As plantas “falam” e uma startup da California desenvolveu uma espécie de Google Translate para decifrar a linguagem vegetal. Desde 2018, Shely Aronov e Rod Kumimoto, fundadores da InnerPlant, se dedicam a transformar os pés da lavoura em sensores vivos, capazes de avisar os agricultores sobre suas necessidades. E, assim, tornar as culturas mais resilientes, sustentáveis e rentáveis.
Sob ameaça, as plantas liberam substâncias químicas específicas. Os chamados compostos orgânicos voláteis (COVs) viajam pelo ar até chegar às vizinhas que, avisadas do perigo, conseguem se proteger. O pioneiro nos estudos sobre a comunicação vegetal foi o biólogo suíço Edward Farmer, pesquisador da Universidade de Lausanne.
Nos anos 1990, ele realizou uma experiência que mudaria radicalmente o modo como os vegetais eram vistos até então. De criaturas passivas a seres dotados de várias habilidades. Uma delas, a de se comunicar.
Em laboratório, Farmer demonstrou que, sob a agressão de insetos, as artemísias emitiam grandes quantidades de metiljasmonato, uma substância endógena imprescindível em sua defesa. Pois bem, esse composto chegou até os pés de tomates, cultivados, ali do lado. As frutas passaram, então, a produzir uma outra substância que, consumida pelos bichos, impediram sua digestão. Ou seja, avisados pelas artemísias, os tomates se precaveram.
Experiências semelhantes foram replicadas por estudiosos de centros de pesquisa, espalhados pelo mundo. Alguns testaram a comunicação entre plantas da mesma espécie; outros, de espécies distintas. Foram avaliados também os sistemas de detecção de risco contra diferentes agressores, além de insetos. E ficou provado que os alertas funcionam contra vários tipos de pragas, animais herbívoros, escassez de nutrientes e estresse hídrico, entre outros.
“As plantas são capazes de comportamentos muitíssimo mais sofisticados do que imaginávamos”, escreve o biólogo americano Rick Karban, da Universidade da California, em artigo na revista especializada Ecology Letters. “Elas passaram por uma seleção em que tiveram de lidar com os mesmos desafios que os animais e desenvolveram soluções que, às vezes, guardam semelhanças com a deles.”
A rede de “solidariedade” entre os vegetais, como se vê, é poderosa. E nós podemos nos beneficiar dela. Mas, como? Graças aos avanços nos conhecimentos sobre biologia e fisiologia vegetal e ao aperfeiçoamento da biotecnologia, Shely e Rod, da InnerPlant, descobriram uma forma de manipular o DNA das plantas, de modo a tornar fluorescentes os sinais químicos emitidos em momentos de perigo.
Segundo a CEO da startup, a InnerPlant apenas pega “carona” nos sinais que as plantas enviam naturalmente umas às outras. Ao amplificar a comunicação vegetal, os agricultores podem fazer a detecção precoce das necessidades da lavoura e intervir quando os problemas surgem. A ação rápida e certeira garante a saúde das lavouras, reduzindo o consumo de pesticidas.
Com a ajuda de ferramentas de visão computacional, realidade aumentada, inteligência artificial e análise de dados, uma plataforma faz a tradução da língua das plantas. Os sinais podem ser captados por drones, tratores e satélites. E, segundo a agtech, não é necessário transformar toda a plantação em um sensor vivo gigante. Algumas dezenas de sementes inteligentes cobrem um campo de tamanho médio.
Sediada em São Francisco, a InnerPlant acaba de captar US$ 16 milhões em rodada liderada pela John Deere. Antes, havia levantado cerca de US$ 6 milhões em investimentos, com MS&AD Ventures, Bee Partners, UpWest e TAU Ventures.
O primeiro produto lançado com sucesso pela agtech foi o InnerTomato, em 2020. Agora a equipe de Shely e Rod trabalha no desenvolvimento de sementes inteligentes de soja e algodão.
Em entrevista à organização Meaningful Business, uma comunidade global de CEOs, investidores de impacto, empreendedores sociais, líderes humanitários e acadêmicos, Shely explica: “Nos campos convencionais, quando os sintomas externos se tornam visíveis para o os agricultores, normalmente, é tarde demais para evitar a perda de rendimento da plantação”.
Na agricultura tradicional, os pesticidas são aplicados profilaticamente, na tentativa de proteger a lavoura contra as incertezas. Em geral, é usado um volume, em média, 30% maior do que o realmente usado pelas plantas. “O uso exagerado de produtos químicos causa danos ao solo e ao meio ambiente, além de aumentar os custos dos insumos”, diz a CEO da InnerPlant. “Ironicamente, com a ampla utilização desses venenos, tornou os patógenos mais resistentes.”
Como resultado, 40% da produção agrícola mundial é perdida por causa de pragas, informa a FAO, a agência da ONU para agricultura e alimentação. Um prejuízo de US$ 220 bilhões, US$ 70 bilhões dos quais relativos apenas a insetos invasores. Se contados os US$ 40 bilhões gastos anualmente com defensivos, o rombo chega a quase US$ 300 bilhões. Escutar o que as plantas têm a nos dizer pode ser uma boa ideia.