Muitas prequelas são desculpas para Hollywood expandir o universo de uma franquia de sucesso e, consequentemente, capitalizar sobre a marca. Este não é o caso de Um Lugar Silencioso: Dia Um. O filme tem uma razão de existir, pelo menos do ponto de vista narrativo — a de resgatar a chegada dos alienígenas cegos, com audição aguçada, que exterminaram quase toda a população da Terra.

Em cartaz nos cinemas brasileiros, o novo longa-metragem mata a curiosidade do espectador e enriquece o imaginário da franquia de terror e ficção cientifica — responsável por US$ 638 milhões, com a bilheteria dos dois títulos anteriores, lançados em 2018 e 2020.

Faz sentido olhar para trás, já que a história original foi inaugurada com o planeta já “calado”, com a ambientação feita depois de pouco mais de um ano desde a invasão dos extraterrestres que caçam movidos pelo som.

Como a franquia é sucesso não só de público, mas de crítica, o que é mais raro, a prequela chega aos cinemas antes de a história da família Abbott ter continuidade. Há a promessa de um quarto filme (ainda sem data de lançamento prevista), para levar adiante as agruras da viúva Evelyn (Emily Blunt) para garantir a sobrevivência do clã em mundo cada vez mais hostil, embora livre de ruídos.

Como o título já adianta, a ação de Um Lugar Silencioso: Dia Um começa justamente na data do ataque, quando a cidade de Nova York é escolhida como alvo — como é de costume no gênero de filme-desastre hollywoodiano. A ironia aqui é palpável, até porque a história começa escancarando a poluição sonora da “cidade que nunca dorme”, anunciando que ela chega a emitir 90 decibéis, o equivalente a um grito humano.

O recorte escolhido para o filme é o olhar de Sam (Lupita Nyong'o). Ela é uma paciente terminal com câncer que topa sair da clínica onde mora para participar de excursão de um dia na metrópole, atraída pela chance de ver um show e comer pizza.

Mas pouco depois de Sam e os demais pacientes desembarcarem do ônibus, o céu de Manhattan é tomado por uma chuva estranha.

Os extraterrestres gigantes caem como meteoros, provocando explosões e crateras por todos os lados, o que deixa a população desorientada. Aos poucos, aqueles que sobreviveram ao caos inicial percebem que os sons e os gritos dos mais desesperados atraem os alienígenas, fazendo com que eles ataquem infalivelmente quem os emite.

Como Sam fica inconsciente no meio da confusão, ela é alertada por mímica, ao retomar os sentidos, de que não pode falar e de que qualquer barulho tem consequência letal.

Quem tapa a sua boca é Henri (Djimon Hounsou), o único personagem que faz a ponte entre a prequela e os títulos anteriores — por ele ter aparecido no segundo filme, como o líder de uma colônia de sobreviventes.

Em uma das cenas mais angustiantes do primeiro filme, a personagem de Emily Blunt tem de dar à luz, sem emitir nenhum som (Reprodução imdb.com)

No papel de Henri, Djimon Hounsou é o único personagem que faz a ponte entre a prequela e os títulos anteriores (Foto: Divulgação)

O novo filme explica por que a cidade de Nova York foi escolhida como alvo do primeiro ataque dos monstros (Foto: Reprodução imdb.com)

Quando Sam desperta, em teatro tomado por cidadãos em choque, helicópteros militares já sobrevoam Manhattan, anunciando por autofalantes que as criaturas têm audição apurada, mas que não podem nadar. As pontes são destruídas pelo governo, para evitar que os alienígenas deixem a ilha.

Mas há a promessa de que os sobreviventes sejam resgatados por barcos, o que induz a uma perigosa perigrinação ao porto e, consequentemente, a mais ataques.

A influência dos filmes mudos

Há tensão e horror suficiente pelo caminho. Mas nada que se compare à força dramática dos dois filmes anteriores, que já exploraram as piores situações para um personagem segurar o grito ou o choro. Como o trabalho de parto de Evelyn no primeiro filme, obrigando-a a ficar em absoluto silêncio durante as contrações — talvez a circunstância mais perversa de todas quando é proibido abrir o bico.

Por mais que Um Lugar Silencioso: Dia Um traga mais elementos e curiosidades para a franquia, contribuindo para o seu legado, o primeiro título se mantém como o melhor.

Talvez por ele ter sido concebido como um filme solo, sem que os roteiristas Bryan Woods, Scott Beck e John Krasinski (que também foi o diretor dos anteriores e fez o papel do patriarca dos Abbott no original) tivessem inicialmente a ambição de criar uma franquia. Foi o sucesso que os convenceu.

O argumento saiu da imaginação de Beck e Woods, que cresceram na zona rural (onde o original é ambientado) e sempre foram fãs do cinema mudo.

A grande sacada da dupla foi imaginar uma história em que o som e o silêncio são empregados de modo inventivo ao longo da narrativa, seja explorando os momentos mais difíceis de manter a mudez ou explorando as formas mais inusitadas de comunicação entre os que não podem fazer o mínimo ruído.

E, de quebra, a sala de cinema testemunha algo inimaginável, com momentos de silêncio total, daqueles que quase permitem ouvir a respiração do espectador ao lado.