O mundo é entrecortado por cerca de 70 milhões de quilômetros de estradas. Enquanto conectam pessoas e mantêm a economia global em movimento, a construção e manutenção dessas rodovias lançam 400 milhões de toneladas de dióxido de carbono, todos os anos, na atmosfera. Obtido a partir da destilação do petróleo cru, o asfalto está naquele grupo dos produtos mais danosos ao meio ambiente, responsável por 86% das emissões de gases de efeito estufa.

A busca por materiais mais sustentáveis e resilientes à ação do aquecimento global tem mobilizado centros de pesquisa de universidades, grandes companhias e startups, ao redor do planeta.

Fundada em 2021, a norueguesa Carbon Crusher desenvolveu uma máquina para recuperação de estradas e ruas que tritura uma camada de 25 centímetros do topo do pavimento a ser reparado, a uma velocidade de 150 a 400 metros por hora. Em seguida, esses pedacinhos de asfalto são misturados a um composto vegetal à base de lignina. Ao tirar o betume da equação e reutilizar os resíduos, o recapeamento se torna “eco-friendly”.

Com sede na cidade de Hjartdal, a startup acaba de anunciar sua expansão para os Estados Unidos. Já presente no Texas, a empresa está levando sua tecnologia para os estados da California, Arizona e Washington. Lá, a Carbon Crusher se associa também ao programa da Y Combinator, de São Francisco, uma das aceleradoras mais importantes do mundo, focada no desenvolvimento de startups com soluções em sustentabilidade.

A empresa tem uma centena de clientes, sobretudo na Europa e deve fechar 2023 com um faturamento de US$ 10 milhões. Desde sua fundação, já levantou US$ 3 milhões em financiamento, conforme dados da plataforma PitchBoook.

Adesivo vegetal

Uma espécie de adesivo vegetal, a lignina é o segundo polímero orgânico mais abundante na natureza, depois da celulose. Tem como função dar rigidez, impermeabilidade e proteção às plantas contra os ataques microbiológicos e o estresse mecânico.

O composto pode ser encontrado também nos resíduos industriais da fabricação de papel e do processamento de diversos alimentos, como café e milho. Ou seja, o bioasfalto acaba por impactar outros setores econômicos, ao valorizar subprodutos fabris, que, normalmente, iriam para o lixo.

Estudos conduzidos por cientistas da Universidade de Wageningen, na Holanda, mostram que uma mistura asfáltica à base de lignina pode reduzir entre 30% e 60% as emissões de gases de efeito estufa. Como o composto vegetal é mais flexível do que o betume, o novo material é mais resistente às intempéries e ao tráfego pesado.

“Plastic roads”

Em outra frente de investigação, a multinacional americana Dow lançou, em 2021, o projeto “plastic roads”, também baseado nos preceitos da circularidade. A companhia desenvolveu uma formulação asfáltica inédita, com restos de embalagens plásticas flexíveis.

Até agora, já foram resgatados do fluxo de resíduos 100 toneladas métricas do material, usadas na pavimentação de 600 quilômetros de estradas, em 11 países - Brasil, Estados Unidos, México, China, Colômbia, Índia, Vietnã, Indonésia, Tailândia, Filipinas e Bulgária.

Completando seis meses, a “plastic road” brasileira está em um trecho da rodovia Washington Luís, no interior paulista. Na pavimentação, foram usados cerca de 200 mil recipientes, postos no lixo.

Depois de processados por cooperativas de reciclagem, as embalagens foram transformadas em espécie de grãos de polímeros. Em seguida, já nas usinas, em tambores gigantes, a altas temperaturas, esse material foi adicionado ao asfalto. Normalmente, a mistura asfáltica é composta 95% por pedras e 5% por betume.

“Em uma receita de 30 toneladas, nós substituímos cerca de um quarto do asfalto, o equivalente a 450 quilos, por plástico pós-consumo”, explica ao NeoFeed, a engenheira química Renata de Oliveira Pimentel, cientista de Suporte Técnico e Desenvolvimento de Aplicações para Plásticos, da Dow.

Demanda crescente

Submetido a experiências em laboratório e, mais recentemente, ao teste na estrada, o betume com plástico reciclado tem se revelado 30% mais resistente do que as misturas asfálticas tradicionais. O produto foi aplicado em um quilômetro da rodovia Washington Luís, próximo à cidade de Rio Claro, por onde circulam 6 mil caminhões, por dia. “Escolhemos a faixa da direita, em um trecho de subida”, conta Renata. A ideia era submeter a tecnologia a provas de tráfego intenso e pesado.

Inovações como essa Dow têm no Brasil um grande potencial de mercado. O país possui cerca de 1,7 milhão de estradas; das quais, 211,468 mil quilômetros são pavimentados, o correspondente a apenas 12,3% do total.

Usada em todas as vias asfaltadas, a tecnologia da Dow resgataria 80 bilhões de embalagens plásticas, que, tradicionalmente, vão para os aterros sanitários –o que ajudaria a aumentar os índices de reciclagem de plástico virgem. Aqui, das 7 milhões de toneladas jogadas fora todos os anos, somente 23% são recicladas.

A demanda por soluções alternativas ao asfalto só tende a aumentar. Afinal, estradas e ruas não deixarão de ser construídas tampouco restauradas. Conforme recém-lançado relatório da consultoria Business Wire, do grupo Berkshire Hathaway, o mercado mundial de asfalto deve avançar a uma taxa anual composta de 6,3% até 2027, quando está previsto para atingir 183 milhões de toneladas. Em 2020, a produção foi de 119,4 milhões de toneladas.