Que não há transição energética sem a mineração é certo. Dos painéis solares ao hidrogênio verde, toda produção de energia limpa depende, em maior ou menor grau, da indústria minerária.

Se até meados da década de 2010, as tecnologias renováveis tinham uma participação ínfima na procura por minerais, hoje, são “força motriz” para o aumento na demanda de alguns desses compostos, defendem os analistas da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).

Nos cálculos da entidade, à medida em que os países ampliam suas metas climáticas, a necessidade por minerais também aumenta. A busca por lítio, por exemplo, cresceu 30%. Por cobre e terras raras, 40%, e por níquel e cobalto, entre 60% e 70%.

Depois dos veículos elétricos (o que inclui o armazenamento de energia em baterias), nenhuma tecnologia exige uma gama tão ampla e tão intensa de minerais quanto a eólica.

Aqueles cata-ventos gigantes responsáveis por converter a energia cinética dos ventos em energia mecânica e, depois, em eletricidade, têm necessidade alta ou moderada de seis dos nove minerais tidos como imprescindíveis para o controle do aquecimento global.

Sem cobre, zinco, terras raras, níquel, cromo e alumínio, por exemplo, os aerogeradores não funcionam. Conforme avalição da IEA, a energia eólica desempenha um “papel de liderança” no avanço da mineração motivada pela urgência climática.

E esse protagonismo está diretamente associado ao ritmo de expansão das “fazendas de vento”, espalhadas por 130 países, em todos os continentes. Estimulada pela queda nos custos e políticas públicas, a capacidade global instalada de energia eólica quase quadruplicou nos últimos dez anos.

Apenas em 2023, o aumento foi de 50%, como se lê no relatório Global Wind Report 2024, do Conselho Global de Energia Eólica (Gwec, em inglês). E a tendência é de alta. Afinal, para limitar o aumento da temperatura do planeta em 1,5ºC até o fim do século, os atuais 117 gigawatts (GW) precisam virar 320 GW, daqui a seis anos.

Tem mais. Nas próximas duas décadas, com o avanço das usinas offshore, a indústria de mineração terá uma papel ainda mais importante na transição energética.

Instalados em alto mar, os aerogeradores são maiores do que os modelos onshore. Com isso, a necessidade de minerais também aumenta.

"Quando falamos de transição energética, estamos falando de um novo modelo econômico, que vai exigir estruturas diferentes", diz Elbia Gannoum, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), em ao NeoFeed.

Fortes e sem rajadas

No Brasil, a eólica onshore lidera a expansão do setor elétrico, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Apenas em 2023 os ventos responderam por quase metade de toda a energia acrescentada ao sistema.

Os 1.003 parques eólicos, em 12 estados, produzem cerca de 25,04 GW de energia, o suficiente para abastecer 41 milhões de residências. Responsável por cerca de 15% da matriz elétrica brasileira, a tecnologia só perde para as hidrelétricas.

Graças aos ventos vindos do Atlântico, que sopram fortes e sem rajadas, o Nordeste fica com 90% de toda a capacidade eólica instalada no país.

A média de produtividade dos aerogeradores brasileiros supera 50%, enquanto, no resto do mundo, varia entre 28% e 30%. Só há outros três locais no planeta com tamanho potencial eólico: Venezuela, Somália e Etiópia, que não têm tecnologia para aproveitá-lo.

O cobre é um dos produtos de alta demanda pelas tecnologias de energia limpa

Quando a tecnologia offshore estiver consolidada, a expectativa é a de que os investimentos tripliquem

No início do mês, dois recordes foram batidos, em menos de uma semana. Às 5:48 da manhã de 1º de agosto, o Nordeste brasileiro produziu 19.08 megawatts (MW) de potência — o equivalente a 180,4% da demanda de toda a região naquele momento. Quatro dias antes, às 9:09 da noite, o sistema registrara 19.028 MW; o que daria para suprir não apenas as necessidades nordestinas como também as dos estados do Rio de Janeiro e de Goiás.

As condições climáticas, os investimentos no setor e as políticas públicas colocam o Brasil em posição de destaque em um mercado global de US$ 98,74 bilhões — e previsto movimentar US$ 260,81 bilhões, até 2034, a uma taxa de crescimento anual composta de 10,2%.

Nos últimos 12 anos, o Brasil saiu da 15ª para a sexta posição no ranking mundial de capacidade total instalada de energia eólica onshore, aponta o Gwec. E, na lista dos países que mais instalaram “fazendas de vento”, em 2023, pelo segundo ano consecutivo, ficamos em terceiro lugar.

Investimentos polpudos

A efervescência do ecossistema eólico brasileiro, naturalmente, atrai investimentos para o setor. Em breve, a companhia sueca Vestas, gigante na produção de turbinas de vento, deve anunciar aportes de R$ 130 milhões em sua fábrica na cidade de Aquiraz, no Ceará.

Nas contas da Abeeólica, nas últimas duas décadas, os parques brasileiros captaram R$ 300 bilhões em financiamentos. E, até 2030, são esperados mais R$ 175 bilhões. Tais números se referem apenas às usinas onshore. Quando a tecnologia offshore estiver consolidada, a expectativa é a de que os investimentos tripliquem.

"Sem dúvida, estamos diante de uma janela de oportunidade de crescimento para o Brasil", diz Julio Nery, diretor de sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Para ele, o importante, agora, é que o país invista em infraestrutura e políticas públicas para favorecer o cenário de crescimento.

"O país ganhará força no âmbito das relações internacionais ao se instituir como um dos líderes de suprimento dos minérios críticos e estratégicos”, lê-se no relatório Fundamentos para políticas públicas em minerais críticos e estratégicos para o Brasil, lançado recentemente pelo Ibram.

Problemas contornáveis

É inegável a importância da energia eólica tanto para a redução da dependência da economia global dos combustíveis fósseis quanto no aumento de renda e de emprego nas regiões onde as usinas são instaladas — para cada MW instalado são criados 11 postos de trabalho, segundo a Série Energia, produzida por pesquisadores da Universidade de São Paulo, do campus de Ribeirão Preto.

As fazendas de vento, porém, são alvo de protesto dos ambientalistas. A construção dos parques eólicos, afinal, pode ter impactos socioambientais importantes. Desmatamento, ruptura de habitats, extinção de espécies animais e até aumento do risco de distúrbios psiquiátricos nas comunidades próximas às usinas, por causa do barulho das pás de hélices dos aerogeradores.

É possível, porém, contornar esses problemas, argumentam os especialistas. Entre as soluções propostas está a compensação financeira para a criação de áreas protegidas e a instalação dos parques em áreas sem vegetação nativa.

Para aliviar a pressão sobre a terra, o incentivo à produção offshore, que, no estágio atual do desenvolvimento tecnológico, custa, em média, cinco vezes mais do que as fazendas onshore.