A farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, que chegou a ser a empresa mais valiosa da Europa, por causa do enorme sucesso global da caneta emagrecedora Ozempic, medicamento análogo ao GLP-1 à base de semaglutida, hoje vive um momento de emagrecimento de espaço no Brasil.

Duas notícias atingiram diretamente a companhia, com enorme potencial de travar o crescimento da receita no País. Além da possibilidade de ainda mais perda de mercado com concorrentes como a Eli Lilly, com o lançamento recente do Mounjaro (que tem a tirzepatida como princípio ativo), a Novo Nordisk tem assistido a uma aceleração no ritmo da aprovação de registros de medicamentos similares dos produtos no Brasil.

Um exemplo foi a decisão da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), ligada ao Ministério da Saúde, que negou a incorporação que havia sido pedida pela empresa da semaglutida (além do Ozempic, a companhia fabrica o Wegovy) e da liraglutida (vendida no Brasil com o nome Saxenda) no rol de medicamentos do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Essa decisão atinge diretamente a Novo Nordisk. É um momento muito complicado para eles, que tinham grande interesse econômico na incorporação, já que esse mercado cresceria ainda mais”, diz um executivo de uma indústria farmacêutica nacional, ao NeoFeed.

A alegação dos técnicos do órgão colegiado do Ministério da Saúde, apresentada na reunião, tem relação direta com o alto custo do produto no mercado nacional. Segundo os representantes da Conitec, a possível entrada dos medicamentos no sistema público geraria um custo de R$ 4,9 bilhões em cinco anos (R$ 3,7 bilhões para semaglutida e R$ 1,2 bilhão para liraglutida).

Procurada pelo NeoFeed, a Novo Nordisk informou, por nota, que o processo de consulta pública, anterior ao pedido de incorporação, recebeu 1,3 mil manifestações e contou com apoio de organizações médicas, instituições e pacientes, embora reconheça a questão dos custos. E ainda fez críticas ao processo burocrático na saúde pública.

“A Novo Nordisk compreende que o histórico de subfinanciamento do SUS, somado ao contexto de desequilíbrio fiscal, restrições orçamentárias e obsolescências dos mecanismos de incorporação vigentes atualmente, impõe desafios à oferta de tecnologias inovadoras de saúde à população”, diz a empresa, que, ainda assim, afirma que seguirá dialogando com o governo para “mudar o cenário de obesidade no País”.

A estratégia da Novo Nordisk de tentar buscar novos espaços no Brasil, mesmo com o momento de ampliação da concorrência, faz sentido. Relatório publicado pelo BTG Pactual mostra que a estimativa do mercado de GLP-1 para a indústria farmacêutica no Brasil é de R$ 7,5 bilhões em 2026, já levando em conta a expiração da patente do Ozempic no Brasil, que chega ao fim em sete meses, em 20 de março de 2026.

A soma leva em consideração os medicamentos considerados referência, similares e genéricos, e o crescimento de 50% sobre o previsto para 2025, que é de R$ 5 bilhões em vendas. No ano que vem, a tendência, na explicação dos analistas do banco, é de que as canetas “de marca” arrecadem R$ 5,75 bilhões e mais R$ 1,72 bilhão cheguem por meio de medicamentos genéricos ou similares.

Um dado revelado pela Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac) mostra o quanto seria importante para a farmacêutica dinamarquesa, que não fabrica a caneta no Brasil (parte do insumo é produzida em uma fábrica de Minas Gerais e enviado para a Europa), se a incorporação tivesse saído: o governo federal responde por 74% das aquisições de genéricos e similares no Brasil, de uma forma geral.

No Brasil, por enquanto, só há uma caneta emagrecedora produzida pela indústria nacional e aprovada pela Anvisa, à base de liraglutida. Como revelado com exclusividade pelo NeoFeed, a EMS começou, no início de agosto, a distribuição do Olire (para obesidade) e Lirux (para diabetes) nas redes RD Saúde (Raia e Drogasil) e DPSP (Pacheco e São Paulo), com previsão de vendas de 500 mil canetas em 12 meses.

Para Renato Porto, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), é necessário, de fato, cautela para a incorporação dos princípios ativos no SUS. Mais do que o possível alto custo da aquisição por parte do sistema público, a questão está no risco de um provável uso irregular do produto pela população.

