À primeira vista, pode parecer estranho. Nojento até. Mas que todos nós estejamos preparados para refeições à base de larvas. Sim, o futuro da alimentação passa também por refeições preparadas com proteínas de insetos. A tendência foi captada por um levantamento do AgFunder, um dos principais fundos de venture capital do ecossistema agroalimentar global.
Com a chegada das startups de agricultura indoor ao “vale da desilusão”, os analistas rastrearam para onde está indo o grosso do dinheiro antes destinado às startups de alimentos cultivados em ambientes controlados. Na categoria “novos sistemas agrícolas”, os cheques dos capitalistas de risco migraram para a aquicultura e para a produção de ingredientes à base de besouros.
Desde o início do ano, os dois segmentos ficaram com 60% dos US$ 626 milhões levantados em 48 negócios, fechados ao redor do mundo.
“É uma virada de 180 graus em relação a 2022, quando as startups de agricultura indoor representavam 60% das transações”, lê-se, no relatório do fundo de investimentos agrifoodtech. “À medida que os impactos das alterações climáticas se intensificam, o valor destes novos sistemas agrícolas torna-se mais evidente.”
A maior operação de 2023, por enquanto, é o aporte de US$ 175 milhões na francesa Ÿnsect SAS. Fundada em 2011, em Paris, a empresa já captou US$ 625 milhões, junto a três dezenas de investidores, como os fundos Astanor, Upfront, BPI France, Crédit Agricole e FootPrint Coalition, do ator Robert Downey Jr.
O interesse dos investidores na startup não é de hoje. Os US$ 372 milhões, arrecadados em uma rodada de série C, em 2020, representaram o maior investimento em uma agtech fora dos Estados Unidos, até hoje.
Com unidades na França, Holanda e Estados Unidos e a caminho do México, a Ÿnsect é pioneira e líder do setor. Suas cerca de 370 patentes representam metade de todas as inovações registradas no mundo para a produção proteínas a partir de insetos, em especial do besouro larva-da-farinha – ou Tenebrio molitor, seu nome científico; ou tenebrião, como também é popularmente conhecido.
Em junho passado, por exemplo, a startup apresentou o sistema Axiom YNS_Mol1, o primeiro chip de genotipagem. A ferramenta permite a seleção das linhagens de larvas do inseto mais adequadas à alimentação animal e humana. Em geral, os produtores concentram-se nos exemplares maiores, o que, além de restritivo em termos nutricionais, pode levar à endogamia, prejudicando a biodiversidade genética das espécies.
No início, o foco da Ÿnsect era a ração animal. A comida à base de insetos é considerada uma forma de alimentar os rebanhos e criações de aves e peixes mais sustentável do que a tradicional farinha de peixe, que depende de espécies capturadas na natureza. Para cada tonelada de proteína Ÿnsect, a empresa economiza cinco toneladas de animais aquáticos.
Com os aportes dos últimos anos e os avanços científicos, porém, a startup mudou sua estratégia e hoje mira na alimentação humana e em rações para pets. Em ambos os casos, depois de processados, os besouros se transformam em um pó rico em proteínas, minerais, fibras e ácidos graxos. Em caráter experimental, segundo o engenheiro agrônomo Antoine Hubert, cofundador e CEO da Ÿnsect, a equipe de P&D da startup já desenvolveu um hamburguer à base de besouro.
Conforme um estudo publicado na revista científica “American Journal of Clinical Nutrition”, a proteína da larva-da-farinha é tão nutritiva quanto a proteína do soro de leite, com a vantagem de reduzir em 60% os índices de colesterol total. Além disso, lê-se no artigo, sua produção usa 90% menos terra e 50% menos água exigidas para a fabricação da mesma quantidade do nutriente de origem animal.
Em janeiro de 2021, o besouro tornou-se o primeiro inseto autorizado para consumo humano pela Autoridade Europeia para Segurança Alimentar. O pó da larva é usado como ingrediente no preparo de bolos, biscoitos, pães e macarrão.
Uma das pragas mais comuns nas culturas de milho, arroz, trigo e batata, o tenebrião é considerado “premium” entre os insetos de alto valor proteico. Na Ÿnsect, o besouro é cultivado em uma fazenda vertical de 45 mil metros quadrados, na cidade de Amiens, a noroeste de Paris.
Com capacidade para produzir 200 mil toneladas do ingrediente por ano, a fábrica é operada por ferramentas de inteligência artificial, como visão computacional e machine learning.
Em 120 mil containers, organizados em 5 mil pilhas, os insetos crescem, se reproduzem, são separados, depois colhidos e estocados no armazém da Ÿnfarm. Essas caixas são acomodadas em unidades reservadas para cada estágio do ciclo de vida do besouro.
O circuito é fechado e funciona em loop contínuo. A produção é praticamente autossuficiente e raramente é necessário introduzir novos insetos. Normalmente, 95% da larva-da-farinha é processada para obtenção do produto final e 5% destinam-se à reprodução.
Como se vê, ciência e tecnologia há para alimentos à base de insetos. Talvez, o grande desafio agora seja convencer os consumidores, sobretudo os ocidentais, de que, por mais desagradável que possa parecer, uma macarronada feita de larvas pode compor um belo jantar – apetitoso, nutritivo e sustentável.