arte do EUA, que chegou ao fim nesta sábado, 3 de dezembro, não sofreu maiores abalos neste tópico Murdoch. Por ora, a mudança mais significativa é a saída, "por decisão própria", de Marc Spiegler, diretor por 15 anos de todas as Art Basel.

Spiegler será substituído em 2023 por Noah Horowitz, que foi diretor para as Américas de 2015 a 2021. A feira continua como imã para colecionadores, o mercado de luxo, em eventos paralelos, e as celebridades, como o arroz de festa Leonardo DiCaprio.

A aguardada 20ª edição alcançou número recorde de expositores (282), mas estava dividida entre a expectativa otimista de voltar a realizar um evento presencial sem as restrições sanitárias que perduraram parcialmente até o fim do ano passado. E, ao mesmo tempo, sob a sombra das turbulências causadas pela guerra russa na Ucrânia e a consequente crise energética na Europa.

Quando a economia mundial estremece, o colecionador-investidor busca, sobretudo, outros ativos, que não a arte. “Winter is coming”, a célebre frase do personagem Jon Snow na série Games of Thrones, transformada à exaustão em memes, lembra a máxima de que a vida imita a arte, neste caso como um vaticínio.

O balanço desta edição ainda não foi divulgado. Em março deste ano, no entanto, as expectativas para o mercado de arte eram otimistas pelo resultado do último ano. Um estudo da própria Art Basel com a UBS Global Market Report apontava um crescimento de 29% de 2021 em relação 2020, o que equivalia a vendas estimadas em US$ 65,1 bilhões, globalmente. Mas isso, pós-pandemia, só que pré-guerra.

Estande da galeria Nara Roesler: melhor resultado e visibilidade

The Art Newspaper, uma das mais importantes publicações internacionais sobre o mercado, informou na abertura da Art Basel Miami que a previsão era de boas vendas, mas que as galerias já estavam preparadas para ganhos mais modestos: esperava-se, por exemplo, um número mais tímido de clientes vindos de outras cidades do país, como Nova York e Chicago.

Da Europa, idem, e da Ásia, pior ainda, devido às novas restrições da Covid-19. Em tempo: as cifras da Art Basel Miami, citou The Art Newspaper, jamais se equipararam às de Basileia, a feira original na Suíça.

Presente nesta edição, um nome de peso do colecionismo brasileiro, que não quer se identificar, disse ao NeoFeed, que os NFTs – uma febre nos dois primeiros anos de pandemia – quase desapareceram. “Havia somente uma sala pequena e medíocre, na entrada da feira. Nada nos estandes”, disse.

Uma mudança e tanto, uma vez que, globalmente, no ano passado, segundo pesquisas do Arts Economics e UBS Investor Watch, 74% dos colecionadores de alta renda compraram NFTs baseadas em arte, com um gasto médio de US$ 9 mil em cada.

Esta fonte destacou ainda algumas tendências. Houve uma consolidação da arte figurativa africana, em especial dos retratos, um movimento que já começara a despontar no ano passado. O mercado secundário – da revenda de obras, por exemplo, em leilões –, apresentou “excelentes trabalhos”. E o surrealismo que, em 2021, ganhara força, agora teve menos espaço.

O ganense Amoako Boafo, um dos expoentes da arte da diáspora africana

Thiago Gomide, da Gomide & Co, que fez sua nona participação na feira, levou obras de nomes de peso como León Ferrari, Lygia Clark e Jaider Esbell, um dos destaques a última Bienal de São Paulo. Fora do Brasil, Gomide também mantém estandes nas edições da Art Basel em Basileia e em Hong Kong.

Mas o galerista ressalta que Miami é uma das praças de maior êxito para ele – lá, ele afirma que vende o triplo do que fatura nas demais feiras internacionais –, sobretudo pelo interesse do colecionador habitué de Miami por arte latino-americana, um dos focos de seu portfólio, para além dos nomes brasileiros.

