Se a lógica dos negócios predominante até hoje fosse uma figura geométrica, ela seria uma linha reta. Em uma ponta estaria a remoção de matéria-prima da natureza. E, na outra, os resíduos gerados ao longo de toda a cadeia produtiva e devolvidos como lixo ao meio ambiente — “extrair, produzir, descartar, desperdiçar”, como se os recursos fossem infinitos.

A linearidade nos levou à iminência do colapso socioambiental. Mas uma nova forma acena com a promessa de dias mais sustentáveis, produtivos e inclusivos. O futuro é um círculo. As duas pontas da linha unidas, pelo movimento dos “5 Rs” — “reciclar, reduzir, recusar, repensar, reutilizar”, em respeito aos limites do planeta.

Os preceitos da circularidade foram descritos pela primeira vez em 1989, pelos economistas e ambientalistas ingleses David Pearce e Kerry Turner, no livro Economics of natural resources and environment. Mas, só recentemente a tese dos dois estudiosos começou a receber a atenção que lhe é devida.

“Um levantamento de 2021 em periódicos científicos de economia encontrou 71 menções à economia circular”, escreve o economista americano Don Fullerton, em artigo publicado em maio, pelo National Bureau of Economic Research, de Cambridge, na Inglaterra. “Apenas cinco eram anteriores a 2016.”

Apesar de sua prática recente, a circularidade já coleciona histórias de sucesso pelo mundo. Grandes, médias e pequenas, empresas de todas as indústrias provam a força dos “5 Rs”.

Globalmente, a economia circular movimentou US$339 bilhões, em 2022, segundo a consultoria Statisa. E a previsão é a de que, nos próximos quatro anos, atinja quase US$ 713 bilhões.

As projeções do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) revelam o poder transformador desse modelo de produção e consumo, com uma oportunidade de crescimento econômico mundial de US$ 4,5 trilhões até 2030.

No Brasil, um dos projetos mais recentes é fruto da parceria entre a Vale e a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Depois de uma década de pesquisas, acaba de ser inaugurada, em Cariacica, na Grande Vitória, a primeira fábrica de supressor de poeira à base de garrafas PET recicladas.

Sob a forma de spray, o produto reduz o impacto provocado pelo descarte de três materiais muito poluentes — o plástico, o minério de ferro e o carvão.

Trituradas e moídas, as garrafas passam por um processo químico que quebra as moléculas de plástico e as transforma em uma espécie de resina biodegradável.

Aplicado sobre pilhas de minério de ferro e de carvão, o supressor funciona como uma película protetora, evitando a dispersão da poeira, durante o transporte e o armazenamento.

Bom para o planeta, as pessoas e os negócios

"Sabemos que a mineração, além de essencial para a sociedade, também é uma atividade que tem impacto sobre o meio ambiente", diz Rafael Bittar, vice-presidente executivo técnico da Vale, em entrevista ao NeoFeed. “O caso do supressor à base de PET é um exemplo concreto que combina preservação ambiental, desenvolvimento social e solução para o negócio.”

O produto tem o potencial de resgatar 1 milhão de garrafas PET, por mês — o suficiente para produzir 400 mil litros mensais do composto, quantidade a ser usada, ao longo de 2024, nas unidades da Vale no Espírito Santo e algumas de Minas Gerais.

Com a expansão para outras operações, em 2026, o número de garrafas pode chegar a 2 milhões, por mês, para a produção de 780 mil litros, no mesmo período.

Antes de entrar em funcionamento, a fábrica capixaba teve de sistematizar a coleta de recicláveis, realizada por 12 associações de catadores. Batizado Reciclo, o projeto melhorou a estrutura física, a gestão e a comercialização do material e acabou incentivando o descarte e o recolhimento seletivos em seis municípios da região.

A renda dos catadores aumentou cerca de 45%, chegando à média de R$ 1.338,00 mensais. O índice de garrafas coletadas também cresceu 77% desde 2021. Atualmente são resgatadas mensalmente 14 mil toneladas do resíduo.

