Liz Truss pode ter vencido a batalha para se tornar a próxima primeira-ministra da Grã-Bretanha, mas não terá muito tempo para se adaptar no cargo. Isto porque as previsões sobre o padrão de vida das pessoas são pessimistas: devem sofrer uma queda sem precedentes, de 10% nos próximos dois anos, impulsionado pelo aumento dos preços da energia e de outros bens.

A economia do Reino Unido enfrenta uma recessão que irá se estender até o final deste ano. Não há praticamente nenhuma previsão de crescimento econômico até 2024. A inflação, já em 10%, pode subir, segundo alguns analistas, para mais de 20%. Isso afetará serviços públicos como saúde, educação e policiamento, já prejudicados por apertos nas finanças governamentais.

A crise escancara problemas estruturais de longo prazo do Reino Unido, que fica atrás de rivais em termos de crescimento econômico, desigualdade e produtividade. A renda real da maioria das famílias não cresceu na última década e ao mesmo tempo não houve investimento suficiente para aumentar a produtividade.

As grandes diferenças na produtividade também enfatizam as disparidades entre Londres e o Sudeste comparado com o resto do país. E estas disparidades regionais estavam sendo combatidas com políticas públicas de nivelamento com o objetivo de diminuí-las.

A quem ajudar?

Em outubro, a conta de energia média anual vai praticamente dobrar, alcançando £ 3.500 (US$ 4.022), graças a um aumento acentuado no teto do preço da energia – e a tendência é atingir £ 6.000 (US$ 7.471) até abril. Com isso, milhões de famílias serão empurradas para a pobreza.

Embora Truss possa ter vencido a eleição de liderança conservadora ao exaltar cortes de impostos e mercados livres, ela afirma que introduzirá medidas de emergência em sua primeira semana no cargo para enfrentar a crise de energia, que fornecerá novo apoio governamental para famílias e empresas.

Isso terá um preço alto. Após o último aumento no teto do preço da energia, apenas aprovar subsídios para absorver três quartos do aumento nas contas engordará o custo para o governo de £ 24 bilhões (US$ 27,5 bilhões) para £ 42 bilhões (US$ 48,2 bilhões).

Em sua campanha, Truss também falou sobre cortar impostos sobre combustíveis, impostos adicionais como o VAT (Valued Added Tax) e suspender a “taxa verde” que todos pagam pelo custo da energia renovável. Mas isso será de ajuda limitada.

Ela pode escolher uma abordagem direcionada e temporária para dar mais assistência, aumentando os subsídios existentes para aposentados e para aqueles que recebem benefícios à medida que o limite aumenta ainda mais.

Mas a política pode exigir também o combate direto ao preço de energia talvez por meio de uma proposta do Partido Trabalhista de congelar o preço máximo por seis meses. Isso custaria £ 38 bilhões (US$ 43,6 bilhões), ou mais ainda se os preços da energia continuarem subindo nesse meio tempo.

Trussonomics

O novo governo também prometeu adotar um orçamento de emergência dentro de um mês para reverter o recente incremento nas contribuições para o seguro nacional e interromper o aumento do imposto corporativo programado para abril de 2023, que custará £ 13 bilhões (US$ 14,9 bilhões) e £ 17 bilhões (US$19,5 bilhões), respectivamente.

Isso elimina imediatamente o “espaço fiscal” projetado de £ 30 bilhões (US$ 34,4 bilhões) projetado em março pelo Escritório de Responsabilidade Orçamentária do governo, mesmo antes de levar em conta uma recessão que se aproxima reduzindo as receitas tributárias e exigindo maiores gastos com benefícios.

Mas todos esses movimentos terão um efeito limitado sobre o custo de vida. Cortes de impostos mais radicais, como sobre o VAT ou imposto de renda, custariam muito mais. A sugestão de Truss de cortar 5% o imposto VAT, por exemplo, custaria £38 billion (US$ 43,6 bilhões). Ao mesmo tempo, seu governo parece ter a intenção de enfraquecer regras fiscais que haviam guiado previamente decisões sobre gastos.

