Em novembro deste ano, visitei a sociedade digital mais avançada do mundo, segundo a revista Wired, com o time de lideranças da idtech unico.

Esse título não é por acaso. Ali se demora três horas para abrir uma empresa, 44% dos votos na eleição de 2019 foram feitos online, 85% das escolas são totalmente digitalizadas e a população tem acesso a mais de 2.500 serviços digitais. Só casamento, divórcio e vendas de propriedades ainda não são online. Ainda!

Estou falando da Estônia, um lugar muito especial que faz fronteira com Finlândia, Letônia e Rússia, da qual se tornou independente em 1991. A Estônia é uma país pequeno, com apenas 1,4 milhão de habitantes, mas com um PIB per capita mais de três vezes maior do que o brasileiro.

Visitamos muitas empresas, conversamos com representantes do governo estoniano e até com o embaixador brasileiro. Todos foram unânimes em apontar a sociedade digital como a grande responsável pelo avanço econômico e social do país.

Apesar de não ser especialista em tecnologia, foram reuniões muito interessantes e que me trouxeram vários insights, dos quais destaco três a seguir:

1 - Mudanças fortes ocorrem mais por necessidade do que por desejo

A maioria das pessoas ou lideranças quer mudar algo, seja na vida ou na empresa. A história da virada da Estônia reforçou o que eu já acreditava. Se você quer mudar, gere uma grande necessidade. No caso estoniano, o país, após a independência da União Soviética, estava em uma situação econômica bastante desafiadora.

A burocracia de um estado pesado, por exemplo, devorava a economia. A necessidade de mudança era crucial. A saída foi potencializar o maior ativo que a Estônia herdou do período de dominação russa: seu expertise de TI e de cibersegurança.

Foi assim que o país embarcou nessa transformação digital, esperando estimular investimentos tão necessários para gerar empregos e aquecer a economia.

2 - Inova-se mais com poucos recursos do que com muitos

Parece estranho, afinal bilhões de dólares são investidos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) anualmente pelas empresas de todos os setores. Ouvimos a história do início da sociedade digital na Estônia.

Com a missão de avançar digitalmente, a liderança política estoniana procurou a IBM. Depois de vários encontros, chegou a hora de negociar o preço. Segundo nos contaram, o preço mínimo da IBM era de 350 mil euros para o pacote digital. Mas o budget do governo era de 8 mil euros.

Essa diferença fez com que o governo decidisse construir sua própria plataforma, o X-Road, que “é considerado o coração da transformação digital” do país.

O X-Road é a espinha dorsal do e-Estonia, infraestrutura crucial para que os vários sistemas de informação de serviço eletrônico dos setores público e privado da nação se conectem e funcionem em harmonia. Se a IBM não tivesse abandonado o negócio, ele não existiria.

A sugestão aqui é não depenar o seu budget de P&D pela metade, mas sim gerar um princípio de escassez como estímulo à inovação para cada squad que se forma.

3 - Transparência gera confiança

Muitos líderes me perguntam como podem engajar mais colaboradores. Sempre sugiro começar pela transparência. Não significa ser sempre bonzinho ou o chefe legal. Ao contrário: procure sempre dar a real de uma forma construtiva e não ter uma agenda B.

Fazendo isso, seus colaboradores irão sentir que podem confiar em você. E confiança traz um boost no engajamento. O interessante é que observei essa tese na forma como o governo estoniano construiu seus serviços digitais.

O desafio era motivar a população a utilizá-los. Só assim, eles seriam úteis. A premissa de total transparência foi usada desde o início. Não se prometeu que os dados seriam incorruptíveis, mas garantiram que, em qualquer tentativa, o cidadão seria notificado.

Além disso, todos os acessos aos dados dos cidadãos estonianos de qualquer instituição são totalmente transparentes. Todos podem ver, em tempo real, como o portal está operando. O índice de engajamento da população é brutal: 98% têm uma identidade digital e 99,8% das transações bancárias são online.

É incrível o quanto uma viagem para um lugar diferente pode ser rico em insights. Mas não é todo dia que podemos visitar lugares tão distantes como a Estônia. Porém, mantendo nossa curiosidade em alta, conhecendo gente, lugares e experiências diferentes e quebrando a rotina em nossa própria cidade podemos, sim, fabricar insights, trazendo o efeito Estônia para o nosso dia a dia tropical.

*Sergio Chaia atua como coach de CEOs, empreendedores e atletas de alto rendimento. Foi chairman da Óticas Carol e CEO da Nextel. Atua como conselheiro da Daus e da Ri Happy. É também conselheiro e educador do Instituto Ser + , uma ONG voltada à recuperação de jovens em situação social de risco preparando sua inserção no mercado de trabalho. Autor do livro “Será que é possível?”