Segunda principal fonte de eletricidade do mundo, atrás apenas da hidrelétrica, a energia solar cresce na "velocidade da luz". Globalmente, desde 2011, a capacidade instalada saltou de 62,42 gigawatt-hora (GWh) para quase 1 terawatt-hora (TWh) –um aumento de mais de 1.500%.
Toda essa energia é captada por cerca de 2,5 bilhões de painéis fotovoltaicos, espalhados pelo planeta. Como os módulos não duram para sempre, a humanidade se vê às voltas com um novo (e valioso) tipo de lixo.
Na década de 2030, o volume de placas descartadas deve ficar entre 1,7 milhão e 8 milhões de toneladas anuais. E, em 2050, atingir 78 milhões de toneladas, nos cálculos da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês).
Compostos 90% por alumínio e vidro, além de materiais valiosos, como prata, cobre, estanho e silício, os módulos têm alto valor agregado. Com 96% de eficiência na reciclagem, as placas fotovoltaicas podem se transformar em um ótimo negócio.
O mercado global de reaproveitamento de painéis solares foi avaliado em US$ 97,8 milhões, em 2022, pelos analistas da consultoria inglesa Visiongain. Até 2029, deve atingir US$ 215,6 milhões, a uma taxa de crescimento anual composta de 12%, no período.
Como a vida útil dos modelos disponíveis atualmente varia de 25 a 30 anos, o paulista Leonardo Gianini Duarte imaginou ter algum tempo pela frente, quando decidiu se aventurar na reciclagem fotovoltaica - ainda durante o curso de engenharia de produção, na Universidade Federal de Santa Catarina, concluído em 2020.
Se há três anos a atividade era recente na Europa, berço do reaproveitamento dos módulos; imagine no Brasil... ele poderia pensar com calma na futura empresa. Qual não foi sua surpresa ao descobrir que a hora era agora.
“O mercado de reciclagem não está atrelado 100% ao fim de vida útil dos painéis”, conta o engenheiro ao NeoFeed. “Cerca de 7% dos painéis têm morte prematura, antes dos 15 anos de instalação.” Alguns se perdem no transporte, instalação e manutenção. E, outros tantos, em acidentes naturais.
Por falta de políticas públicas, quando não são descartadas como lixo, nos aterros sanitários, muitas placas são enviadas para outros países, onde recebem o tratamento adequado. Não havia tempo a perder. Então, em janeiro de 2020, Duarte fundou a SunR, a primeira empresa de reciclagem fotovoltaica da América Latina.
Desde então, a empresa já processou 750 toneladas de painéis, vindos de todos os cantos do país. Entre 2021 e 2022, o volume de material cresceu 400%. E, no ano passado, 700%. “Fecharemos 2023, com uma quantidade ainda maior”, prevê o CEO, de 27 anos. “O mercado está supervalidado.”
Brilho na estrada
Com parceiros espalhados pelo país, a SunR faz a coleta dos módulos e os leva para um galpão de dois mil metros quadrados em Valinhos, no interior de São Paulo. Lá, graças a uma tecnologia desenvolvida pela equipe de Duarte, os painéis são processados.
“Não cobramos pelo serviço de coleta e transporte; só fazemos o repasse do custo logístico para o cliente”, explica o engenheiro. “Nossa fonte de receita é 100% na venda dos materiais”, completa, sem revelar valores.
Depois da retirada do alumínio (a etapa mais fácil do processo), os painéis são triturados. Os resíduos, então, passam por processos mecânicos de separação, conforme suas densidades e constituições. Cada um dos materiais é encaminhado para indústrias diferentes. “Nosso foco não é só vender, mas dar a esses materiais a melhor destinação possível”, garante o CEO da SunR.
O alumínio, diz Duarte, vai direto para fundição e viram esquadrias de portas e janelas, por exemplo. Transparente e sem ferro, o vidro fotovoltaico se distingue da maioria dos resíduos do gênero e tem um fim curioso.
Transformados em microesferas, os cacos são incorporados à tinta, usada para sinalização rodoviária. “Aquelas marcações no asfalto, que refletem o farol dos carros, são feitas com esse vidro”, diz Duarte. “A indústria é muito carente desse material.” Por fim, a mistura metálica é vendida para empresas interessadas em fazer a extração química. Apesar de ser o material mais valioso, é encontrado em quantidades muito pequenas.
Reciclagem móvel
Pensando no aumento da procura pela reciclagem fotovoltaica, o engenheiro montou o maquinário da empresa em containers. Quando houver demanda, a ideia é colocar essas caixas gigantes em cima de caminhões e levar a SunR até os locais de coleta e fazer o processamento lá mesmo. Com isso, evita-se o envio dos resíduos até Valinhos, barateando os custos da operação e diminuindo a pegada de carbono inerente ao transporte.
Conforme estudos conduzidos por especialistas da Irena, os materiais recuperados podem movimentar US$ 450 milhões, daqui a sete anos. Em 2050, o valor da reciclagem deve bater US$ 15 bilhões. Dinheiro suficiente, segundo a agência, para produzir 2 bilhões de módulos fotovoltaicos.
Ao contrário dos países nos quais a reciclagem já está bem estruturada, no Brasil, painel solar ainda não volta a ser painel solar. O motivo? Das 2 milhões de placas instaladas aqui, 96,5% são importadas. A maioria veio da China, dona de 75% da produção mundial.
Mas, como o resto do mundo, o mercado nacional está em rápida ascensão. A capacidade instalada foi de 2 GWh, em 2012, para os atuais 32 GWh. O futuro fotovoltaico está apenas começando.