Pelos ditames da sustentabilidade, nada se perde; tudo se (re)aproveita. Com essa filosofia em mente, a química Michelle Ruiz e a bioquímica Andrea Schoen fundaram, em fevereiro de 2021, a Hyfé. Elas trabalham com um tipo precioso de resíduo, frequentemente, desprezado pelas startups de economia circular: os efluentes açucarados provenientes da indústria alimentícia.
Por meio da tecnologia de purificação, desenvolvida pela equipe liderada pelas duas engenheiras, a biotech transforma os restos de água da fabricação de comidas e bebidas em matéria-prima de alto valor para o setor de biomanufatura, em especial as empresas dedicadas à fermentação de precisão.
A técnica é tida como um dos pilares da bioeconomia. Com os avanços da biotecnologia, hoje em dia, é possível fazer das bactérias e fungos verdadeiras fábricas de um sem-número de insumos, para indústrias dos mais variados setores. De proteínas alternativas a cosméticos; de medicamentos a combustíveis; de tecidos a cimento; a técnica poupa o planeta da degradação dos recursos naturais.
“A biomanufatura tem o potencial de resolver alguns dos desafios mais prementes enfrentados pela humanidade, na atualidade, mas, primeiro, precisa ser economicamente viável”, diz Michelle, CEO da Hyfé, em comunicado. A engenheira é ex-funcionária da ExxonMobil, gigante de óleo e gás.
Uma das etapas mais dispendiosa da fermentação de precisão é justamente a matéria-prima para alimentar os “operários microscópicos”. Em geral, são usados açúcares, sobretudo a glicose, obtida a partir do milho. Além de caro, o processo de produção dessas fórmulas impacta o meio ambiente.
Não só ele. Antes do descarte dos efluentes, as empresas precisam tratá-lo. Ou seja, mais dinheiro e mais danos ao planeta. Do modo como é feita hoje, a recuperação de águas residuais reponde por 1,5% das emissões globais de gases de efeito estufa, segundo as fundadoras da Hyfé.
O apoio dos venture capital
A Hyfé propõe usar um material rico em nutrientes, que já está disponível. Basta purificá-lo. A inovação de Michelle e Andrea tem despertado a atenção dos venture capital. A startup sediada em Berkeley, na Califórnia, acaba de levantar US$ 9 milhões. A rodada foi liderada pela inglesa Synthesis Capital, um dos fundos de capital de risco mais importantes do ecossistema foodtech mundial.
O financiamento contou ainda com a participação da The Engine, Refactor Capital, Supply Change Capital, Overwater Ventures, X Factor Ventures e Alumini Ventures. Na soma dos cheques, a Hyfé acumula US$ 11 milhões em investimento.
A biorrevolução
Nos cálculos das fundadoras da startup, a demanda por glicose para o setor de fermentação de precisão deve superar a oferta entre dez e vinte anos. “Estamos em um ponto de inflexão”, define Michelle. “As matérias-primas futuras devem vir de resíduos subutilizados que são abundantes, de baixo custo e não perturbam os sistemas agroalimentares e o meio ambiente.”
No relatório “The Bio Revolution: Innovations Transforming Economies, Societies and Our Lives”, a consultoria McKinsey aponta: até 60% dos insumos físicos para a economia global poderiam ser produzidos biologicamente.
Esse futuro, porém, está ainda muito distante. Mesmo assim, “um progresso modesto nessa direção pode transformar economias, sociedade e nossas vidas, incluindo o que comemos e vestimos, os remédios que tomamos, os combustíveis que usamos e como construímos nosso mundo físico”, lê-se no documento.
Os produtos obtidos a partir da biotecnologia podem ter um impacto de até US$ 4 trilhões por ano, nas próximas duas décadas. Mais da metade desse montante estaria em domínios como agricultura e alimentação, produtos e serviços de consumo, fabricação de materiais e produção de energia. O restante, na saúde humana, informam os consultores da McKinsey. Com a Hyfé, Michelle e Andrea querem fornecer o (bio) combustível para a (bio) revolução.