Você já parou para pensar no impacto das hélices dos navios e barcos sobre o bem-estar do planeta? Provavelmente, não. Mas, saiba, ele é enorme. Barulhentas, tumultuam a vida no fundo do mar. E, pouco efetivas, aumentam a pegada de carbono das embarcações.
Grande parte dessas perturbações não é causada pela mecânica dos motores das hélices, em si, mas por seu design. Por isso, cientistas e empreendedores investigam novos formatos que reduzam a poluição sonora e aumentem a eficiência energética.
Depois de uma década de pesquisa, até o momento, a hélice sob a forma de um laço (toroidal, no jargão dos especialistas) se mostrou mais adequada do que a tradicional, em parafuso – projetada e patenteada em 1827 pelo guarda-florestal e inventor austro-húngaro Josef Hessel (1793-1857).
Depois de quase dois séculos sem grandes novidades, comemora-se a entrada da indústria de propulsão marítima em uma nova era.
A primeira empresa a investir nas hélices em laço é a americana Sharrow Marine. Sediada na cidade de Filadélfia, na Pensilvânia, foi fundada pelo produtor musical Gregory Sharrow, formado em composição clássica pelo Berklee College of Music, de Boston. Os dois modelos da Sharrow Propeller consumiram sete anos em pesquisas até que começassem a ser vendidos, em 2020.
Em entrevista à plataforma Business Insider, o empresário conta já ter comercializado 1,3 mil hélices, em parceria com a Yamaha, cujos preços variam de US$ 5 mil a US$ 6 mil. Conforme diz, a fila de espera é de, pelo menos, três meses. Premiadas, as hélices do produtor musical, por enquanto, destinam-se a lanchas de pequeno e médio porte.
Além de fazer menos barulho e vibrar menos, em comparação ao modelo em parafuso, a hélice em laço permite a navegação em velocidades mais rápidas, com a mesma rotação por minuto do motor. É também 30% mais eficiente em termos de combustível, conforme avaliação da consultoria BoatTEST. A eficiência energética economiza dinheiro para o dono da embarcação e reduz as emissões de gases de efeito estufa.
Tudo começou com um drone
A Sharrow Marine começou a ser esboçada com as tentativas frustradas do empresário em filmar ao vivo espetáculos de música erudita com drones. O barulho provocado pelas hélices das aeronaves não tripuladas atrapalhava os concertistas. Do universo musical para o marítimo foi um pulo.
Novos formatos para as hélices de drones, inclusive, é o foco do trabalho do engenheiro Tommy Sebastian, pesquisador do MIT Lincoln Laboratory, o centro de pesquisa e desenvolvimento do Departamento de Defesa dos Estados Unidos dedicado a aplicação de tecnologias avançadas a questões de segurança nacional.
Sebastian e sua equipe chegaram a um forma de hélice também toroidal. O protótipo desenvolvido por eles é um dos vencedores do R&D Awards, o Oscar das inovações. Como o engenheiro descreve à revista DesignBoom, com as novas hélices, o drone deixou de fazer aquele “zumbido irritante para soar como um vento distante”.
No ar e no mar, por vezes, o silêncio é crucial. Vários animais aquáticos usam o som para se comunicar, migrar, encontrar comida e fugir de predadores. Inúmeros estudo científicos já demonstraram que o barulho dos barcos de recreio, navios de cruzeiro e embarcações comerciais podem matar larvas de lesmas marinhas.
Em regiões de tráfego mais intenso, as baleias jubarte param de cantar. Os ruídos afetam também a distribuição dos cardumes de atum-rabilho. Os peixes perdem o senso de direção e vão para locais pouco propícios, por exemplo, à procriação.
Não existe exemplo mais evidente da ameaça imposta pela poluição sonora aos ecossistemas marinhos do que os registros durante a pandemia de covid. Com a redução das atividades comerciais, os golfinhos cor-de-rosa voltaram às costas de Hong Kong. E as baleias-franca, ao Atlântico Norte.
A busca por soluções de preservação do bem-estar marinho torna-se crucial em um cenário de aumento da logística e comércio marítimo, sobretudo a partir da crise sanitária. Hoje, nove em cada dez mercadorias comercializadas globalmente chegam a seu destino depois de circular pelos oceanos e mares.
O setor é responsável, sozinho, por quase 3% de todos os gases de efeito estufa lançados na atmosfera. Até 2050, a demanda por esse tipo de frete deve triplicar, alertam os analistas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Além do comércio marítimo, é preciso considerar ainda a previsão de crescimento das viagens e atividades turísticas. Naturalmente, o mercado mundial de hélices marítimas também cresce. Em 2020, movimentou US$ 5 bilhões e a estimativa da consultoria Allied Market Research é a de que chegue a US$ 8,5 bilhões, nos próximos sete anos. Ou seja, há muito espaço para as inovações, na busca por sistemas menos barulhentos e mais eficientes.