Quando assumiu a presidência da farmacêutica Novartis no Brasil, em 2019, Renato Carvalho tinha duas missões. A primeira era liderar a reestruturação da companhia. E, a segunda, comandar as discussões em torno da incorporação das terapias gênica e celular no Sistema Único de Saúde (SUS).

Quatro anos depois, o executivo está pronto para as próximas missões. “Esse é um momento importante para nós”, diz Carvalho, em conversa com o NeoFeed, na primeira entrevista a um veículo de comunicação nesta nova fase da empresa.

No terceiro trimestre, a Novartis deve fazer o spin-off da Sandoz, uma das cinco maiores fabricantes de genéricos do mundo. “Nosso portfólio era bastante amplo e, para continuar avançando de forma acelerada, teríamos de ter mais foco”, conta ele.

A atenção recai agora sobre medicamentos inovadores, de cinco áreas terapêuticas – cardiologia, imunologia, oncologia, neurologia e terapia gênica. Uma divisão que, em 2022, foi responsável por 81,7% do total das vendas líquidas da companhia, o que equivale a US$ 41,3 bilhões, um aumento de 4% em relação a 2021, informa o relatório anual da companhia.

Entre esses fármacos está a inclisirana, para o combate ao colesterol alto. No encontro com o NeoFeed, Carvalho comemorou a aprovação, no dia anterior, do remédio pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Vendida sob o nome comercial de Sybrava, a inclisirana tem um mecanismo de ação inédito, o chamado “small interfering RNA”. O tratamento consiste em três injeções no primeiro ano e, depois, uma a cada semestre. “Tínhamos muita expectativa em relação a essa inovação”, conta o presidente da Novartis no país.

Por enquanto, a prescrição é para pacientes de muito alto risco, em associação com outro medicamento anticolesterol, da classe das estatinas. “Mas, os estudos nos levam a crer que esse é o primeiro passo de uma revolução”, entusiasma-se Carvalho. Lançado em 70 países, o Sybrava pertence ao grupo de seis medicamentos com potencial de vendas de bilhões de dólares, globalmente, conforme o “Annual Report 2022”.

Outro motivo de orgulho para o executivo foi ter liderado o processo de inclusão do onasemnogene abeparvovec (Zolgensma) na lista dos tratamentos oferecidos pelo SUS. Até sair o O.K. do governo, em dezembro passado, foram três anos de intensas negociações.

É a primeira terapia gênica oferecida no sistema público. Ao custo de R$ 5,9 milhões, consiste em apenas uma dose, para crianças portadoras de atrofia muscular espinhal (AME). Nas 47 nações, onde seu uso está liberado, movimentou, em 2022, US$ 1,4 bilhão, um crescimento de 5% em relação ao período anterior.

Dado o alto custo do tratamento, o acordo entre Novartis e governo segue o modelo de risco compartilhado. O pagamento integral está atrelado à eficácia da terapia. “Para fazer isso, é preciso ter confiança na sua ciência – e a gente tem confiança na nossa ciência”, defende o executivo. Em fevereiro passado, o Zolgensma foi incluído na cobertura dos planos de saúde.

Avaliada em US$ 207,1 bilhões, a Novartis está entre as cinco maiores farmacêuticas do mundo. O lucro operacional, no ano passado, foi de US$ 9,2 bilhões. “Uma queda de 13% em relação a 2021, principalmente devido a maiores custos de reestruturação, relacionados à implementação de nosso novo modelo organizacional e maiores imparidades”, lê-se no relatório anual de 2022.

Carvalho está à frente de um dos dez grandes mercados da companhia. Conforme o balanço da empresa, o Brasil responde por 2% dos US$ 50,5 bilhões em vendas líquidas, apurados em 2022. Ou seja, mais de US$ 1 bilhão em faturamento.

Acompanhe a seguir, os principais trechos da entrevista com o executivo:

Qual é o grande desafio da indústria farmacêutica hoje no Brasil?
É garantir acesso à inovação de forma sustentável. Inovação é o core da Novartis. Mas nossa missão não é simplesmente produzir pesquisa e desenvolvimento para um medicamento inovador. Temos de garantir que esse medicamento chegue ao paciente. Do contrário, é um desperdício de tempo e dinheiro. Para nós, a inovação hoje permeia pesquisa e desenvolvimento, mas também as discussões de acesso e, finalmente, como, de fato, os medicamentos estão sendo disponibilizados para o paciente. Nossa estratégia é fazer com que todos os medicamentos que a Novartis traz para o Brasil estejam no SUS. Vamos conseguir 100%? Provavelmente, não. Como trabalhar com o governo? O que priorizar? Como vai impactar a sociedade? Vai mudar o curso da doença? Nesse sentido, a inclusão da terapia gênica para atrofia muscular espinhal é, além de disruptiva, emblemática.

Por quê?
Uma companhia como a Novartis não pode simplesmente entender que gastou X bilhões de dólares no desenvolvimento de uma droga e, portanto, imaginar que o preço vai ser esse. Qual é o impacto no sistema de saúde para garantir o acesso? Tínhamos uma estratégia clara: só iríamos em frente, se conseguíssemos acesso público. Não seria sucesso para a gente, se levássemos o medicamento apenas para o sistema privado. Por tudo que uma inovação desse porte representa em termos de avanço da ciência e de plataforma para novas drogas que estão por vir, ela tem de estar disponível para todo mundo. Nossa preocupação era, para além do produto, ajudar o sistema de saúde. Se ela não fosse incluída no SUS, não viríamos no Brasil. E, isso, como colaborador da companhia, aqueceu meu coração. Estou no lugar certo.

