Quem na vida corporativa não se deparou com o dilema de um negócio que prospera em detrimento de um novo que pode colocar em risco aquela operação que está dando resultado? E tem também aquele ditado que não se mexe em time que está ganhando. Será?
Levar ou não uma proposta inovadora ao head da área? Essa é uma dúvida crucial e muito comum que a área de criação/design de produtos se depara ao colocar na mesa uma ideia inovadora que em um primeiro plano sugere a canibalização ou destruição das receitas geradas pelo produto/negócio que sustenta a empresa.
E o executivo? Permitir que o seu time gaste tempo com o futuro, mesmo tendo riscos e, na visão de curto prazo, possibilidade de perder receitas? Ainda, será que o conselho apoiaria já que poderia colocar em risco receitas naquele período em função do novo, de uma aposta?
Nos mais de 30 anos de mercado financeiro também passei por situações como essas. Em 2005, os grandes bancos subestimaram a inovação com o crédito consignado (área em que fui diretor de operações no Banco do Brasil), partindo do princípio que lançar um produto com taxas menores poderia canibalizar o credito pessoal tradicional, produto com margem maior.
As “fintechs da época” aproveitaram a oportunidade e ficaram durante um bom tempo sozinhas no segmento crédito consignado INSS, por exemplo. Felizmente, no caso do Banco do Brasil, revertemos esse posicionamento a tempo, investimos em tecnologia, e o tempo provou que o consignado, visão risco/retorno, permitia mais margem no longo prazo.
Resumo de decisão acertada, o Banco do Brasil, no crédito consignado, continua na liderança. No tempo, outros bancos de varejo também perceberam a oportunidade e passaram a operar fortemente na modalidade. Esse é um caso feliz de convivência entre vaca leiteira e novo produto.
Outra, já em uma tendência digital, seria o movimento de migração das transações de banking para o smartphone. Em 2009 ainda não havia segurança, usabilidade e muito menos cultura da população para oferecer todas as soluções bancárias que estavam disponíveis nos pontos físicos ou desktop.
Como sempre, fomos pioneiros em inovação, chegamos a criar projetos para oferecer um “celular financeiro” exclusivo. Isso propiciou ter um banco na palma da mão e, naturalmente, sermos muito ativos em transações bancárias no smartphone com menor custo para o Banco e maior conveniência aos clientes. E isso em um tempo que ainda os smartphones não eram populares como hoje e as conexão eram precárias.
Esses movimentos inovadores são necessários, mas exigem coragem já que pode colocar em risco, mesmo que aparente, o modelo atual de negócios. E, fruto desse movimento digital, tantas outras possibilidades, via celular, surgiram.
Fomos o primeiro a ter depósito em cheque e quem diria, poder financiar um carro, ponta a ponta e com conveniência, sem precisar ir a uma agência ou ponto físico. Essa experiência eu vivi, acompanhei de perto quando liderei a área de clientes do BB.
Mas todas essas inovações sempre tiveram sucesso quando estavam relacionadas à ampliação de canal e redução de custos. Na primeira vez que tivemos o risco de matar a vaca leiteira, foi necessário mudar a estratégia.
Conduzir projetos paralelos com potencial de matar a vaca leiteira é uma arte. Os aprendizados mostram que relegar isso pode deixar passar bilhões de dólares em valor às companhias
Em 2014, muito antes das bigs fintechs de hoje como Picpay e Nubank terem a projeção atual, lançamos a conta corrente totalmente digital pela internet. Foi um sucesso. As primeiras semanas mostraram que o produto tinha potencial exponencial de crescimento para se tornar um dos maiores bancos digitais do Brasil, mas ai o dilema da vaca leiteira nos fez pensar melhor em como acelerar.
O fato é que essa conta digital mesmo com custo menor, implicaria em não ter a geração de receitas com tarifas, item importante na composição do resultado do Banco. E o grande calcanhar de Aquiles nessa decisão seria a perda de receitas de clientes que pagavam pacotes de serviços com a migração para a conta digital.
A encruzilhada de gerar valor de longo prazo ou receitas no ano seguinte fez com que o apetite de crescer exponencialmente no digital ficasse menor. Não é possível voltar no tempo, mas quem sabe se algum dos grandes tivessem insistindo na estratégia digital, poderia ter construído um novo banco com market cap, maior que a vaca leiteira.
Conduzir projetos paralelos com potencial de matar a vaca leiteira é uma arte. Os aprendizados mostram que relegar isso pode deixar passar bilhões de dólares em valor às companhias, e em alguns casos extremos, significar o fim da incumbente.
A boa noticia é que as corporações entenderam que precisam criar os “ berçários de unicórnios” dentro do seu ecossistema e estão investindo forte em áreas abertas de inovação e corporate venture.
O movimento de aceleradoras, corporate venture e principalmente abertura do ecossistema para captura de valor, é uma tendência que deve acelerar muito nos próximos anos. As vacas leiteiras continuam sendo importantes para manter viável o negócio da organização que a detém, mas também como combustível para que os “bebês unicórnios" cresçam com o apoio das corporações. Equilibrar isso é a difícil arte de fazer uma vaca leiteira gerar um unicórnio.
*Gueitiro Genso é especialista em serviços financeiros e pagamentos, investidor em startups, advisory, Board Member e foi CEO do Picpay, Presidente da Previ e VP do BB