Há muito ainda a ser feito, mas, até aqui, as notícias são animadoras. As iniciativas vencedoras da segunda edição do Prêmio Pacto Contra a Fome são a prova de que a parceria entre empresas, governos, ONGs e sociedade civil é ferramenta poderosa na garantia da segurança alimentar dos brasileiros.
Anunciadas em evento realizado na terça-feira, 3 de dezembro, em São Paulo, as seis premiadas mostram ser possível, sim, romper o ciclo de pobreza e degradação ambiental e fazer a comida chegar aos mais vulneráveis.
“O Brasil é tão rico. Produz e exporta, mas também desperdiça alimentos e tem fome”, afirma a economista e empresária Geyze Diniz, idealizadora, cofundadora e presidente do conselho de administração do Pacto Contra a Fome.
Um terço dos alimentos produzidos anualmente no país tem o lixo como destino. Enquanto 55,4 milhões de toneladas de comida são postas para fora, na outra ponta, estão 64 milhões de mulheres, homens e crianças sem acesso regular e permanente a alimentos nutritivos, em quantidades suficientes para uma vida saudável — dos brasileiros em insegurança alimentar, quase 9 milhões não têm o que comer hoje, nem sabem quando farão a próxima refeição.
“Problemas complexos exigem soluções estruturantes”, diz Geyze. E o engajamento de todos, como ela defende, desde o lançamento do Pacto, no ano passado. Só assim, “juntos”, será possível atingir a meta proposta pela coalizão: um Brasil sem fome em 2030 e todos os brasileiros bem alimentados até 2040.
Ao que tudo indica, o país parece estar no caminho certo. Na segunda edição do prêmio, o número de entidades inscritas cresceu 65%. Foram 512 iniciativas, de todos os estados do Brasil.
Se em 2023, o evento contava com a cooperação de duas entidades da Organização das Nações Unidas, esse ano mais dois programas da ONU se juntaram ao evento — as agências Unesco, para a educação, a ciência e a cultura; e FAO, para a alimentação e agricultura; e os programas WFP, mundial de alimentos, e o Pnuma, para o meio ambiente.
Na lista dos patrocinadores masters, estavam as empresas Ambipar, Azzas 2154 e AMA Ambev. E, como patrocinador especial, o Instituto Nelson Wilians. O prêmio contou ainda com o apoio da XP, da Wine e do Sesc Mesa Brasil.
Divididos em duas categorias, cada um dos seis vencedores ganhou R$ 100 mil e consultoria de educação financeira da XP Investimentos e jurídica do escritório Nelson Wilians Advogados. Foram agraciadas ainda com um troféu desenhado pelo artista plástico Vik Muniz. Um prato com um relógio de sol — comida e tempo, quem tem fome tem urgência.
As entidades foram escolhidas por um júri composto por nove especialistas, por meio de votação aberta. Entre os critérios avaliados, estavam impacto social inovação e viabilidade do projeto.
“É gratificante ver o quanto a roda gira na ponta”, comemora Geyze. “Dar luz a essas instituições é maravilhoso.”
A seguir, o NeoFeed traça um breve perfil das iniciativas vencedoras, listadas em ordem alfabética.
Categoria: Promoção da segurança alimentar
Total de inscritos: 383
Vencedores:
• Associação Gap Ey
Estado: Rondônia
Há seis anos, a ONG trabalha com o povo Paiter Suruí, da aldeia Gap Gir, na Terra Indígena Sete de Setembro, no oeste rondoniense. Por meio do incentivo ao cultivo tradicional, do monitoramento territorial e do manejo de fogo integrado, a iniciativa conseguiu fornecer alimentação de qualidade à população, que estava em insegurança alimentar. Hoje, o excedente da produção é vendido para gerar renda extra. A associação também levou internet para a região, possibilitando, assim, a conectividade entre seus membros, a captação de mais recursos e doações de alimentos. Em todos os projetos, a Gap Ey impactou cerca de 500 pessoas diretamente e mil, indiretamente. O modelo de produção desenvolvido em Gap Gir se expandiu para outras três aldeias.
• Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá
Estado: Pernambuco
Desde 2018, a entidade vem implementando um sistema de irrigação inovador, no semiárido brasileiro. A tecnologia consiste em um tanque de armazenamento, um filtro biológico mecânico e uma cisterna para a irrigação de hortaliças, frutas e forragem em sistemas agroflorestais. Nos últimos seis anos, 600 sistemas foram implantados, beneficiando aproximadamente 5 mil pessoas.
• Instituto Kairós — Ética e Atuação Responsável
Estado: São Paulo
Nascida em 2021, a Frente Alimenta distribui alimentos frescos e nutritivos para seis territórios periféricos da capital paulista. O preparo da comida é feito em cozinhas comunitárias. As frutas, verduras, legumes e hortaliças são produzidos localmente, por meio da agricultura urbana. Já foram entregues quase 300 mil refeições e cerca de 22 mil cestas de hortifrutis sem agrotóxicos. A iniciativa realiza também ações de apoio aos agricultores locais, como a compra de sistemas de irrigação, apoio técnico para certificação de transição agroecológica e orgânica e melhorias nas hortas.
Categoria: Redução e/ou reversão do desperdício de alimentos
Total de inscritos: 129
Vencedores:
• Instituto Dragão do Mar
Estado: Ceará
Primeira escola de gastronomia social do país, a Ivens Dias Branco está sob gestão do instituto. O propósito do projeto é usar a educação como ferramenta de combate à insegurança alimentar e ao desperdício — a cultura alimentar como agente de transformação. Quase 91 mil pessoas já passaram pela escola, cujas aulas são administradas em todo o Ceará. Em 1,1 mil ações, como a criação de uma horta agroecológica, com 100 espécies diferentes de vegetais, e o desenvolvimento de plantas comestíveis não convencionais, o instituto já beneficiou, no mínimo, 37 mil pessoas.
• Instituto Metamorfose
Estado: Ceará
Lançada em 2021, a iniciativa METAMOHFOME resgata do fluxo de resíduos frutas, verduras e legumes — alimentos com pequenas imperfeições estéticas impróprios para exposição non varejo, mas em perfeitas condições de consumo. Os produtos salvos compõem kits nutricionalmente balanceados para as comunidades vulneráveis. A entidade oferece ainda aulas de nutrição e sobre o preparo e a conservação refeições nutritivas. A organização já salvou do lixo 57 toneladas de alimentos.
• Instituto Primeira Infância (Iprede)
Estado: Ceará
Com foco na desnutrição infantil, a organização nasceu nos moldes do velho assistencialismo. Com o tempo, porém, seus idealizadores perceberam que “enxugar gelo” não resultaria em mudanças de fato estruturantes. Assim, nasceu, o projeto Prato Cheio. Por meio da utilização das cascas, talos, sementes, carcaças e tudo que pode ser aproveitado desses alimentos, a iniciativa produz e distribui sopa a 23 comunidades de Fortaleza. Cerca de 10 mil pessoas já foram impactadas pelo Prato Cheio.
Aos poucos, uma ação aqui, outra ali, a transformação vai se expandindo pelo país. É como disse, durante a premiação, em participação por vídeo, Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora e representante da Unesco no Brasil:
“Esse prêmio vai além de um reconhecimento (..) é um chamado para à ação coletiva, um convite para que todos, das comunidades locais às grandes organizações, se unam na construção de um futuro em que ninguém mais viva com fome (...) ajudando a alimentar a esperança de um Brasil mais justo, inclusivo e resiliente”.