O WhatsApp é uma espécie de paixão nacional. Comprado pelo Facebook em 2014, por US$ 22 bilhões, o aplicativo de mensagens foi o mais baixado pelo brasileiro em 2019. Estima-se que 120 milhões de pessoas o usem no País. No mundo, já são mais de 2 bilhões.
Por ele, circula de tudo. De memes a assuntos sérios, de grupos familiares a de negócios, de notícias sérias a fake news, de conversas republicanas a outras nem tanto. E agora, quem diria, o aplicativo virou o novo fenômeno do comércio eletrônico.
Não faltam exemplos de empresas que passaram a usar o WhatsApp para vender seus produtos em meio à pandemia da Covid-19, que fechou lojas por todo o País.
O aplicativo, que surgiu como uma ferramenta de comunicação, foi adaptado para as vendas. E, meio que na gambiarra e no jeitinho brasileiro, está se tornando uma solução que deve sobreviver por muito tempo, mesmo depois que o comércio reabrir.
Observe o caso da Via Varejo, que faturou R$ 25,6 bilhões em 2019. Com todas as suas mais de mil lojas fechadas em março, a dona das marcas Casas Bahia e Ponto Frio desenvolveu em três dias o “Vendedor Online”, uma ferramenta baseada no WhatsApp para que o vendedor pudesse contatar clientes para realizar vendas pelo site.
No começo, foi feito um teste com mil vendedores. No fim de abril, quase 8 mil vendedores, dos cerca de 20 mil da Via Varejo, já usavam a ferramenta. E, de forma surpreendente, o aplicativo do Facebook representou 20% de toda a venda online da rede varejista.
“Os clientes são atendidos por um vendedor que já conhece a loja onde ele está habituado a fazer compras”, afirmou Roberto Fulcherberguer, presidente da Via Varejo, ao NeoFeed. “Assim como nas lojas, as vendas são comissionadas.”
A solução, que surgiu como um paliativo por conta do fechamento das lojas, deve se tornar permanente. Na visão de Fulcherberguer, quando o comércio reabrir, o vendedor não estará 100% ocupado atendendo a um consumidor. Logo, terá tempo para fazer interações via WhatsApp.
“Isso nunca mais parar. O vendedor vai ser alimentado pelo nosso CRM e seguirá vendendo online”, afirmou Fulcherberguer, durante uma apresentação online que participou em abril. “A produtividade da loja e do vendedor vai aumentar.”
Tecnologia com toque humano
Por que as vendas via WhatsApp estão crescendo? A explicação dada pelos empresários e executivos com quem o NeoFeed conversou é que o aplicativo une a escalabilidade da tecnologia com o atendimento de um vendedor real, que dá assistência ao consumidor.
“Desenvolvemos uma ferramenta que cria uma espécie de ramal telefônico do WhatsApp, dando ao cliente a opção por conversar por loja ou regional, quando precisarem de ajuda para escolherem suas roupas ou presentes”, afirma Rony Meisler, cofundador e CEO da Reserva.
Atualmente, 500 vendedores da Reserva se relacionam diretamente com os clientes através do WhatsApp. Hoje aproximadamente 35% das vendas da varejista, que faturou R$ 400 milhões no ano passado, passam diretamente ou indiretamente pelo aplicativo de comunicação do Facebook.
Se a Reserva está avançada no uso do WhatsApp, outras empresas correm para recuperar o tempo perdido. Esse é o caso da Riachuelo, dona de um faturamento de R$ 7,8 bilhões, que começou a vender por WhatsApp na semana passada. O primeiro atendimento é feito por um chatbot, robôs de atendimento que vão ficar cada vez mais populares.
Nesse primeiro contato, o “robô” ajuda o consumidor a encontrar uma loja próxima de sua residência e redireciona o contato para o WhatsApp da loja. A partir daí, é um vendedor de carne e osso que passa a atender o cliente.
“É uma experiência otimizada e com um frete de venda menor”, afirma Oswaldo Nunes, presidente da Riachuelo, que tinha apenas 61 das 323 lojas abertas até quinta-feira, 7 de maio.
A solução foi criada a toque de caixa para apoiar as vendas do Dias das Mães, uma das datas mais importantes do varejo nacional, que acontece neste domingo, 10 de maio.
O NeoFeed testou a solução da Riachuelo. O atendimento pelo robô foi demorado e ficava sempre voltando para o início. Mas, quando conseguiu ser redirecionado para um vendedor real, foi bem atendido. A vendedora, no entanto, não tinha um catálogo online e sugeriu que o site fosse visitado, mas se prontificou a procurar na loja qualquer item solicitado.
As vendas só são feitas se houver estoque na loja e o pagamento é realizado via um link enviado pelo WhatsApp. A entrega acontece em 24 horas e o consumidor pode retirar, se preferir, o produto na loja.