Entre as tendências do colecionismo neste ano, em Miami, Gomide identificou a busca por arte indígena e da diáspora africana, além de um retorno à pintura, que nos últimos anos vinha perdendo espaço, segundo ele, para a escultura, as instalações e os vídeos, por exemplo. O NFTs, disse o galerista, se resumem hoje mais a uma tecnologia, ainda sem uma linguagem estética consolidada.

Desde 2003 a Nara Roesler marca presença na ABMB. Segundo Alexandre Roesler, das oito feiras internacionais de que ele participa, Miami é a que costuma dar melhores resultados para a galeria, “não só financeiro, mas de visibilidade para nossos artistas, porque a cidade tem uma grande base de colecionadores de arte latino-americana”, em que o Brasil se enquadra.

A galeria levou trabalhos de nomes em franca ascensão, como Jonathas de Andrade, que participou do Pavilhão do Brasil na Bienal de Veneza deste ano, além de veteranos com carreira consolidada, como Vik Muniz e Arthur Lescher. A plataforma online Artsy, que cobre o mercado, incluiu o estande da galeria como um dos dez melhores deste ano.

A galeria Gomide & CO vende em Miami o triplo do que fatura nas demais feiras internacionais

“Vendemos obras de praticamente todos os artistas que levamos. Sendo que, alguns deles, mostramos pela primeira vez aqui, como André Griffo, Elian Almeida e Manoela Medeiros. Além dos tradicionais, como Abraham Palatnik, Tomie Ohtake, Julio Le Parc”, conta Roesler, que estima vendas superiores à edição do ano passado e também comemora a aquisição de um trabalho de Vik Muniz – “Dinheiro vivo: Floresta Brasileira, a partir de Johnson Heade” (2022) – pelo Nasher Museum, de Durham (EUA).

A Fortes D’Aloia & Gabriel participou de todas as 20 edições da Art Basel Miami, tendo como destaque, neste ano, nomes como Bárbara Wagner & Benjamin de Burca e Wanda Pimentel.

Alex Gabriel, sócio da galeria, considera a ABMB um “ponto central” para o mercado nas Américas, em especial para os latinos, e que desde sua abertura o evento vem funcionando como um catalisador para o colecionismo na região e para a cultura na cidade. Para a FDAG, no entanto, que tem nas feiras internacionais cerca de 30% de seu faturamento, Miami não é umas das mais rentáveis. No topo de seu ranking está ainda a Art Basel suíça.

“E, pelo que ouvi dos colegas galeristas aqui, as vendas foram abaixo da expectativa”, diz o galerista. Evitando falar em tendências desta edição, Gabriel apontou a pintura figurativa como uma das apostas dos colecionadores, em feiras como um todo, mais pelo caráter de segurança, como investimento, por ter maior liquidez no mercado. Concorda, no entanto, que artistas negros continuam sob os holofotes, mas pondera que se trata de “uma questão de relevância de nossa época”.

White Cube aposta em artistas blue chip, como Jeff Koons: escultura de resina “Bowl of eggs”, à venda por US$ 7,5 milhões

A propósito, entre as grandes galerias internacionais, uma das grandes expectativas deste ano era a Gagosian, que apresentou em Miami um trabalho do ganense Amoako Boafo, um dos expoentes da arte da diáspora africana, que ganhará sua primeira individual pela galeria em março, em Nova York. Darling da cena artística mundial, Boafo chegou a criar uma coleção para a Maison Dior, em 2020, e sua carreira prossegue em ascensão meteórica.

Já a White Cube, outra galeria de projeção, manteve suas fichas de aposta em artistas blue chip, já consagrados internacionalmente, como Jeff Koons. Em seu estande, a escultura de resina “Bowl of eggs”, a única amarela numa edição limitada de cinco peças, e com três metros de largura, estava à venda por vultuosos US$ 7,5 milhões. Outros destaques de seu estande eram trabalhos de Basquiat e Damien Hirst, comercializados por US$ 2 milhões e US$ 675 mil, respectivamente.