Quando lançou sua candidatura ao governo da Califórnia, em 2015, Gavin Newsom fez da crise habitacional sua principal bandeira. Ele mal podia imaginar, contudo, que sua biografia e governo seriam marcados pela administração (por enquanto, bem-sucedida) da maior pandemia do século.
Casado e pai de quatro filhos, o democrata de 52 anos chegou ao poder do estado mais rico e populoso dos Estados Unidos com quase 8 milhões de voto, ou 62% do total – a vitória com maior margem de votos desde a eleição de Earl Warren, em 1950.
A disputa que teve palco em 2018, contra o republicano John H. Cox, também marcou a primeira vez que o condado de Orange apostou em um candidato democrata desde 1978, quando Jerry Brown assumiu o gabinete pela primeira vez.
Mas de todos os "fatos memoráveis" de Newsom, o maior deles talvez tenha sido mesmo o pulso firme para enfrentar o novo coronavírus. A Califórnia foi o primeiro de 42 estados americanos a decretar, em 19 de março, medidas rígidas de distanciamento social e o fechamento do comércio.
Para fins de comparação, em 15 de março, a Califórnia contava 293 pessoas contaminadas e apenas cinco mortes. Nova York, nesse mesmo período, tinha 729 casos confirmados de Covid-19, sendo três fatais.
Até a tarde desta quinta-feira, 7 de maio, o Golden State, como é chamado o estado na costa oeste americana, somava quase 55 mil pacientes com Covid-19 e 2,2 mil mortes. Nova York tem 319 mil casos, dos quais 19,4 mil foram à óbito.
Embora os dois estados tenham geografia, demografia e realidades bastante diferentes, especialistas acreditam que a rápida ação de Newsom é parte do sucesso no achatamento da curva de contágio.
"Essa realidade não será permanente. Nós ainda vamos olhar para trás e ver essas decisões como vitais", disse o governador californiano quando anunciou o fechamento de negócios não-essenciais, em março.
Pouco mais de um mês depois e suas palavras já são realidade: a Califórnia começa nesta sexta-feira, 8 de maio, a retomar algumas atividades com a missão do "achatamento" cumprida.
Paralelo à implementação da quarentena, Newsom também foi agressivo nas negociações para obter novos respiradores, máscaras e equipamentos hospitalares essenciais.
Enquanto muitos ainda traçavam planos de contingência da doença, o governador da Califórnia munia seu sistema de saúde com itens essenciais. A medida preventiva visava a blindar o estado do pior cenário traçado pela sua equipe, que trabalhava com o contágio de 56% da população (cerca de 25,5 milhões de pessoas) em oito semanas.
Essas ações combinadas e o diálogo aberto com outros estados, na tentativa de um plano conjunto, fez com que a Califórnia se tornasse um modelo em solo americano.
O próprio presidente Donald Trump destacou, em coletiva de imprensa no final de março, o esforço do governador: "a Califórnia fez um bom trabalho", disse o republicano aos repórteres.
E a aprovação não ficou só na Casa Branca. Três pesquisas conduzidas por agências diferentes chegaram à média de 69% de aprovação do governo de Newsom – um reflexo direto de como a população tem sido favorável às decisões rápidas e certeiras do democrata em relação ao novo coronavírus.
E sua popularidade tende a subir ainda mais agora que, finalmente, o estado está pronto para avançar para a segunda das quatro fases de reabertura social e econômica.
Na primeira fase, o estado se certificou de que todos os trabalhadores indispensáveis tivessem condições de desempenhar suas funções de maneira segura.
A partir desta sexta-feira, 8 de maio, a Califórnia entra na segunda etapa, permitindo a reabertura de algumas trilhas para prática de hiking, campos de golfe e comércio não-essenciais considerados de baixo risco, como floriculturas, livrarias e lojas de artigos esportivos.
A terceira fase é aquela que marca a retomada de negócios mais arriscados, como salões de beleza, academias, cinemas e cultos religiosos. Por fim, a quarta etapa, que não tem previsão para entrar em vigor, é a que marca a retomada de festivais, shows e grandes eventos esportivos com plateia.
Mesmo distante da "vida normal", Newsom acha importante comemorar cada passo na direção certa. "Califórnia, nós estamos achatando a curva, mas precisamos continuar levando isso tudo a sério. Suas ações podem salvar vidas", postou Newsom em seu perfil na rede de microblog Twitter.
Na mesma plataforma, o governador compartilhou um link com uma espécie de "manual de boas práticas" para que comerciantes de baixo risco retomem suas operações.
Promovendo lives diversas vezes ao dia e apostando em uma comunicação multiplataformas, o governador da Califórnia pode fazer da crise do coronavírus uma alavanca para a Casa Branca – e talvez já conte com a simpatia dos barões do Vale do Silício.
Para combater a pandemia, o governador se aliou a Apple, Facebook e Google, que forneceram dados anônimos, para colaborar com a causa, mapeando as áreas de risco.
De maneira generalizada, Newson agradeceu publicamente as big tech, mas nomeou Mark Zuckerberg, do Facebook, por seu trabalho. Os executivos não comentaram a parceria ou o desempenho do governador, mas, nesse caso, o silêncio talvez seja bom indício.
O caminho até o gabinete
Jogando baseball, Gavin Newsom conseguiu uma bolsa de estudo parcial para cursar ciência política na Universidade de Santa Clara, próxima à sua cidade natal, São Francisco.
O diploma, contudo, não foi fundamental no começo de sua carreira. Graças a um investidor amigo da família, Newsom abriu, em 1992, uma pequena vinícola numa região popular de São Francisco.
A boa administração dessa pequena empreitada comercial se desdobrou em 11 negócios diferentes, incluindo a abertura de cafés e bares.
Há quem credite o sucesso dos negócios à liderança diferenciada de Newsom, que premiava com um vale presente de US$ 50 os funcionários cujas ideias de novos projetos falhassem.
"Não há sucesso sem erros", disse à época, destacando que era importante promover uma cultura de inovação, onde todos se sentissem confortáveis para sugerir novas estratégias.
Essa valentia de desafiar o status quo foi, inclusive, o que lhe despertou para a vida pública. O departamento de saúde de São Francisco determinou que vinho poderia ser enquadrado na categoria de alimento e que, portanto, o estabelecimento de Newsom deveria instalar uma pia especial que custava US$ 27 mil. Newsom lutou contra a regulamentação e chegou a declarar aos jornais locais da época que "esse era o tipo de burocracia que gostaria de solucionar".
Participando de grupos, associações e organizações, seu interesse e ativismo político se aflorou. Newsom se elegeu prefeito da cidade de São Francisco em 2003, com 52% dos votos. Sua reeleição veio fácil, em 2007, com 73,6% dos votos.
Mesmo com algumas polêmicas, com direito a divórcio e casos extra-conjugais, o empresário continuava com o apoio da população. Sua luta a favor do casamento gay, da descriminalização das drogas e contra a pena de morte são bandeiras caras ao eleitorado californiano e pavimentou seu caminho até o cargo de vice-governador.
Por dois mandatos consecutivos Newsom foi o segundo nome na chapa de Jerry Brown, que comandou o gabinete entre 2011 e 2019.
No ínterim de sua missão como vice-governador, Newsom publicou seu livro "Citizenville", que descreve como cidadãos podem usar novas ferramentas digitais para dissolver o impasse político e transformar a democracia americana. A obra foi publicada em fevereiro de 2013 pela Penguin Books.
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