As plantações de amêndoas da Califórnia, estado berço do Vale do Silício, nos EUA, vêm sendo apontadas por especialistas como exemplo para o enorme potencial da agricultura circular. Batizado WOR (Whole Orchid Recycling), o modelo devolve para a terra o que veio da terra. Desperdício zero.
Com apoio do Programa de Incentivo a Solos Saudáveis, do governo estadual, os agricultores utilizam os resíduos gerados pelo cultivo do fruto para a produção de uma biomassa. Cascas, galhos, lascas e até árvores inteiras são moídas e dão origem a um composto que é, então, reincorporado ao ecossistema do pomar como nutriente para o solo.
A economia circular é apontada por especialistas como uma das estratégias mais eficazes na busca por sistemas agrícolas mais sustentáveis e regenerativos. A circularidade diminui o uso de recursos naturais e a necessidade de defensivos sintéticos.
Consequentemente, aumenta a qualidade e produtividade das lavouras, impactando positivamente o meio ambiente, com a melhoria do solo, da biodiversidade local e da qualidade do ar e da água.
Estudos realizados por pesquisadores do Centro de Pesquisa Agrícola Kearney, da Universidade da California, indicam que, em nove anos, sob o sistema WOR, a capacidade de sequestro de carbono pela plantação cresce 58%; de retenção da água registra um incremento de 32%; e a concentração de nitrogênio no solo, de 17%. Com isso, a produtividade dos pomares aumentou 19%.
Responsáveis por 80% do mercado global de amêndoas, os cerca de 8 mil produtores californianos vêm enfrentando, nos últimos anos, uma baixa na produtividade das plantações, o que os obriga a renovar todo o pomar. Pelas estimativas da associação dos agricultores locais, na próxima década, de 30 mil a 40 mil acres de amendoeiras deverão ser substituídos, a cada ano. As fazendas da Califórnia somam 1,6 milhão de acres.
Pelas práticas tradicionais, as árvores eram cortadas e incineradas. Com a progressiva degradação ambiental, as normas foram se tornando mais severas. O WOR, portanto, surge como uma alternativa menos agressiva para o planeta e mais rentável para os fazendeiros. O sistema adotado pelos agricultores da Califórnia é apenas uma entre as muitas iniciativas que, pelos preceitos da circularidade, podem impactar a cadeia agroalimentar, de ponta a ponta.
O conceito da economia circular foi estabelecido pelos economistas e ambientalistas ingleses David Pearce e Robert Turner, no artigo “Economics of Natural Resources”, no final dos anos 1980. A proposta é fazer a transição de um sistema linear, baseado no “extrair, produzir, desperdiçar” para um modelo, aplicável em qualquer escala, baseado em três princípios: eliminar resíduos e poluição desde o início do processo, manter produtos e materiais em uso e regenerar sistemas naturais. Tudo isso sintetizado pelos chamados “5 Rs” –reciclar, reduzir, recusar, repensar, reutilizar.
“Isso envolve dissociar a atividade econômica do consumo de recursos finitos (...) O modelo circular constrói capital econômico, natural e social”, lê-se em relatório da Fundação Ellen MacArthur, sobre o assunto. “A transição para uma economia circular não se limita a ajustes visando reduzir os impactos negativos da economia linear. Representa uma mudança sistêmica que constrói resiliência em longo prazo, gera oportunidades econômicas e de negócios, e proporciona benefícios ambientais e sociais.”
Do modo como vem sendo a praticada, a agricultura se tornou uma das atividades mais nocivas à saúde do planeta. O sistema agroalimentar atual é responsável por um terço das emissões globais de gases de efeito estufa, 80% do desmatamento, 70% do uso de água doce disponível no planeta e a maior causa de perda de biodiversidade terrestre.
Sem contar o desperdício. Cerca de 14% de todo o alimento produzido anualmente no mundo se perdem entre a colheita e a venda – no caso das frutas e vegetais, esse índice ultrapassa 20%. Na etapa seguinte, nas casas, restaurantes e no varejo, entre outros, 17% de toda a comida vai para o lixo, todos os anos – 931 milhões de toneladas.
A agricultura é, portanto, um dos setores que mais se beneficiam da circularidade. “Mudar nosso sistema alimentar para um baseado nos princípios da economia circular é uma das estratégias mais poderosas para combater as mudanças climáticas e construir a biodiversidade”, defendem os analistas da Fundação Ellen MacArthur. “E, assim, fornecer alimentos saudáveis e nutritivos para todos.”
Os sistemas circulares estão estreitamente ligados aos preceitos da agricultura regenerativa. Sua implementação pode acontecer, por exemplo, por meio da consorciação de culturas (quando duas ou mais culturas dividem a mesma roça), do pastejo rotacionado (quando a área de pastoreio é dividida em três ou mais piquetes, submetidos a períodos alternados de produção e descanso) e da integração lavoura-pecuária-floresta (quando diferentes processos produtivos agrícola, pecuário e florestal acontecem em uma mesma porção de terra). A ideia é fazer com que as terras agrícolas se pareçam com os ecossistemas naturais.