A Chilli Beans também encontrou no WhatsApp a solução para enfrentar o fechamento de suas lojas. “As vendas online cresceram 180% e estimo que 50% desse crescimento se deve ao WhatsApp”, afirma Caito Maia, fundador e CEO da Chilli Beans.
A solução da Chilli Beans é bem simples. Maia distribuiu cupons aos vendedores de suas lojas franqueadas para que repassem aos seus clientes pelo WhatsApp. Quando as compras forem feitas no site da Chilli Beans, os vendedores recebem a comissão pela venda.
“Numa guerra você descobre ferramentas que se mantêm quando a guerra acaba”, afirma Caito Maia, da Chilli Beans
“Numa guerra você descobre ferramentas que se mantêm quando a guerra acaba”, afirma Maia. “Estou dando para o meu vendedor um recurso que ele pode usar quando o fluxo da loja cair.”
Mas nem só na linha de frente do comércio eletrônico o WhatsApp está sendo utilizado. No atendimento ao consumidor, o aplicativo tem sido uma ferramenta considerada útil por muitos varejistas, como o caso da Polishop.
“Hoje, há um grave problema de logística no País. A pessoa compra e quer receber o produto. E pelo WhatsApp consegue resolver rápido o problema”, afirma João Appolinário, CEO e fundador da Polishop.
A varejista, que tem 278 lojas espalhadas pelo País, está usando o aplicativo do Facebook para vendas em suas lojas físicas. “Tem sido usado para contatar clientes”, diz Appolinário. “É um marketing de relacionamento.”
O empreendedor, que é um dos jurados do programa Shark Tank Brasil, admite que a ferramenta do WhatsApp tem uma série de limitações. “É uma ferramenta que não está ainda madura.”
O faz-tudo chinês
Appolinário tem razão ao falar das limitações do WhatsApp. O aplicativo do Facebook está longe ainda de ser uma solução pronta para as vendas online, como é o caso do WeChat, da Tencent, conhecido ironicamente como o WhatsApp chinês no Ocidente.
O WeChat é um superaplicativo, usado por mais de 1 bilhão de pessoas, que é uma espécie de faz-tudo online. Por ele, o consumidor pode trocar mensagens, mas também pode pedir táxi, comida, pagar contas, fazer compras, realizar consultas médicas, enviar currículo, entre muitas outras coisas. É um Uber, um iFood, um banco online, uma health tech e um marketplace. Tudo concentrado em um único lugar
O WhatsApp, por enquanto, é apenas uma ferramenta de comunicação, que está se sendo adaptada pelo varejo brasileiro para dar apoio às vendas em um momento de crise aguda por conta da Covid-19. “O WhatsApp ainda não é uma solução pronta para o comércio eletrônico”, afirma Silvio Laban, professor do Insper.
Será que o aplicativo do Facebook vai evoluir para se tornar um WeChat? “Acredito que eles gostariam de seguir o caminho do WeChat”, diz Laban.
Aos poucos, o popular aplicativo de mensagens vai criando recursos para negócios. A sua versão Business, por exemplo, permite a criação de catálogos virtuais, com informações de produtos e serviços oferecidos pela empresa. O Facebook também tornou pública a API do WhatsApp para que possa se integrar melhor com grandes empresas.
Mas há indícios que o Facebook possa ter planos maiores para o WhatsApp. Em abril deste ano, Mark Zuckerberg, fundador da rede social, investiu US$ 5,7 bilhões para assumir uma participação de pouco menos de 10% na unidade digital do grupo indiano Reliance Industries.
O acordo envolve a Jio Platforms, que leva lojas físicas para o mundo online, e o plano é trabalhar em conjunto com o WhatsApp, que tem 400 milhões de usuários na Índia, para conectar pequenos comerciantes e seus clientes.
“No futuro próximo, a JioMart e o WhatsApp vão conectar 30 milhões de pequenas mercearias por meio de transações digitais com cada cliente que possuem em seus bairros”, disse Mukesh Ambani, presidente da Reliance e homem mais rico da Ásia, com uma fortuna estimada em US$ 54,8 bilhões.
Os testes já estão acontecendo em algumas localidades da Índia, mas não está claro ainda como será a remuneração do WhatsApp. Até agora, o aplicativo praticamente não gera receita e é sustentado pelo Facebook, que faturou US$ 70,7 bilhões e lucrou US$ 18,5 bilhões em 2019.
No passado, o Facebook estudou acrescentar publicidade nas mensagens do WhatsApp. Mas até agora não avançou com esse plano. E, ao que tudo indica, tirou o pé dessa iniciativa depois que autoridades antitruste nos EUA e na Europa começaram a investigar a companhia na esteira de diversos escândalos de publicidade.
Quando comprou o WhatsApp, em 2014, o Facebook pagou caro por uma operação que não tinha nenhuma fonte de renda. Pior: na mesa de um dos fundadores, o ucraniano Jan Koum, que já deixou a empresa, havia uma nota escrita à mão, que era considerada uma declaração de princípios: “Sem publicidade! Sem jogos! Sem truques!” Até quando?