Dizer que alguém vive no mundo da lua ou que anda com a cabeça nas nuvens nunca foi algo positivo. O senso comum, afinal, nos leva a acreditar que distrações são prejudiciais e que precisamos manter o foco constante, num estado de atenção permanente ao trabalho, às pessoas que nos rodeiam ou até mesmo aos exercícios físicos que praticamos.

De acordo com o neurocientista israelense Moshe Bar, porém, deixar o pensamento fluir solto pode trazer diversos benefícios à nossa vida, como incrementar o ânimo e nos tornar mais criativos.

Baseadas nas experiências desenvolvidas por sua equipe no laboratório de neurociência cognitiva do Gonda Multidisciplinary Brain Research Center na universidade Bar-Ilan, próxima de Tel Aviv, suas descobertas foram reunidas no recém-lançado livro A arte da divagação – Como uma mente livre pode melhorar o humor e turbinar a criatividade (Objetiva).

Com prosa agradável e linguagem acessível, Bar parte de algumas descobertas feitas pela neurociência nas últimas décadas para mostrar os mecanismos que permitem identificar os diferentes estados da mente humana. E, a partir daí, tirar o melhor proveito deles.

Uma das pesquisas, por exemplo, constatou que divagamos durante 30% a 47% de todo o tempo em que permanecemos acordados – e isso é bom.

“A criatividade exige digressões abrangentes e investigativas”, disse o cientista em entrevista à revista Forbes, no fim de abril. “Esse tipo de raciocínio necessita de um processo que chamamos de ‘incubação’, quando novas ideias são produzidas e, então, avaliadas. É na divagação que essa incubação criativa acontece.”

Não se trata, é claro, de passar o dia inteiro sonhando acordado, mas de aprender a identificar as condições do pensamento e afastar os ruídos para que ele trabalhe em frequências mais produtivas. Como diz o livro, “existe uma mente ‘certa’ para cada ocasião e nossa missão é maximizar esse casamento e minimizar os atritos”.

Uma das maneiras de auxiliar esse processo de consciência, sugere Bar, é aderir à prática da meditação, capaz de promover uma existência mais atenta por meio de três “ingredientes”, como ele os classifica: atenção difusa (capacidade de observar o entorno dando o mesmo peso a todos os lugares e objetos, sem privilegiar qualquer um), abandono de expectativas e redução do apego a nossos pensamentos.

Em meio a relatos pessoais e informações facilmente compreensíveis sobre o funcionamento cerebral, o cientista ainda descreve ferramentas que, como afirma no capítulo que encerra o livro, saíram do laboratório para a vida real e ajudam a extrair o máximo da divagação como hábito inventivo e estimulante.

“Leia um texto de sua escolha o mais depressa que puder. É preciso que continue a ser compreensível e, ao mesmo tempo, agradável”, aconselha o autor

Uma delas se propõe a melhorar o humor com a leitura rápida. “Leia um texto de sua escolha o mais depressa que puder. É preciso que continue a ser compreensível e, ao mesmo tempo, agradável”, aconselha o autor.

Bar diz que a leitura rápida leva as pessoas a um estado eufórico, semelhante ao maníaco. Nos estudos conduzidos dentro da universidade, os participantes do experimento manifestaram uma sensação subjetiva de poder, criatividade e mais energia.

Outro recurso estimula o uso da imaginação para simular circunstâncias variadas e torná-las verossímeis. “Torne as coisas mais plausíveis fazendo-as parecer mais plausíveis, por meio de simulações que chamo de salivações mentais”, escreve o autor.

Ele dá o exemplo prosaico de alguém deitado no sofá, sem energia para ligar o computador, sair de casa para fazer compras ou ir até a academia. Sua recomendação é imaginar a atividade em detalhes: visualizar a lista de alimentos que devem ser adquiridos, as sacolas reutilizáveis em que serão acondicionados, o local de estacionamento do supermercado, os corredores em que ficam os produtos, as flores que você vai comprar na saída e, finalmente, a sensação de missão cumprida na volta para casa.

“De repente, a experiência como um todo parece mais próxima, sem obstáculos e intromissões entre você e o efetivo levantar-se do sofá”, conclui. Da mesma forma, ensina Bar, conversar e dividir angústias é sempre positivo, pois o simples fato de compartilharmos um medo paralisante ou uma ideia dolorosa ajuda a aliviar grande parte do sofrimento.

“Falar com alguém, ou consigo mesmo, assim como simplesmente colocar o pensamento no papel, resolve de forma surpreendente a maioria das pequenas preocupações do cotidiano.” Da próxima vez que se pegar com a cabeça nas nuvens, portanto, aproveite. Seu cérebro agradece.

Serviço:
A arte da divagação – Como uma mente livre pode melhorar o humor e turbinar a criatividade
Moshe Bar
Tradução: André Fontenelle
Objetiva
224 páginas
Impresso: R$ 69,90
E-book: R$ 39,90