A vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, em 2018, foi baseada em duas bandeiras bastante claras. De um lado, o combate à corrupção. De outro, o liberalismo econômico.
Duas figuras personificam essas plataformas, depois da eleição de Bolsonaro nas urnas, em 2018. Uma delas era o polêmico juiz Sergio Moro, considerado um herói nacional por conta da Lava Jato, que levou políticos graúdos à prisão, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A outra era Paulo Guedes, essencial para os empresários apoiarem Bolsonaro.
Com a saída de Moro e a eventual queda de Paulo Guedes, esses dois alicerces colapsaram, assim como governo de Bolsonaro.
Isso se houver governo depois das acusações de interferência na Polícia Federal feitas por Moro na coletiva de imprensa em que anunciou sua saída do governo e seu divórcio não consensual – para citar uma expressão tão cara a Bolsonaro – com o seu agora ex-chefe.
Moro tem a obrigação de detalhar todas as interferências que Bolsonaro tentou fazer na Polícia Federal. Ele, que tanto incentivou delações premiadas, tem agora de fazer a sua própria, para esclarecer esses fatos e para que as acusações não sejam apenas uma carta na manga para constranger o presidente.
Guedes, por sua vez, está cada vez mais isolado em Brasília. Planos de recuperação econômica são anunciados sem a sua presença. Pior: com premissas contrárias a tudo o que pregou em sua vida e o que tem dito nas diversas lives que participou nos últimos dias.
O programa “Pró-Brasil”, apresentado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Water Braga Netto, prevê R$ 300 bilhões de investimento público para recuperar a economia fragilizada pelo coronavírus, e tem sido chamado por Guedes nos bastidores de “novo PAC” e “Dilma 3”, em referência a políticas de governos petistas.
Sem Moro e Guedes, restará a Bolsonaro os generais de pijama que o cercam no Palácio do Planalto e seus súditos mais fiéis e radicais das redes sociais.
Mas até esses fiéis apoiadores digitais estão abandonado Bolsonaro. No Twitter, a rede social preferida do presidente, as cinco “trend topics” mais populares eram contra Bolsonaro. A principal era #Moro, seguida de #ForaBolsonaro, #BolsonaroTraidor, #TchauQuerido e #BolsonaroEnlouqueceu.
A base que elegeu Bolsonaro não era homogênea e incluía evangélicos, agropecuaristas, empresários e lava-jatistas. Hoje, alguns deles estão pulando fora do barco.
Além dos lava-jatistas, fiéis a Moro, os empresários também estão sinalizando que não vão ficar nesse navio que está afundando. Em conversas reservadas, eles admitem que o governo acabou e indicam que a melhor saída, agora, seja o vice-presidente Hamilton Mourão assumir o poder.
Se Bolsonaro não cair – e a chance disso acontecer não pode ser desconsiderada – ele será o que os políticos americanos chamam de “pato manco”. A expressão define o político que continua no cargo, mas não pode, por algum motivo, disputar a reeleição ou perde a expectativa de poder.
Em resumo, Bolsonaro pode até ficar onde está. Ele pode até ser o dono da caneta. Mas não mandará mais nada. Fragilizado e sem apoio, será presa fácil para políticos mais experientes e será o capitão de um governo fantasma em Brasília.
Em meio a uma crise sanitária gravíssima que gera uma crise econômica de proporções dantescas, Bolsonaro deveria estar trabalhando diuturnamente para resolver esses problemas. Poderia estar unindo o País para o combate desses dois flagelos.
Mas não. Ele está fazendo o que nenhum outro governante conseguiu: sabotar o seu próprio governo. Entrará para história como o presidente que trabalhou para inviabilizar a si próprio. Não é pouca coisa.
Não custa lembrar também as palavras proféticas um homem haitiano que, na saída do Palácio do Alvorada, disse que o governo Bolsonaro tinha acabado. “Você não é presidente mais, precisa desistir. Você está espalhando o vírus e vai matar os brasileiros", disse o haitiano para Bolsonaro, em meados de março.
Aparentemente, o haitiano tinha razão. O governo Bolsonaro acabou.