Onde falta água potável, por ausência de infraestrutura, guerras ou desastres naturais? Ucrânia, Síria, Haiti, Kiribati e a Ilha do Bororé, em São Paulo. Madagascar, Paquistão, Suriname, Tonga e a aldeia yanomami de Taracoa, no interior do Amazonas. Líbano, Tuvalu, Panamá e o litoral norte paulista.
São nesses lugares que os engenheiros Maria Helena Azevedo e Fernando Marcos Silva estão presentes com sua PWTech. PW, de “pure water” - “água pura”, em inglês.
Fundada em 2019, a startup desenvolveu um equipamento portátil para purificação de água doce contaminada. Batizado PW 5660, o aparelho é tido pela Organização das Nações Unidas (ONU) referência no acesso à água potável, em crises humanitárias. Hoje, o escritório de serviços para projetos da entidade (Unops) está entre os clientes da empresa.
A tecnologia criada pela PWTech é diferente de todos os purificadores disponíveis no mercado atualmente. Em primeiro lugar, a portabilidade, a facilidade de operação (“plugou-bebeu”) e o baixo custo de manutenção. Com 72,4 centímetros de largura por 39,4 de altura, pesando 15 quilos, o PW 5660 pode ser levado para as áreas mais remotas.
Além disso, o equipamento funciona com vários tipos de energia, diz Maria Helena, COO da PWTech, em conversa com o NeoFeed. Pode ser operado via eletricidade, bateria e painéis fotovoltaicos, por exemplo.
O PW 5660 tem capacidade para filtrar, por dia, 5 mil litros de água – o equivalente a 4 litros, por minuto, o bastante para abastecer uma comunidade de 100 pessoas, segundo as diretrizes de consumo per capita diário, da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Desenvolvida em parceria com Fernando Guimarães Aguiar, doutor em engenharia mecânica e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a tecnologia da PWTech é relativamente simples. Proveniente da chuva, rios, poços, represas, açudes e lagos, depois de captada pelo PW 5660, a água passa por um clorador, três filtros e, por fim, uma membrana de ultrafiltração.
“A membrana foi nossa grande sacada: adotamos a mesma membrana usada nos aparelhos de diálise [para o tratamento de pacientes renais graves]”, conta Maria Helena. “Compostas por filamentos internos, a capilaridade é tão pequena que impede a passagem de vírus e bactérias.” A título de ilustração, o novo coronavírus mede, no máximo, 200 nanômetros; ou 0,000002 centímetro.
Não bastasse a qualidade de reter sujeiras de tamanho tão reduzido, o material vem sob a forma de tubos de, em média, 30 centímetros de altura. Os rolos de membrana utilizados nos purificadores tradicionais, segundo a COO, chegam a 2 metros.
Depois de passar pelo PW 5660, a água sai sem nenhum micróbio, com uma redução da turbidez da ordem de 95%. Em um país como o Brasil, onde 35 milhões de pessoas não têm acesso a água potável, no início, conta Maria Helena, a ideia era trabalhar no modelo B2G (business to government), vendendo o PW 5660 para governos e organizações de ajuda humanitária.
A Agência Brasileira de Cooperação, do Ministério das Relações Exteriores; o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra); o Programa Mundial de Alimentos; a União BR; o Instituto da Criança e a ECOA, estão no portifólio da startup. O Exército classifica o PW 5660 como “produto estratégico de defesa”.
Indústrias de diferentes setores
Com o tempo, porém, Maria Helena e Silva perceberam que o equipamento poderia servir a indústrias de diversos setores. Na construção civil, por exemplo, a máquina limpa a água para consumo dos operários, em substituição aos caminhões-pipa.
A pureza da água é importante também para a produção de concreto. Água impura não produz concreto de boa qualidade. “Mas, dependendo do tamanho da obra, nosso equipamento deixa de ser economicamente viável”, explica a executiva.
Até cinco unidades do PW 5660, vale a pena. Acima dessa quantidade, o custo-benefício não compensa. Cada máquina custa em torno de R$ 15 mil.
A agropecuária também pode se beneficiar da tecnologia desenvolvida pela PWTech, sobretudo no desmame dos bezerros. No processo, os bichos são alimentados com fórmulas de leite em pó. Se diluídas em água potável, mais rápida é a engorda do filhote, indica estudo da Escola Superior de agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo em parceria com a startup.
Com a agenda ESG cada vez mais em evidência, companhias de diferentes segmentos recorrem à PWTech para dar andamento a projetos sociais e ambientais. No modelo B2B, a PWTech trabalha com Ambev, Vale, Andrade Gutierrez, TS Infra, entre outras.
Em ascensão
Os negócios com empresas representaram 20% do faturamento de R$ 7 milhões, em 2022 – o restante cabe às parcerias B2G. O foco agora é alavancar o B2B e fechar 2023 com receita de R$ 10 milhões. Nos próximos cinco anos, Maria Helena e Silva planejam crescer 20%, até 2028.
No início da empresa, os fundadores levantaram R$ 600 mil com a gestora FRAM Capital. Além disso, Maria Helena e Silva injetaram outros R$ 600 mil no projeto.
Com uma equipe de 14 funcionários, a PWTech já instalou 600 purificadores, em 16 países, beneficiando cerca de um milhão de pessoas.
Maria Helena e Silva pensavam em terceirizar a produção do purificador, mas, devido à demanda, acabaram construindo uma fábrica em São Carlos, no interior paulista. Por causa da ações humanitárias, a empresa mantém um estoque permanente de 200 unidades do purificador.
Sempre em busca de inovações e melhorias, orgulha-se Maria Helena, a empresa lançou uma plataforma para monitoramento, em tempo real, do tratamento da água. Deu tão certo que, há nove meses, a iniciativa fez o spin-off e hoje a SWTech é uma startup independente. SW, de “smart water” - água inteligente, em inglês.