A empresa de tecnologia e identificação digital Valid fechou uma parceira com a Cybernetica, empresa da Estônia, país que é a referência global em governo digital, em mais um passo em sua estratégia de avançar na digitalização do governo, uma das áreas que mais cresce na companhia.

“O governo representa cerca de 30% do nosso faturamento e quase 45% da nossa lucratividade. Essa é, de fato, a vertical de maior peso na empresa”, diz Ivan Murias, CEO da Valid, ao NeoFeed. “Então, a partir dessa relevância, estamos engatando uma quinta marcha na digitalização nessa esfera.”

- Siga o canal do NeoFeed no WhatsApp

A Valid já atua em diversas esferas governamentais com suas tecnologias e sistemas de identificação. Na principal delas, a companhia responde pela emissão de mais de 60% dos RGs e cerca de 80% das CNHs no País.

O novo acordo envolve, a princípio, a incorporação de tecnologias da parceira. E, em um segundo momento, o desenvolvimento de uma plataforma para o mercado brasileiro.

A base será uma ferramenta da Cybernetica já adotada em 35 países. Entre eles, Japão, Estados Unidos e Ucrânia. Nesse último, ela permitiu que, mesmo em meio aos conflitos com a Rússia, a população seguisse com acesso aos serviços públicos.

O apelo da plataforma é sua capacidade de fazer com que o emaranhado de sistemas de diferentes instâncias públicas converse entre si. Essa integração nos bastidores abre caminho para oferecer serviços sofisticados na ponta, como já acontece na própria Estônia.

No país, a simples foto de um cidadão que sofre um acidente ou uma parada cardíaca permite identificá-lo em tempo real e, ao mesmo tempo, ter acesso ao seu prontuário médico, entre outros dados.

Murias usa uma metáfora para explicar esse modelo. Nela, um país cria pequenas ruas à medida que digitaliza suas jornadas. A plataforma da Cybernetica é uma avenida que vai cruzando e conectando esses percursos. Com a parceria, a Valid quer largar na dianteira desse trajeto no Brasil.

“Como temos avançado rápido, já existem projetos que preveem essa interoperabilidade”, diz o CEO. “Ter uma avenida semipronta nos dá uma vantagem e já nos habilita a entregar uma ferramenta desse porte.”

Da identificação às carteiras digitais

O Brasil ainda tem, porém, um bom chão para percorrer até alcançar o estágio da Estônia. Hoje, grande parte dos projetos ainda está no plano da identificação digital. Em contrapartida, muitos já começam a evoluir para a aplicação de outras tecnologias.

Na Valid, um dos exemplos é o município paulista de Valinhos, cuja infraestrutura de serviços públicos costuma atrair moradores de outras cidades no entorno. O que impacta o orçamento da prefeitura.

A solução foi implantar um cartão com chip e recursos de biometria para criar uma identidade única e restringir o acesso aos serviços aos cidadãos de Valinhos. Em poucos meses, o projeto trouxe uma economia de 25%.

“Um dos passos seguintes é uma carteira digital para centralizar a distribuição de benefícios como uniformes, material escolar e vale-leite”, diz Murias. “Sem que o município precise ter toda a estrutura de logística para armazenar e distribuir esses insumos.”

Oliver Väärtnõu, CEO da Cybernetica (à esq.) e Ilson Bressan, diretor-geral de identificação da Valid
Oliver Väärtnõu, CEO da Cybernetica (à esq.) e Ilson Bressan, diretor-geral de identificação da Valid

A carteira de clientes também inclui estados como o Ceará. As tecnologias da Valid foram a base para um projeto do Detran local que oferece uma gama de serviços digitais aos proprietários de veículos.

Além de questões mais simples, como o pagamento de multas e taxas de licenciamento, as opções passam por processos bem mais complexos, como os trâmites para a venda de um carro. Hoje, com exceção da vistoria, já é possível cumprir toda essa jornada digitalmente no estado.

“Você reduz a incidência de fraudes e economiza o tempo do cidadão”, afirma Ilson Bressan, diretor-geral de identificação da Valid. “E traz economia para o estado, que não precisa dedicar tantas pessoas para atender uma burocracia que não faz sentido.”

Há muitas outras iniciativas em curso. No Paraná, os recursos de reconhecimento facial da Valid estão sendo usados nas chamadas das escolas públicas para reduzir o tempo gasto nesse processo e, ao mesmo tempo, assegurar aos pais que os filhos estão presentes em sala de aula.

Já em Santo André, município do ABC paulista, sensores em postos de iluminação geram ordens de serviços automaticamente e orientam onde há necessidade de manutenção. “Temos visto muitas oportunidades em cidades e estados lançando editais para digitalizar diferentes jornadas”, diz Bressan.

A despeito desse crescimento, é notório que as vendas em qualquer esfera do governo são mais complexas e costumam exigir prazos mais extensos do que na iniciativa privada para serem concluídos.

Nesse contexto, uma vantagem da Valid é justamente o fato de a empresa já ter forte presença em RGs e CNHs. Muitos desses contratos incluem aditivos que se estendem a projetos de digitalização.

Esse é o caso de uma licitação com o governo do Piauí, que comporta os dois modelos de identidade – física e digital – e sua integração como recurso de acesso ao portal de serviços do estado, lançado em agosto desse ano.

“Com esse ID digital, o estado consegue ter mais dados e evidências de quais serviços aquele determinado cluster de cidadãos mais acessa e, por consequência, mais demanda”, diz Bressan. “E esse tracking permite reforçar ou criar as políticas mais adequadas nesse contexto.”

Em paralelo, não faltam dados para mostrar o potencial desse tipo de recurso. Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a cidade de São Paulo poderia ter R$ 534 milhões em ganhos de eficiência por ano apenas com a digitalização de 15 serviços municipais.

Outro estudo, da FGV, mostra que, em 2021, o Brasil desperdiçou R$ 104 bilhões pela ausência de processos digitais de identificação nos serviços online, o que representou entre 1% e 2% do PIB.

Reestruturação em curso

Explorar essas lacunas foi um dos motores da reestruturação iniciada há três anos na Valid, com a chegada de Murias como CEO. Esse foi o atalho escolhido para responder ao avanço de idtechs como a unico e a idwall, que avançaram justamente ao investirem nesse mesmo gap, mas na iniciativa privada.

Ainda em curso, essa virada envolveu o foco na digitalização do portfólio e medidas como a venda de fábricas no Rio de Janeiro e São Bernardo do Campo (SP). Além do desinvestimento em ativos nos EUA e em fatias que detinha na fintech BluePay e na agtech Agrotopus.

Parte do resultado dessas iniciativas pode ser visto no balanço do segundo trimestre. No período, a Valid apurou um lucro líquido de R$ 57,5 milhões, revertendo um prejuízo de R$ 22,4 milhões, de um ano antes. Na mesma base de comparação, a receita líquida cresceu 17%, para R$ 534,3 milhões.

A resposta no mercado de capitais também tem sido favorável. Apesar de fechar o pregão de ontem com ligeira queda de 0,51%, as ações da Valid acumulam uma valorização próxima de 71% em 2023. A empresa está avaliada em R$ 1,25 bilhão.