Muitos economistas acreditam que estimular a economia com grandes cortes de impostos e gastos extras aumentaria ainda mais a inflação. Isso poderia forçar o Banco da Inglaterra a aumentar as taxas de juros, segundo eles, causando mais prejuízos ao crescimento. Há ainda a dívida do governo, que já está em 100% do PIB. Truss argumentou que, como rivais como os EUA e o Canadá estão mais endividados, o Reino Unido pode aumentar ainda mais a dívida.

Mas isso limitará ainda mais sua capacidade de gasto. Os pagamentos anuais de juros da dívida do governo já estão previstos pelo Escritório de Responsabilidade Orçamentária do governo para atingir £ 83 bilhões (US$ 85,40 bilhões) em 2022. Isso é mais de 3% do PIB e quase tanto quanto todo o orçamento da educação.

E os pagamentos da dívida podem ser ainda maiores – especialmente se os investidores internacionais ficarem relutantes em financiar empréstimos no Reino Unido. Com a libra já atingindo mínimos não vistos desde a década de 1980, a confiança não é alta na economia do país.

O novo governo argumenta que a recompensa de grandes cortes de impostos será mais crescimento econômico e isso aumentaria as receitas fiscais e reduziria o déficit nos próximos anos.

Do meu ponto de vista, Truss certamente está correta ao identificar os maiores problemas de longo prazo que a economia enfrenta, como baixos crescimento e produtividade. Mas todos os governos do pós-guerra tiveram sucesso limitado ao tentarem aumentar a produtividade.

No entanto, as evidências não são convincentes de que o corte de impostos por si só seja a resposta. A tentativa dos Estados Unidos de fazer algo semelhante sob o governo de Ronald Reagan (1981-1989) não é um precedente encorajador. Os cortes de impostos dos EUA no início dos anos 80 não se pagaram por si mesmos, mas alimentaram a inflação: os gastos do governo não foram cortados e o déficit público disparou.

O Federal Reserve (FED), o Banco Central dos EUA, sob Paul Volcker, foi forçado a aumentar acentuadamente as taxas de juros, freando a inflação, mas causando a “recessão Volcker”. O governo Thatcher adotou uma abordagem diferente: aumentou os impostos em seu primeiro mandato para equilibrar o orçamento antes de reduzir as taxas de imposto de renda. Houve um aumento na produtividade, mas os principais fatores foram a privatização de indústrias estatais ineficientes e o enfraquecimento do poder de barganha sindical.

Encolhimento do Estado

Truss tem relutado em discutir as consequências de grandes cortes de impostos – a necessidade de encolher o Estado. O governo já planeja restringir os aumentos nos salários dos funcionários do setor público – a maior parte dos gastos do governo – para bem abaixo da inflação.

Isso pode desencadear greves e uma crise de recrutamento para o NHS (National Health Service, o Serviço Nacional de Saúde) com falta de pessoal. Ela também pretende realizar grandes cortes no número de funcionários públicos e outras partes da força de trabalho do setorpúblico. Isso agravará os problemas existentes na prestação de muitos serviços essenciais.

O plano de Truss de enxugar a burocracia, cortar desperdícios e “dar mais dinheiro aos serviços de linha de frente” não será suficiente para evitar isso. Observe que alguns importantes aliados de Truss, como o ministro do Brexit Jacob Rees-Mogg, acreditam que “em vez de procurar cortes fiscais e aparar cabelo, [devemos] considerar se o estado deve cumprir certas funções”.

Também não há muitas menções sobre aumentos de níveis de gastos. Relatórios oficiais do próprio governo do início deste ano deixaram evidente que é necessário um substancial investimento governamental de longo prazo em infraestrutura e treinamento nas chamadas áreas das “muralhas vermelhas”, no Norte da Inglaterra, que tradicionalmente votavam nos trabalhistas, mas trocaram seu voto para os Torys com o objetivo de dar a Boris Johson uma considerável maioria em 2019.

O dilema central que Truss enfrentará será o de abraçar as demandas do público por melhores serviços e apoio diante de um custo de vida alto com o desejo do governo por impostos mais baixos. As decisões tomadas nos próximos meses afetarão não apenas a situação econômica de todas as famílias do país, mas o destino do novo governo, que enfrentará eleições gerais nos próximos dois anos.

*Steve Schifferes é peesquisador Honorário do Centro de Pesquisa de Política Econômica, City, Universidade de Londres

Este artigo foi originalmente publicado em inglês no The Conversation.