Apontadas como o futuro da comunicação pelo físico inglês Stephen Hawking, até bem pouco tempo atrás, as interfaces cérebro-computador (BCI, na sigla em inglês) estavam restritas ao imaginário da ficção científica.
Graças, no entanto, aos avanços nos conhecimentos sobre o funcionamento cerebral e o aperfeiçoamento de ferramentas de inteligência artificial e de análise de dados, os negócios em torno da neurotecnologia começam a ganhar tração.
Globalmente, os dispositivos capazes de transformar pensamento em ação movimentam US$ 1,74 bilhão, segundo a consultoria americana Grand View Research. Até 2030, devem chegar a US$ 6,18 bilhões, a uma taxa de crescimento anual de 17,2%.
O apetite dos investidores pelos implantes cerebrais também tem aumentado. No ano passado, segundo o PitchBook, os aportes no setor cresceram quase 60% em relação a 2020. Foram de US$ 194,35 milhões para US$ 467 milhões. Em 2019, não chegaram a US$ 135 milhões.
As startups de neurotecnologia despertaram a atenção do capital de risco com a entrada de Elon Musk no jogo. Em 2016, o dono da Tesla e da SpaceX fundou a Neuralink. Desde então, a companhia de BCI do bilionário sul-africano, já recebeu US$ 373 milhões, de pesos pesado como Founders Fund e Sam Altman, da Y Combinator.
Mas, para a frustração de Musk, os cheques mais polpudos do setor não garantiram sua liderança na corrida das interfaces cérebro-máquina. Sem o aval das agências regulatórias para testes em humanos, as experiências da Neuralink continuam restritas à porca Gertrude e ao macaco Pager, como as cobaias da empresa são chamadas.
O primeiro lugar cabe à Synchron, uma startup de Nova York, lançada também em 2016, pelo neurocirurgião Thomas Oxley. Com um quinto do quadro de pessoal (60 funcionários) e um pouco mais de um sexto do dinheiro (US$ 70 milhões) arrecadado pela Neuralink, a empresa do Brooklyn está muito à frente da companhia de Musk.
Há cerca de quatro meses, com o O.K. do governo dos Estados Unidos, o gadget da Synchron foi implantado, pela primeira vez, em um paciente americano. Portador de esclerose lateral amiotrófica (ELA), o homem, cuja identidade não foi revelada, perdeu os movimentos das mãos, braços e pernas e tem dificuldade para falar.
Usando apenas a força do pensamento, ele conseguiu conversar por escrito com sua cuidadora pelo WhatsApp e comprar medicamentos online. Outras cinco pessoas na Austrália, com problemas semelhantes, também já receberam o Stentrode, desde 2020.
A menos invasiva entre todas as tecnologias de BCI, o sistema da Synchron não requer cirurgia - o que confere à startup uma enorme vantagem em relação à concorrência, tanto do ponto de vista da segurança do paciente quanto do custo da tecnologia.
Um tubo minúsculo de platina, usado tradicionalmente para a desobstrução de artérias e veia e conhecido como stent, chega aos principais vasos sanguíneos do cérebro, por uma pequena incisão na jugular do voluntário.
Fixado no tórax do paciente, um transmissor bluetooth, semelhante a um marca-passo, transmite os impulsos nervosos do córtex motor primário do cérebro, responsável pelos movimentos voluntários, para o computador e a máquina os decodifica, convertendo pensamentos em ação.
A um custo de US$ 30 mil a US$ 50 mil, com o Stentrode, os pacientes conseguem se comunicar por meio de texto – a uma velocidade de 20 palavras por minuto.
Justamente por dispensar o uso de sensores diretamente no cérebro, em geral, os resultados obtidos pela Synchron, até o momento, tendem a ser menos precisos do que os implantes cerebrais. Mas, mesmo assim, o dispositivo da empresa de Nova York chega a resultados bastante satisfatórios, o suficiente para tornar o produto minimamente viável, conforme os analistas do setor.
Há ainda, no entanto, muitos desafios a vencer para que a técnica possa ser utilizada em grande escala. Além de programar o computador para interpretar comandos cerebrais, os cientistas precisam treinar os pacientes para que seus pensamentos sigam um padrão.
Ainda que usemos as mesmas vias neurais para digitar uma palavra no computador ou sentir uma determinada emoção, esse processo nunca é exatamente o mesmo entre duas pessoas. Além disso, há um campo vastíssimo a ser descoberto.
A farmacêutica japonesa Astellas está trabalhando com a iota Biosciences, nascida nos laboratórios da Universidade da California, em Berkeley, no desenvolvimento de sensores cerebrais do tamanho de um grão de areia.
A depender do entusiasmo dos empreendedores da neurotecnologia e do apetite cada vez mais voraz dos investidores pelos sistemas de BCI, logo, logo a interface cérebro máquina deve ganhar escala.