Mais um benefício, esse com impacto direto nos negócios — o supressor é cerca de um terço mais barato do que a média dos produtos usados atualmente pela mineradora.

Sob a forma spray, o produto à base de garrafas PET, desenvolvido pela Vale em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo, funciona como uma película protetora, que evita a dispersão da poeira do minério de ferro e do carvão (Crédito: Divulgação/Vale)

Na fábrica da Coca-Cola em Belém, os combustíveis fósseis foram substituídos por biomassa produzida a partir dos caroços de açaí como fonte de energia das caldeiras (Crédito: Divulgação/Solar Coca-Cola)

O projeto reCICLO, da Alpargatas, transforma as Havaianas usadas em novos produtos de borracha (Crédito: Divulgação/Alpargatas)

Supressores à base de materiais sustentáveis já são utilizados na mineração há bastante tempo. Mas um composto criado a partir da reciclagem do plástico é inédito. Outra vantagem do novo produto: sua rápida degradação, apenas 20 dias depois da aplicação.

“O produto também tem outras aplicações, como nos processos de pavimentação ou na prevenção de incêndios", explica Sérgio Costa, gerente de sustentabilidade da Vale, em conversa com o NeoFeed.

Do caroço do açaí, energia renovável

Também são contadas em toneladas as quantidades de caroço de açaí utilizadas pela Solar Coca-Cola, a unidade da companhia em Belém, no Pará.

Comprado de produtores locais, o material é convertido em biomassa e utilizado na produção de energia renovável para alimentar as caldeiras da própria empresa, uma 15 maiores fabricantes do Sistema Coca-Cola do mundo.

Desde 2020, quando o projeto foi lançado, 10 mil toneladas de caroço de açaí substituíram aliviaram a pressão sobre o uso de combustíveis fósseis.

“Outro benefício é a redução de 49% no custo da produção, em comparação ao que era gasto com a compra de gás natural", conta Christian Carvalho, gerente industrial da regional norte da Solar Coca-Cola, ao NeoFeed.

A Solar Coca-Cola tem ainda o Recicla-Solar. Lançado em 2021, o projeto incentiva a coleta de garrafas PET para a produção de uma resina que é usada na fabricação de novas embalagens.

A Alpargatas também investe na transformação de produtos descartados em material reutilizável. Desde 2020, o programa reCICLO transformou 230 mil pares de Havaianas em novos artigos de borracha — de rodas de carrinhos de mão a móveis e objetos de decoração.

Os clientes da marca são estimulados a entregar suas sandálias velhas em pontos de coletas, não só no Brasil, mas em 15 países onde a Havaianas tem lojas.

O início de uma revolução

O êxito de iniciativas como as da Vale, Solar Coca-Cola, Alpargatas e outras tantas companhias mundo afora marca o início de uma revolução. A transição de um sistema de produção e consumo que opera baseado na linearidade para outro fundamentado na circularidade é um caminho longo e exige uma mudança radical de paradigmas.

“Isso envolve dissociar a atividade econômica do consumo de recursos finitos (...) O modelo circular constrói capital econômico, natural e social”, lê-se em relatório da Fundação Ellen MacArthur. “Um sistema onde os materiais nunca são desperdiçados e a natureza é regenerada.”

Ou seja, a verdadeira circularidade não se limita a ajustes para reduzir os impactos negativos da economia linear. Como descrevem os analistas da fundação, “representa uma mudança sistêmica que constrói resiliência em longo prazo, gera oportunidades econômicas e de negócios, e proporciona benefícios ambientais e sociais”.

Atualmente, o mundo é 7,2% circular, nas estimativas da Circle Economy Foundation.

"Se dobrarmos essa taxa, limitaremos o aquecimento global a bem abaixo de 2ºC, aumentaremos a biodiversidade e criaremos um ar mais limpo", lê-se em relatório da ONG global de impacto.

Em um planeta 17% circular, a catástrofe climática será evitada.