Não estranhe se alguém lhe disser que um dos objetos do desejo de 2024 é um aspirador de pó. Se o sonhador citar a marca inglesa Dyson, o modelo Gen5utsize, especificamente, acredite: ele não está sozinho.
Lançado em junho de 2023, o eletrodoméstico vem causando frisson nas redes sociais desde o final do ano.
No TikTok, em apenas seis dias, entre 10 e 16 de janeiro, o número de visualizações dos vídeos sobre o produto saltou de 167,8 milhões para quase 315 milhões.
Pelo entusiasmo dos usuários, nos filminhos, limpar a casa parece virar uma atividade das mais agradáveis e divertidas. É possível, dada a sofisticação tecnológica do aparelho.
Como todos os aspiradores da Dyson, o Gen5outsize não tem fio. O novo modelo, porém, possui uma espécie de visão de raio-X.
Acionado o botão “on”, a máquina lança feixes de laser no chão à sua frente. Capaz de identificar partículas a partir de 0,0001 milímetro, a luz verde revela um universo de imundícies, até então imperceptíveis a olho nu.
Graças a um motor de 135 mil rotações por minuto (“até nove vezes mais rápido do que o de um carro de Fórmula 1”, segundo a empresa), o poder de sucção do aspirador é alto para um equipamento doméstico. Enquanto o Gen5outsize traga a sujeira, um sensor de vibrações ultrassônicas conta e classifica os resíduos “engolidos”.
Na outra ponta do equipamento, em uma tela de LCD, gráficos sobem e descem, de acordo com o volume de sujeira capturada. Tudo em tempo real; “para que os proprietários saibam quando podem seguir em frente ou quando devem gastar mais tempo limpando determinada área”, lê-se na apresentação do produto.
Essa alegria em forma de eletrodoméstico custa US$ 1,049 mil. A empresa não vende o Gen5outsize diretamente para os consumidores brasileiros. Por aqui, o modelo é anunciado em plataformas de e-commerce por, no mínimo, R$ 15 mil.
Funcionalidade e beleza
Mais fascinante do que a parafernália tecnológica do Gen5outsize é a história de seu criador. Aos 76 anos, Sir James Dyson é hoje o quinto homem mais rico do Reino Unido, conforme levantamento do jornal The Sunday Times. Inventor do primeiro aspirador de pó sem saco, ele é dono de uma fortuna avaliada em £ 23 bilhões.
Formado em desenho industrial pelo Royal College of Art, de Londres, em 1970, ele foi aluno de David Hockney, um dos grandes nomes da pop art. Com o pintor e cenógrafo britânico, Dyson aprendeu: funcionalidade e beleza podem (e devem) andar juntas. Caso não seja possível, ele defende a função em primeiro lugar.
Até agora, pelo menos, não foi preciso renunciar à estética. Design arrojado, cores vibrantes e novos materiais, os aspiradores Dyson viraram até peça de museu.
Lançado em meados dos anos 1990, o modelo DC02 faz parte da coleção permanente do Museu de Arte Moderna (MoMA), de Nova York. Já o G-Force foi selecionado, em 2016, para uma exposição no London Design Museum.
Em 2007, o estilista japonês Issey Miyake (1938-2022) convidou Sir Dyson para criar o cenário de seu desfile primavera/verão 2008, na Semana de Moda de Paris. O tema da coleção girava em torno da magnificência do vento.
O designer inglês levou para a passarela instalada nos Jardins de Tuileries réplicas gigantescas e coloridas dos tubos de aspiradores de pó. E, com as roupas esvoaçantes, as modelos desfilaram em meio a uma ventania.
“Dyson deu ao mundo um aspirador de pó que derrubou a sabedoria predominante, levando 15 anos para ser aperfeiçoado” lê-se em comunicado da época, emitido pela casa de moda de luxo. “A qualidade verdadeiramente inovadora do produto e a sua excelência em engenharia de design têm ressonância particular para Issey Miyake.”
Ciclone de papelão
Sim, foram precisos 15 anos e 5.127 protótipos para que Dyson chegasse ao modelo de aspirador ideal. Tudo começou em 1978, quando ele e sua esposa, a pintora Deirdre Hindmarsh, compraram o aspirador mais potente do mercado.
