O comediante americano Jerry Seinfeld construiu uma das carreiras mais importantes da comédia mundial falando sobre o nada. Deixou a política de lado para fazer piada com coisas simples do cotidiano, temas que podem parecer pouco importantes, mas que garantiram longevidade ao humor sarcástico pelo qual ficou conhecido.
E os bastidores dessa trajetória são contados em "Será que isso presta?" (Intrínseca, 480 páginas, R$ 70), livro de memórias que chega agora às livrarias. O volume é dividido por décadas e mescla relatos autobiográficos com os textos que escreveu para seus shows de stand-up.
A história começa nos anos 1970, quando o humorista se apresentou pela primeira vez na Catch a Rising Star, rede de clubes de comédia de Nova York que recebeu praticamente todos os grandes nomes do humor dos últimos 50 anos.
Passa pela década de 1980, quando ele aprimorou seu estilo antes da estreia da série “Seinfeld”, e vai até os anos 2010, quando, mais maduro, se reencontrou com o formato de stand-up que ajudou a popularizar.
"Seinfeld é muito preciso na escrita", afirma o comediante e ator Fábio Lins. À frente do Espaço da Comédia, Lins oferece cursos de stand-up e ensina seus alunos a criar roteiros. Conta que muitos ficam chocados em descobrir que esse tipo de performance não é apenas uma longa sessão de improviso. "E o Seinfeld é um baita estudo de escrita, de construção de piada, de roteiro e de performance", diz.
De acordo com Fábio Lins, Seinfeld também ajudou a divulgar o stand-up ao redor do mundo graças à série que leva seu nome. Em cada episódio, em algumas cenas ele aparecia em um clube de comédia contando piadas, tendo apenas um microfone na sua frente. Hoje, é o formato mais explorado pelos humoristas, mas nem sempre foi assim.
A própria série que leva o nome de Seinfeld é considerada uma das mais influentes da história. Teve nove temporadas, exibidas entre 1989 e 1998. O último episódio superou a marca de 76,3 milhões de espectadores, uma das maiores audiências da história da TV americana.
Desde que parou de ser produzida, suas reprises já renderam US$ 3,5 bilhões em direitos autorais. Não à toa, Seinfeld é um dos artistas mais ricos do mundo, com uma fortuna de US$ 950 milhões.
A série serviu de inspiração para outras que vieram depois, como "Friends"e "The Office". Até a personagem que a atriz e roteirista britânica Phoebe Waller-Bridge interpreta em "Fleabag", sucesso recente da BBC que acumulou prêmios, pode ser vista como descendente direta de Elaine Benes, que Julia Louis-Dreyfus vive em "Seinfeld".
No ano passado, a Netflix comprou os direitos de exibição de todas as nove temporadas até 2025. Estima-se que a Netflix tenha pago US$ 500 milhões por elas. Os episódios devem chegar ao serviço de streaming, inclusive no Brasil, na metade deste ano. Até lá, é possível assistir a outro programa comandado por ele: "Comedians in Cars Getting Coffee", que já está na 11ª temporada.
Como o próprio nome já diz, a cada episódio Seinfeld recebe um convidado ligado à comédia, e o leva para tomar café e passear em carros esportivos, uma de suas grandes paixões. Seinfeld é dono de uma coleção de 31 Porsches. E ela já foi maior. Em 2016, ele vendeu 17 modelos em um leilão no qual arrecadou US$ 22 milhões.
A lista de gente que já passou pelo banco do carona de Seinfeld é enorme: vai de Jim Carrey e Eddie Murphy ao lendário Jerry Lewis (1926-2017) e Sarah Jessica Parker, de "Sex and the City".
Seinfeld também continua fazendo comédia no formato que mais gosta. “Até hoje sinto esse mesmo entusiasmo ao entrar num clube de comédia”, escreve ele. “Sou totalmente apaixonado pelo claríssimo efeito de 'tudo ou nada' inerente a uma performance de stand-up”. Mas, diferentemente do início de sua carreira, agora ele fatura muito mais com suas turnês – algo na casa dos US$ 40 milhões anuais.
O show mais recente, “Jerry Seinfeld: 23 Hours to Kill”, lançado no ano passado pela Netflix, dividiu o prêmio de melhor especial de comédia com “Welcome to Buteaupia”, da humorista Michelle Buteau, no Critics' Choice Awards 2021, evento que é considerado um termômetro para o Oscar.
"Vi um show dele em Nova York no ano passado, antes da pandemia", conta Fábio. "A primeira coisa que você percebe é que ele é extremamente carismático ao vivo. Mas também gostei de ver que ele não se importa de usar piadas velhas, desde que elas sejam boas".
Fãs de longa data do comediante provavelmente vão reconhecer várias das tiradas reunidas em “Será que isso presta?”. E isso não é um problema. Ao contrário: é uma prova de que muitas delas não ficaram nem um pouco datadas.