O destino Amazônia está na lista de desejos de boa parte dos turistas estrangeiros e, desde a pandemia, cada vez mais também dos brasileiros. As porções amazonense e paraense da maior floreta tropical do mundo costumam ganhar neste share of mind em qualquer pesquisa do setor. Pouco se fala, porém, sobre a Amazônia mato-grossense; por isso mesmo, um território ainda protegido e fascinante.

Localizada ao norte do estado, a floresta ocupa 54% do Mato Grosso, já quase na transição para os biomas do pantanal e do cerrado. A região reúne a maior biodiversidade da Amazônia brasileira. Serve de habitat natural para 1 361 espécies de plantas. Cinco delas foram descritas pela ciência recentemente.

Abriga ainda oito tipos distintos de vegetação e um sem-número de animais. Pássaros, antas, porcos selvagens, lontras, ariranhas, macacos, jacarés e capivaras são facilmente avistados por ali.

Cortando parte da Amazônia mato-grossense, o rio Cristalino se transforma em território rochoso, com corredeiras e lagoas naturais, entre árvores centenárias --sobretudo na época de seca, entre junho e outubro.

Nesse período, o local se transforma em um dos melhores lugares para a observação de vida selvagem de toda a floresta. Várias espécies de animais pode ser avistadas nas margens dos rios. Com chuvas mais fortes e frequentes entre dezembro e março, de novembro a maio a região pode ficar parcialmente alagada.

Se para os cientistas, a floresta é um prato cheio para pesquisas de todos os tipos, para os viajantes, ainda é um tesouro a ser descoberto, pouco explorado turisticamente -- inclusive com baixa oferta em hospitalidade. A região conta com apenas um hotel.

A região é uma das melhores para observação de vida selvagem (Foto: Will Carter)

Donos de terra e de concessões ainda não se interessaram em investir no turismo. A maioria das propriedades é bastante simples, focada em pesca esportiva.

Com essa ocupação, a Amazônia mato-grossense acaba se revelando mais tranquila, silenciosa e vazia do que alguns outros trechos amazônicos do país. Ao navegarmos pelo rio Cristalino, por exemplo, é bastante raro cruzarmos com quaisquer outras embarcações.

O interesse por essa porção da floresta é tão recente que apenas no ano 2000 o governo do Mato Grosso criou o Parque Estadual Cristalino e o Ministério do Meio Ambiente reconheceu a região como "área de extrema importância para a conservação da biodiversidade".

O movimento pela preservação foi, em grande parte, impulsionado por uma reserva privada, inaugurada alguns anos antes. Hoje, ambos os projetos funcionam juntos, como um corredor essencial de vida selvagem para as espécies locais.

Seis vezes maior do que Fernando de Noronha

A Reserva Particular do Patrimônio Natural do Cristalino foi estabelecida na década de 1990, por ideia de Vitoria Da Riva. Mineira de Jequitaí, com família na região, tinha interesse em proteger esse trecho da floresta amazônica da exploração predatória.

Como a floresta no Mato Grosso é pouco conhecida, é possível navegar pelo rio Cristalino sem cruzar com nenhuma embarcação (Foto: Cristian Dimitrius)

Além da reserva, no processo de preservação da área, ela fundou o Cristalino Lodge, a cerca de uma hora de carro e 30 minutos de barco do aeroporto de Alta Floresta, a 830 quilômetros de Cuiabá.

Nos últimos cerca de 30 anos, a área da reserva saltou dos inicias 600 hectares para 11,3 mil hectares --seis vezes maior do que o território do Arquipélago de Fernando de Noronha.

A porção de terra destinada ao lodge, porém, se manteve em dois hectares, com apenas 18 acomodações independentes. Com um staff composto majoritariamente por moradores das comunidades locais, hotel foca nas práticas sustentáveis.

Da construção à operação dos serviços; dos passeios de baixo impacto aos sistemas próprios de tratamento de água e reciclagem dos resíduos; o lodge segue os preceitos da permacultura, modelo de planejamento de ambientes humanos, baseado no respeito aos ecossistemas naturais.

O Cristalino Lodge dispõe de apenas 18 bangalôs (Foto: Samuel Melim)

Com o passar dos anos, a reserva privada deu origem também à Fundação Ecológica Cristalino, mantida pelo lodge, para promover pesquisa científica e educação ambiental.

Integrante da Brazilian Luxury Travel Association, até a pandemia, o hotel recebia praticamente apenas turistas estrangeiros. Durante a vigência do novo coronavírus, por muito tempo, só registrou a presença de brasileiros. Para agradá-los, a direção do lodge está construindo piscina e academia.

Hoje, com diárias desde R$ 2,35 mil, com tudo incluído, exceto bebidas alcóolicas, recebe brasileiros e estrangeiros, famílias com crianças, casais e viajantes solo. Em comum, turistas ávidos por conhecer uma versão da Amazônia mais preservada e discreta, rica em observação da vida selvagem.