"Para nós, a inovação hoje permeia pesquisa e desenvolvimento, mas também as discussões de acesso e, finalmente, como, de fato, os medicamentos estão sendo disponibilizado para o paciente"

Quais são os termos do contrato da Novartis com o governo para a incorporação do Zolgensma?
Somos a primeira empresa a assinar um acordo de risco compartilhado dessa magnitude no Brasil. Existem alguns marcos sobre a saúde das crianças. Elas têm de evoluir para que aquele medicamento prove que está fazendo o devido efeito. Caso esses marcos não sejam atingidos, há um desconto; um decréscimo daquilo que a Novartis vai receber. A gente se expõe enquanto indústria farmacêutica, mas entendemos que é o correto para o Brasil e para a sociedade. Para fazer isso, é preciso ter confiança na sua ciência -- e a gente tem confiança na nossa ciência.

E esses marcos estão sendo atingidos?
A incorporação da terapia gênica foi aprovada, mas ela ainda não está disponível. Assim que isso acontecer, nós começamos o acompanhamento. Do momento da aprovação, o governo tem 180 dias para disponibilizá-la no SUS. Esse prazo já venceu. Agora, estamos trabalhando de forma colaborativa com o governo para fazer isso acontecer. Porque, enquanto a terapia gênica não entrar efetivamente no SUS, caso alguma criança necessite, ela ficará sem tratamento. Sem a incorporação, estamos retroalimentando o sistema de forma errada. Nós somos 100% contra a judicialização – um mecanismo completamente nefasto; com prejuízos para a sustentabilidade do sistema de saúde..

Quanto a Novartis investe em inovação?
Globalmente, temos 20 mil colaboradores trabalhando em pesquisa e desenvolvimento. A companhia investe entre US$ 9 bilhões e 10 bilhões, por ano, em inovação. No Brasil, nos últimos quatro anos, a média tem sido em torno R$ 250 milhões. O país é um importante centro de desenvolvimento, para pesquisas em todas as fases.

Muito também por causa do tamanho e diversidade étnica da população, não?
Corretíssimo. Quando se fala em diversidade e inclusão, existem diversas perspectivas. Para a Novartis, uma delas é garantir que nossas pesquisas clínicas tragam diversidade e inclusão. Por causa de nossa diversidade étnica, o Brasil tem uma relevância espetacular; uma vantagem competitiva.

Você costuma dizer que sucesso para a Novartis não se mede pelo valor das ações na bolsa. O que define, então, o sucesso da companhia?
Somos uma empresa de inovação em saúde. Portanto, para nós, sucesso é conseguir impactar a sociedade, melhorar e estender a vida das pessoas. De forma legítima, crescemos gerando lucro para investir em inovação. Mas acreditamos piamente que temos de ajudar o sistema de saúde como um todo. E a gente vive essa realidade diariamente.

"Para nós, sucesso é conseguir impactar a sociedade, melhorar e estender a vida das pessoas. De forma legítima, crescemos gerando lucro para investir em inovação"

Como?
Trabalhamos com as duas principais causas de morte por doença, no Brasil e no mundo – os distúrbios cardiovasculares e o câncer. A população brasileira está envelhecendo rapidamente e a incidência das doenças crônicas, aumentando. Se não pensarmos em prevenção, em gestão de saúde (não, em gestão de doença), vai ficar muito difícil. A gente vem desenvolvendo projetos para o diagnóstico precoce dessas doenças, na tentativa de diminuir a incidência dos casos mais graves. Em 2021, por exemplo, fechamos uma parceria com o Conasems [Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde], para fortalecer a atenção básica nas ações de cuidado cardiovascular.

O que uma fabricante de medicamentos ganha promovendo ações de prevenção e cuidados básicos?
Acreditamos que, se fizermos isso, o círculo naturalmente se torna virtuoso. Nos últimos anos, adotamos a estratégia de ajudar mais em doenças negligenciadas. Nossas duas “carretas da saúde” dedicam de 80% a 90% ao diagnóstico de hanseníase. Quem fala de hanseníase? De 15% a 30% dos novos casos no Brasil são descobertos por nós. Em 2019, assinamos um acordo com a Fiocruz para pesquisa sobre doença de Chagas. Estamos desenvolvendo moléculas quem podem vir a tratar Chagas. A gente sabe que não haverá ganhos comerciais com isso, mas investimos.

Isso não é um contrassenso para uma empresa privada?
Nós, como indústria farmacêutica, temos de assumir a responsabilidade que nos cabe. Temos de pensar em inovação não somente do ponto de vista de novas moléculas, mas também da garantia de acesso. Precisamos também abraçar o conceito de saúde básica. Há muita conversa, mas poucos exemplos práticos. A gente precisa ser mais vocal sobre como trazer valor em saúde para a sociedade. Vai ser perfeito? Não. É fácil? Muito difícil. Mas os primeiros passos precisam ser dados. E é isso que a gente vem tentando fazer na Novartis.