LONDRES - Yoko Ono já tinha identidade artística muito antes de se casar com John Lennon, em 1969, e, mais tarde, ser apontada como o pivô do fim dos Beatles. É isso que a exposição Yoko Ono: Music of the Mind, aberta recentemente em Londres, na Tate Modern, quer provar.

Apesar das insinuações de que Yoko teria tirado vantagem do relacionamento com Lennon, para a sua projeção como artista, ela já tinha uma carreira antes de conhecê-lo.

Em 1966, quando eles foram apresentados, ela estava prestes a inaugurar a mostra Unfinished Paintings And Objects, na galeria Indica, de John Dunbar, colecionador famoso em Londres por suas conexões com a contracultura dos anos 1960

Ao circular pela exposição atual, realizada em parceria com o estúdio da artista, em Tóquio, fica claro que Yoko não precisava usar Lennon de trampolim para o sucesso.

No início da década de 1960, ela já era uma figura estabelecida no movimento experimental chamado Fluxus, com forte influência nos Estados Unidos, Europa e Japão.

Justamente por já ter um nome na cena artística de vanguarda em Nova York e Tóquio, Yoko foi convidada para passar uma temporada na capital inglesa. Quem a chamou foi o alemão Gustav Metzger (1926-2017), criador do conceito de arte autodestrutiva.

“Na época, Metzger descrevia a arte de Yoko como transformadora, inacabada e participativa”, conta Juliet Bingham, curadora da exposição na Tate Modern, em conversa com o NeoFeed. “O que procuramos mostrar aqui é como Yoko já tinha um conceito artístico estabelecido antes de vir para Londres, embora ela tenha atraído mais a atenção da mídia com as colaborações com Lennon.”

Sete décadas de arte

A exposição conta com cerca de 200 itens, entre instalações, fotografias, filmes e discos, um resumo de suas sete décadas de contribuição como artista plástica de vanguarda, cantora, compositora, cineasta e ativista.

Em<em> Cut Piece</em>, de 1964, a artista convidava o público a cortar sua roupa (Foto: Tate Modern)
Em Cut Piece, de 1964, a artista convidava o público a cortar sua roupa (Foto: Tate Modern)

Um dos destaques da mostra é a arte performática que Yoko batizou de Cut Piece, encenada pela primeira vez em 1964, no Japão. Sentada no chão, em um palco, ela tinha apenas uma tesoura à sua frente. E o público era convidado a usar o utensílio para cortar sua roupa.

Em geral, as pessoas começavam picotando pedaços bem discretos, mas logo se entusiasmavam, cortando mais e mais – incluindo as alças do sutiã de Yoko. “Com a artista em uma posição passiva, é uma performance que denuncia a violência contra a mulher”, comenta a curadora.

O que se vê na exposição de Londres são fotografias e um vídeo de uma apresentação do Cut Piece, no no Carnegie Recital Hall, de Nova York, em 1965. O registro, com quase dez minutos de duração, foi feito pelos documentaristas Albert e David Maysles.

Em 1966, ano em que conheceu Lennon, Yoko apresentou a performance duas vezes em Londres, dentro do simpósio chamado Destruction in Art. Mais tarde, o casal criaria algumas apresentações juntos, como a Bed-in for Peace, em protesto contra a Guerra no Vietnã – fotos e vídeos do evento também estão no Tate Modern.

Fica claro aqui que a artista já advogava em defesa da liberdade e da paz antes de unir forças com Lennon, com quem realizou o controverso álbum Unifished Music Number 1 - Two Virgins, em 1968, com ambos nus, de frente (na capa do disco) e de costas (no verso).

"Interessante para os dois"

Outro exemplo de trabalho solo de Yoko, resgatado na exposição, é a instalação Sky TV, de 1966. A videoescultura foi definida pela artista como “apenas uma TV para ver o céu”.

Aliás, o céu é um tema recorrente em sua obra. Como a família fugiu de Tóquio, durante a Segunda Guerra Mundial, quando ela era criança, Yoko sempre considerou o céu uma espécie de “refúgio”. Em suas palavras, “a única coisa que brilhava e nunca parara de brilhar”.

A videoescultura <em>Sky TV</em>, de 1966, foi definida pela artista como uma "TV para ver o céu" (Foto: Tate Modern)
A videoescultura Sky TV, de 1966, foi definida pela artista como uma "TV para ver o céu" (Foto: Tate Modern)

O trecho de uma entrevista sua, concedida em 1980, ajuda a entender a colaboração artística entre ela e Lennon.

“Nós cruzamos os campos um do outro, como as pessoas fazem da música country para o pop. Fizemos isso do campo esquerdo da vanguarda para o campo esquerdo do rock 'n' roll”, contou à época. “Tentamos encontrar um terreno que fosse interessante para os dois. Nós nos sentíamos entusiasmados e estimulados pelas experiências um do outro.”

Voz amplificada

Graças ao relacionamento com Lennon, a artista incorporou a ideia de cultura de massa no que fazia. Ela acabou aproveitando o circo midiático em torno deles para tentar levar mais longe a sua mensagem de paz. Como define Juliet: “A parceria com Lennon só amplificou a voz que Yoko já tinha”.

A artista não compareceu à abertura do evento na Tate Modern, pois tem evitado as viagens mais longas. Durante a pandemia, ela deixou o edifício Dakota, no Upper West Side, em Manhattan, onde vivera pelas cinco décadas anteriores e na frente do qual Lennon foi assassinado em 8 de dezembro de 1980, aos 40 anos.

A artista vive hoje em uma fazenda no interior do estado de Nova York, comprada em 1978, junto com o marido. No domingo, 18 de fevereiro, Yoko completa 91 anos.