Criada em 1938, pelo então presidente Getúlio Vargas (1882-1954), a cesta básica é o conjunto de alimentos essenciais para a sobrevivência e o bem-estar da população. De modo a torná-la mais saudável, em dezembro de 2024, a lista original foi reformulada e agora contém produtos in natura ou minimamente processados.

Em tese, todos os brasileiros deveriam ter garantido seu direito a frutas, legumes, verduras, castanhas, nozes, carnes e ovos, por exemplo. Mas não é o que acontece.

Para 70% deles, a alimentação de qualidade é um luxo. Eles não têm dinheiro suficiente para pagar pela cesta e, ao mesmo tempo, arcar com as outras despesas, como moradia e transporte. Dez em cada cem não conseguiriam manter uma dieta balanceada mesmo se investissem toda a sua renda mensal em comida — 21,7 milhões de pessoas sem acesso a refeições balanceadas.

Os dados constam do último Boletim Mensal de Monitoramento da Inflação dos Alimentos, recém-divulgado pelo Instituto Pacto Contra a Fome. Para se chegar até eles, foi feito o cálculo do preço da cesta ideal levando em conta o valor nutricional de seus itens e o custo para adquiri-los.

Em abril, ela foi estimada em R$ 432 por pessoa. Esse valor equivale a 21,4% da renda média per capita dos brasileiros — estimada em R$ 2.020, conforme relatório da PNAD Contínua, do início de maio. Para comprar a cesta e pagar as outras contas, o rendimento médio mínimo por brasileiro deveria ser de R$ 1.976.

“Mesmo sendo um direito garantido, a alimentação adequada está fora do alcance da maioria da população. Nosso objetivo é evidenciar a distância entre a garantia constitucional e a realidade econômica das famílias”, diz Ricardo Mota, gerente de inteligência estratégica do Pacto, em entrevista ao NeoFeed.

“Sem monitoramento contínuo e políticas públicas efetivas e baseadas em evidências, o enfrentamento da insegurança alimentar segue ineficaz”, complementa.

A persistência da inflação no setor alimentício (alta de 0,82% em abril contra 0,43% do índice geral, no mesmo período) reforça o peso desproporcional da inflação de alimentos sobre o custo de vida das famílias, principalmente as de menor renda, lê-se no estudo do instituto. Para os mais vulneráveis, o impacto é até 2,5 vezes maior do que para os grupos sociais mais abastados.

E a pressão inflacionária segue concentrada em itens essenciais e in natura, os mais saudáveis e também os mais suscetíveis às variações sazonais e ao aquecimento global. A título de exemplo, o preço do tomate subiu 14,32% e o da batata inglesa 18,29%.

Em ambos os casos, houve uma redução na oferta dos vegetais devido à entressafra e aos eventos climáticos extremos, como excesso de calor e irregularidade das chuvas — que afetam as colheitas e comprometem tanto o volume quanto a qualidade dos produtos.

“Assim, o padrão alimentar dos brasileiros, sobretudo da população das classes mais baixas, vai se comprometendo”, diz o economista. “Vai se compondo cada vez mais por alimentos ultraprocessados, que são deletérios à saúde.”

Eles estão associados às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como distúrbios cardiovasculares, diabetes, obesidade e até alguns tipos de câncer, entre outras.

No Brasil, as DCNT matam mais do que os homicídios. Em 2019, foram quase 740 mil óbitos associados à má alimentação — 308,5 mil dos quais precoces, cujas vítimas tinham entre 30 e 69 anos. O número de pessoas assassinadas, por sua vez, girou em torno de 213 mil, no mesmo período.

Por causa da entressafra e dos eventos climáticos extremos, o preço do tomate subiu 14,32% em abril

O acesso de toda a população à nova cesta básica, portanto, se faz urgente. Mais diversificada, a dieta equilibrada não faz bem apenas às pessoas, mas também ao planeta.

Há mais de 7 mil espécies de plantas comestíveis, mas 90% das calorias ingeridas no mundo vêm de apenas 15 culturas. E, metade da população global tem sua alimentação baseada apenas no cultivo de arroz, milho e trigo.

A monotonia alimentar exige ao ir contra a biodiversidade torna as plantações mais suscetíveis a pragas e doenças, o que exige o uso massivo de defensivos agrícolas, o que contamina a terra e a água e leva à fragmentação dos ecossistema.

“A gente quer que a opinião pública esteja atenta, seja sensível a essa questão, para que possamos cobrar do governo e das políticas públicas uma ação mais contundente, mais estrutural para resolver esse problema”, diz Ricardo Mota. Para o economista, o Brasil já conta com iniciativas de sucesso capazes de aumentar o acesso à cesta ideal, sobretudo no campo da transferência de renda e da capacitação dos pequenos produtores.

Um dos programas mais importantes é o Pronaf, por meio da linha ABC+Agroecologia. O programa, explica ele, tem sido uma ferramenta fundamental para ajudar os agricultores familiares a se adaptarem às mudanças climáticas de forma sustentável.

"Ao oferecer crédito para práticas que conservam o solo, a água e a biodiversidade, o programa incentiva sistemas de produção mais diversos e resilientes, que suportam melhor os extremos do clima", diz o executivo do Pacto.

Os sistemas agroflorestais, por exemplo. Ao combinar o cultivo de alimentos com árvores nativas e frutíferas, melhoram o solo, aumentam a retenção de água e protegem as lavouras do sol e da chuva excessiva. "Apostar na agroecologia não é só uma resposta aos desafios do clima — é uma forma concreta de garantir o futuro da produção de alimentos no campo", completa Mota.

Outro caso que, em sua opinião merece destaque, é o Bolsa Família: "Referência no mundo, embora o benefício ainda não garanta, por si só, uma renda digna capaz de eliminar completamente a pobreza, ele representa um importante complemento ao orçamento das famílias".

Com pequenos ajustes, completa ele, o programa tem um potencial enorme de reduzir a pobreza e proteger o poder de compra dos brasileiros em situação de vulnerabilidade.