Não demorou muito para que o aparelho começasse a perder sucção e o saco de coleta da sujeira rasgasse – um produto que, à época, movimentava algo em torna de £ 500 milhões, por ano.
“Como todo mundo, ficamos frustrados com produtos que não funcionam corretamente”, costuma dizer Dyson. “Como engenheiros de design, fazemos algo a respeito.” E ele fez. Levou a tecnologia ciclone dos aspiradores industriais para os eletrodomésticos.
Nesses modelos, o ar gira tão rápido que forma um ciclone capaz de sugar as poeiras mais finas, o que, nos mecanismos tradicionais, acaba por entupir os aparelhos.
Outro diferencial: os ciclones dispensam o coletor de resíduos. Depois de sugado, o lixo é depositado em um recipiente do próprio aparelho – o que é bom pois ele pode ser limpo tantas vezes quantas forem necessárias.
Dyson viu uma dessas máquinas em operação, em uma madeireira perto de sua casa. Ficou maravilhado. Ele precisava descobrir um jeito de levar o mesmo sistema para os aspiradores domésticos.
Desmontou o aparelho recém comprado e acoplou a ele um ciclone feito de papelão.
Fazendo fortuna com o fracasso
Começava aí a história da companhia (e da fortuna) do designer. Não foi fácil chegar ao primeiro modelo da marca, o DC01. Mas, com a persistência de quem carrega o “DNA da invenção”, Dyson não desistiu, apesar dos reveses, das dívidas, dos obstáculos... dos nãos.
Aliás, ele é o tipo de sujeito que valoriza o erro. “Aproveite o fracasso e aprenda com ele. Você nunca aprende com o sucesso”, é um de seus lemas. O designer frequentemente diz que “fez fortuna fracassando”.
Essa, aliás, é a tônica de seus dois livros, Against the Odds: Na Autobiography, de 1997, e Invention: A Life, de 2021. O mais recente foi descrito pela The Wall Street como “um dos livros sobre negócios mais relevantes e reveladores do ano”.
Um dos arrependimentos de Dyson foi ter cedido à pressão de investidores externos na venda de sua primeira empresa. Quatro anos antes de se lançar na busca pelo aspirador de pó perfeito, ele inventara o primeiro carrinho de mão do mundo com uma bola pneumática no lugar da roda estreita, o Ballbarrow.
A família acabara de se mudar para uma fazenda no interior da Inglaterra. Ele e Deirdre estavam reformando a casa. E Dyson ficou muito incomodado com os carrinhos tradicionais.
Feitos de metal, viviam afundado nos terrenos mais fofos. Ele então criou o Ballbarrom, versão de plástico, com a bola em vez de roda e as pernas mais largas, não atolava na terra.
O "fracasso" mais recente veio em 2019. Dyson reuniu cerca de 500 profissionais em torno da construção de um carro elétrico. Não deu certo. Ele jamais conseguiria competir com a Tesla, de Elon Musk.
“Foi uma decisão difícil, mas os aprendizados tecnológicos podem ser aplicados a outros projetos, e a maior parte do talento que recrutamos permaneceu na empresa”, avaliou à época.
Empresário, não
Mas isso é história. Hoje o grupo Dyson fabrica, além de aspiradores, secadores e modeladores de cabelo, ventiladores, purificadores e torneiras. Presente em 84 países, em 2022, gerou receitas da ordem de £ 6,5 bilhões.
Além dos negócios, o designer se dedica a outros tantos projetos. Criado em 2017, o Instituto Dyson de Engenharia e Tecnologia oferece uma nova forma de graduação, na qual os alunos estudam enquanto desempenham função assalariada na equipe de P&D da companhia. A primeira turma se formou em 2021 e todos os jovens optaram por continuar no grupo.
Em 2013, ele fundou a Dyson Farming, empresa de inovação agrícola focada no desenvolvimento de alimentos nutritivos, de baixo impacto ambiental. Há também a Fundação Dyson, de 2002, de incentivo a jovens inventores, tocada por ele e Deirdre.
Como se vê, Dyson segue inquieto, sempre em busca de novos desafios. Em novembro de 2023, em uma entrevista coletiva, conforme relata o jornal espanhol El País, ele se definiu assim: “Se tem uma coisa que não sou, é empresário. Escreva isso porque quero deixar claro”. Designer, inventor e inovador, sim.