Com a proposta de unir arte, arquitetura e design, a mostra Aberto sempre acontece em casas projetadas por arquitetos consagrados. A ser inaugurada em 11 de agosto, na capital paulista, a terceira edição do evento, pela primeira vez, ocupará dois espaços — as residências das artistas asiático-brasileiras, a japonesa Tomie Ohtake (1913-2015) e a chinesa Chu Ming Silveira (1941-1997).
“Acho importante revisitar esses legados, que valorizam a arquitetura brasileira e possuem o mesmo estilo brutalista”, diz o consultor de arte Filipe Assis, organizador da exposição ao lado da curadora Kiki Mazzuchelli e da designer Claudia Moreira Salles. “Além das obras que estarão em exibição, o próprio espaço arquitetônico é uma atração”, completa, em entrevista ao NeoFeed.
Mas ele faz questão de frisar: “Só não quero passar a impressão de que pelo fato de serem duas casas, o evento está crescendo. No fim, nosso custo acabou sendo dobrado e, provavelmente, no ano que vem concentraremos tudo numa única casa como nos anos anteriores”.
A Aberto de 2024, como define, foi uma “contingência, no caso de Tomie, um reconhecimento e no, de Chu, quase uma homenagem.”
As duas casas são da virada dos anos 1960 para 1970. A de Tomie, no Campo Belo, bairro da zona sul paulistana, era também seu ateliê. De 1968, com 750 metros quadrados, foi um dos primeiros grandes projetos de seu filho Ruy Ohtake (1938-2021). “Um ícone da arquitetura brutalista de São Paulo, a casa incorpora cores vibrantes em seu design, um tributo ao rico legado artístico de Tomie”, lê-se na apresentação da mostra.
A residência de Chu, no Morumbi, foi idealizada pela própria arquiteta e designer. No jardim da casa, perto da piscina, está uma das criações mais emblemáticas da chinesa: o “orelhão”, símbolo do design made in Brazil.
Apesar de a concepção do “protetor” para telefones públicos ter atravessado fronteiras, a arquiteta permaneceu praticamente no anonimato.
“Acho incrível que ela tenha ficado assim tão desconhecida. Hoje isso certamente não aconteceria com as oportunidades que temos e o número de designers que há no mercado”, diz a designer Claudia Moreira Salles, ao NeoFeed. “Apesar de importante, seu trabalho nunca ganhou destaque em nenhuma publicação. Talvez isso tenha a ver com o fato de ser mulher e de trabalhar em grandes empresas, onde há menos assinatura e menor projeção da obra individual”.
Outro aspecto que Claudia destaca é o fato de as duas famílias terem deixado uma herança na arte e arquitetura. Na casa de Tomie haverá móveis de Ruy Othake e peças originais do neto Rodrigo. Na de Chu, seu filho mais novo, Alan, apresentará mobiliário desenhado por ele e editado pela galeria Etel.
"The King in Jail"
Prevista encerrar em 15 de setembro, a exposição será dividida com contemporâneos e pós-ano 2000, na residência de Tomie. Os “masters” e pré-2000, na de Chu. Há casos específicos como Adriana Varejão, que se enquadra nos dois períodos e é "master", terá obras nas duas casas. Todas estarão à venda.
Um dos destaques da Aberto é The King in Jail, da cubano-americana Carmen Herrera (1915-2022). De 1948, a obra, feita com esmalte e óleo sobre estopa, é a mais cara da mostra — US$ 1 milhão. Borealis, outro quadro dela, sai por US$ 850 mil.
Há ainda Burple do artista britânico Anish Kapoor, por £ 675 mil, e Optiks, do fotógrafo e arquiteto japonês Hiroshi Sugimoto, por US$ 250 mil. Todos esses valores excluem taxas e, no Brasil, elas são bem altas; cerca de 45% sobre o preço da obra.
Para ter um comparativo de como aqui a venda de arte, quando feita pelos canais oficiais é mais inacessível, basta comparar com as taxas praticadas em outros países: Portugal 6%, França 5,5%, Inglaterra 5%, e nos Estados Unidos não há taxação.
Vale conferir também os retratos de Tomie e de Chu feitos por Maria Klabin, que se junta a um rol de artistas brasileiros consagrados: Fabio Miguez, Arthur Lescher, Daniel Senise e Beatriz Milhazes. Há ainda obras de artistas jovens e pouco conhecidas como Luisa Matsushita, pintora e vocalista da banda Cansei de Ser Sexy.
As paredes curvas
Vivendo entre São Paulo e Londres, Assis, o fundador da Aberto, já se dedicava a promover a arte e o design brasileiros no exterior.
Mas sua ocupação principal era na área de finanças e incorporação. Trabalhou com imóveis de luxo na JHSF e geriu o fundo Kinea, do Itaú, em Milão.
Depois, fez um mestrado em arte na Sotheby’s e, com o projeto desenhado e pensando uma perspectiva comercial, se uniu a Kiki Mazzuchelli.
Quando escolheram uma de casa de Niemeyer (1907-2012), no Alto de Pinheiros, para a primeira edição, alguns galeristas tentaram dissuadi-los argumentando que a exposição não daria certo porque as paredes eram curvas.
Foi aí que Claudia Moreira Salles entrou em cena, desenhando cavaletes para resolver a questão.
Nasceu assim o time que funciona até hoje. Como lembra Assis: “No fundo, não achava que essa fórmula de casas icônicas como espaço daria tão certo como deu”.