Doutor em bioquímica, o neozelandês Andrew Králíček dedicou os últimos vinte anos de sua carreira ao estudo do sistema olfativo dos insetos. Como pesquisador do instituto Plant & Food Research, em Auckland, esquadrinhou, em detalhes, os receptores de odor das abelhas, besouros, gafanhotos, moscas, vespas...
Moldados, ao longo de 400 milhões de anos de evolução, esses “radares” permitem aos animais perceber e reagir ao ambiente que os cerca – encontrar comida e parceiros para o acasalamento, localizar onde botar os ovos e escapar de predadores.
Pouco mais de três anos atrás, porém, Králíček decidiu levar seus conhecimentos do laboratório para a vida cotidiana. Em janeiro de 2020, ele então fundou a Scentian Bio. Sob seu comando, a equipe de P&D da startup criou uma tecnologia para o desenvolvimento de biossensores, à semelhança da engrenagem biológica dos insetos.
A ideia é oferecer soluções para indústrias dos mais variados setores - da medicina diagnóstica à ambiental, passando pelo de bem-estar. Como ponto de partida, a Scentian Bio escolheu trabalhar com o mercado agroalimentar.
Combinados com inteligência artificial, análise preditiva e computação em nuvem, os biossensores podem ser usados, por exemplo, no controle de qualidade de alimentos, monitoramento de patógenos agrícolas, detecção de matérias-primas adulteradas e até na indicação de procedência de um determinado ingrediente.
“Historicamente, temos um forte envolvimento com o setor alimentício”, diz o economista John Good, CEO da Scentian Bio, em conversa com o NeoFeed. “Algumas empresas do setor já manifestaram interesse em nossa tecnologia e vemos este como um mercado onde podemos fazer uma grande diferença.”
Ele e Králíček, hoje CTO da startup, se conheceram no Plant & Food Research, o centro de pesquisas em alimentação e agricultura do governo da Nova Zelândia. Good conta ter ficado “fascinando”, desde então, pelo sofisticado (e intrincado) mecanismo de captação de odores dos insetos.
O interesse do venture capital
Os primeiros protótipos da Scentian Bio nem bem ficaram prontos e a empresa já fez algumas captações importantes. Na última rodada seed, encerrada no final de setembro, a startup levantou US$ 2,1 milhões.
O financiamento foi liderado pela Toyota Ventures e Finistere Ventures, com participação da Icehouse Ventures e Our Crowd, entre outros fundos. Com o cheque de agora, o total arrecadado soma US$ 4,4 milhões. Nesse valor, está o US$ 1,7 milhão da Fundação Bill & Melinda Gates, como parte do programa “O Poder da Inovação para um Mundo Pós-Pandemia”.
“Impressões digitais” pairando no ar
Entre todos os sentidos, o olfato é o de maior importância entre os insetos. Com sensores em suas antenas, esses bichos detectam uma infinidade de compostos químicos lançados no ar por fontes biológicas presentes no ambiente – das plantas e alimentos aos seres humanos. A essas substâncias deu-se o nome de compostos orgânicos voláteis (VOCs, na sigla em inglês).
Funcionando como uma espécie de impressão digital, pairando ao nosso redor, essas moléculas carregam uma série de informações. Podem indicar, por exemplo, se uma carne foi produzida no Brasil ou veio da Nova Zelândia. “Alimentos provenientes de diferentes áreas têm aromas muito característicos, determinados, entre outros fatores, pelas condições de cultivo”, explica Good.
Graças aos avanços tecnológicos e aos progressos nos conhecimentos científicos, a Scentian Bio traduziu o subjetivo em uma medida objetiva. Os cientistas neozelandeses conseguiram decodificar a estrutura proteica de 52 receptores olfativos, explica Good. Com a “receita” em mãos, sintetizaram-nas em laboratório.
Em seguida, essas moléculas são inseridas em uma espécie de chip. Colocado em um armazém, por exemplo, o dispositivo capta os VOCs e um algoritmo faz a análise dos compostos, indicando quais receptores estão associados a quais compostos. Como os dados são despachados para a nuvem, os resultados podem ser entregues em qualquer dispositivo.
Mais sensíveis, rápidos e baratos
“Em termos de tamanho, nosso protótipo é menor do que um smartphone”, completa o CEO. Em experiências para a identificação de duas bactérias alimentares por meio dos VOCs, a precisão do método da Scentian Bio chegou à ordem femtomolar; a do quadrilionésimo. Simplificando, seria o equivalente a uma gota de água em 20 mil piscinas olímpicas.
Conforme o executivo, os biossensores são mais sensíveis do que os humanos e mais baratos, rápidos e fáceis de transportar do que as máquinas usadas tradicionalmente, por exemplo, na identificação de compostos tóxicos, como os cromatógrafos e os espectômetros de massa. Os primeiros dispositivos da Scentian Bio, diz Good, devem chegar ao mercado em 2024.