Sabe quando uma liderança acredita que a companhia está “praticando o propósito”, só que a equipe não tem, nem de longe, a mesma percepção? Ou uma corporação que imagina já ter feito o suficiente em sustentabilidade, mas os stakeholders avaliam que aquele estágio é só o começo? Pois então, são “descompassos” como esse que três professoras da Fundação Dom Cabral têm conseguido mapear com o Radar da Antifragilidade.
Até agora, mais de 850 executivos em eventos abertos e in company de empresas como Raia Drogasil, Danone, Natura, Inovabra, entre outras, já utilizaram o método que foi selecionado para apresentação no SXSW, o festival de tecnologia e música, caldeirão de startups e inovações, que começa em 11 de março, sempre em Austin, no Texas.
A partir do conceito criado em 2012 pelo matemático e professor do Instituto Politécnico da Universidade de Nova York, Nassim Nicholas Taleb, as especialistas em inovação, tendências e educação executiva Erlana Castro, Sabina Deweik e Tipiti Barros desenvolveram uma ferramenta que faz diagnósticos do nível de entendimento e inovação no contexto do ESG pelas companhias e profissionais.
O termo que grosso modo define a capacidade de ir além da resiliência, ou seja, não só resistir, mas lidar com imprevistos e prosperar nas adversidades, ganhou amplitude na pandemia. Diante de uma realidade muito mais complexa em que todos se sentem vulneráveis, elas se dedicaram a encontrar por meio de análise qualitativa quais seriam os temas incontornáveis para que as empresas pudessem medir em que nível estavam e o que precisariam priorizar para evoluir no contexto caótico de “restart do capitalismo”.
Foi um pedido da Danone para criar um instrumento prático e rápido que pudesse descomplicar a complexidade para seus projetos de inovação que elas chegaram ao Radar da Antifragilidade. “É tanta informação e tanto ruído que as empresas não sabem nem para onde olhar para lidar com os novos paradigmas, com os novos valores da sociedade e do mercado. Por isso montamos esta espécie de bússola que permite um ranqueamento das antifragilidades em ESG em oito categorias de discussão”, explica Sabina Deweik.
Uma das oito áreas identificadas por elas é a “diversidade como potência”, por exemplo, um dos temas de grande temor das empresas. “Já passamos do estágio do reconhecimento da necessidade da diversidade. O que mostramos é como uma inclusão criativa pode definir as estratégias para o futuro da companhia e que, claro, passa por uma transformação cultural”, explica Tipiti Barros.
Outro tema é a “prontidão para disrupção” que envolve o reconhecimento de que não há mais cenários de estabilidade, que a turbulência é uma constante, e que a mudança deve funcionar com um energético, uma mola propulsora.
Nos workshops, os participantes fazem avaliação da empresa em cada um destes critérios na escala que vai de 1 (negacionista) até chegar ao 5 (ativista), numa graduação que segue com 2 (curioso), 3 (consciente) e 4 (engajado). Por meio do software Mentimenter, as avaliações são contabilizadas e todos os participantes têm um diagnóstico em tempo real da companhia.
“Sempre nos perguntam se o ideal é ser uma empresa ativista. Nosso objetivo não é julgar as companhias ou lideranças, mas possibilitar as corporações um panorama de onde estão e que tenham consciência da sua responsabilidade nas transformações pelas quais o capitalismo está passando”, explica Erlana Castro.
Nos workshops, a audiência faz um estudo de caso, ao aplicar o Radar na Magazine Luíza. “Com frequência, o entendimento é que se trata de uma empresa antifrágil em quase todas as dimensões, sendo que a questão de regeneração ambiental é a menos forte”, diz Erlana. A experiência in company da Danone, por sua vez, revelou que a companhia “sabatinou em regeneração ambiental, mas revelou certa fragilidade em mentalidade digital”, diz ela.
Até agora, empresas dos mais variados setores as têm procurado para aplicação da ferramenta, e não só as sensibilizadas ou que “vivem o ESG”. Já houve casos em que o próprio presidente da empresa manifestou sua discórdia quanto as “mudanças no capitalismo” no meio de uma apresentação. “Nem todo mundo está preparado para entender que o mundo mudou”, diz Tipiti. Mas, ao mesmo tempo, “as empresas não podem lidar com o ESG como uma realidade alternativa”, diz Sabina.
O Radar pode ser aplicado também para autoavaliação dos profissionais. Uma das provocações que elas gostam de fazer é contrapor o autodiagnóstico de lideranças com uma análise de antifragilidade do Brasil. Em um grupo de executivos, por exemplo, elas detectaram que os profissionais se avaliavam muito bem nos oito critérios, mas quando faziam o mesmo com o país, eram bem mais críticos. “O que questionamos é como pode uma nação frágil com cidadãos tão antifrágeis”, diz Erlana.
“Tendemos a nos imaginar mais antifrágeis do que somos. O problema sempre é externo a mim. Olhar para fora é sempre mais fácil do que olhar para si. Ao criticarmos o Brasil, o mundo, o governo, sentimos que não fazemos parte disso. Qual minha parcela nesse contexto? Como posso fazer parte da mudança que quero ver?”, completa Sabina.