“Acredito que ainda não é o momento. Incorporar e não levar aos pacientes uma linha de cuidados adequada pode fazer com que esse medicamento seja utilizado de maneira irracional. A questão é saber se temos capacidade de fazer esse acompanhamento e garantir esses cuidados”, diz Porto.

Agilidade nas canetas nacionais

O outro ponto que coloca em xeque a alavanca de crescimento da Novo Nordisk no Brasil foi a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de publicar, em 25 de agosto, edital garantindo prioridade na avaliação de registros de semaglutida e liraglutida que tenham fabricação em território brasileiro.

Na prática, isso fará com que esses pedidos das farmacêuticas nacionais “pulem na frente” de outras solicitações para demais registros de medicamentos. No setor, a perspectiva é de que a aprovação final para liberação da produção desses medicamentos ocorra no início de 2026, antes até do fim da patente. Há casos em que a Anvisa demora até dois anos para dar o aval nesses pedidos das fabricantes.

No documento, a Anvisa alega que há “uma concentração de mercado considerável relacionada aos medicamentos pertencentes à classe terapêutica antiadiabéticos agonistas de GLP-1”, em referência direta à Novo Nordisk.

Também diz que a medida pretende “mitigar o risco de desabastecimento, contribuindo para a disponibilização de produtos com eficácia, segurança e qualidade comprovadas aos pacientes.”

“Com esse edital da Anvisa, o maior beneficiado será o paciente, que terá mais acesso ao medicamento, e com mais empresas entrando no mercado”, diz Marcus Sanchez, vice-presidente da EMS, ao NeoFeed. “Esta iniciativa está alinhada com a política do Ministério da Saúde de fomentar a inovação dentro do território nacional.”

A farmacêutica nacional, que tem sede em Hortolândia (SP), é uma das companhias que pretende produzir a semaglutida assim que a patente da Novo Nordisk expirar. Além dela, Cimed, Biomm, Prati-Donaduzzi, Hypera, entre outras, já revelaram interesse na fabricação.

Segundo a Anvisa, até 6 de agosto havia no órgão nove pedidos de registros de medicamentos sintéticos relacionados à semaglutida e sete em relação à liraglutida, ainda no aguardo de análise. Além destes, ainda há mais três processos de pedidos, na área de medicamentos biológicos.

Para Sérgio Mena Barreto, presidente da Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), que revelou ter sido consultado pela Anvisa para dizer se há realmente desabastecimento dos produtos, a decisão do órgão faz sentido.

“Há alguma intermitência de semaglutida e liraglutida nas farmácias, embora seja de forma pontual. No caso do Mounjaro, aí sim, a gente registra desabastecimento em muitos locais, mesmo com a necessidade da retenção da receita”, afirma Barreto.

Segundo o executivo, a tendência é que a Novo Nordisk seja realmente impactada com a entrada em breve de novos players, embora a demanda também aumente. “Acreditamos que eles vão sentir em um primeiro momento, mas há muito espaço de crescimento no País. As redes de farmácias terão esse aumento de demanda a partir do próximo ano.”

Nesse caso, Porto, da Interfarma, entende, no entanto, que o governo federal falha em dar celeridade a este processo e priorizar a liberação dos produtos que tratam da obesidade no Brasil.

“Há um grande equívoco da Anvisa, que mostra falta de capacidade em avaliar inovações. A pergunta que faço é se esses produtos são os mais prioritários de análise. A gente está criando exceção, que pode levar ao casuísmo”, diz o dirigente da Interfarma.

“Essa decisão traz insegurança regulatória e não atende o paciente. Não é o caso de atingir empresa A ou B. A indução à indústria nacional não pode passar na frente de necessidades médicas ainda não atendidas”, afirma Porto.

A Novo Nordisk também informa, por nota, que “farmácias do Brasil inteiro estão 100% abastecidas com todos os seus tratamentos à base de semaglutida biológica, como Wegovy, Ozempic e Rybelsus (semaglutida oral).”

Procurada pelo NeoFeed para comentar a decisão de agilizar os registros nacionais para medicamentos análogos ao GLP-1, a Anvisa não respondeu.

Globalmente, a farmacêutica da Dinamarca está também enfrentando pressão: a Eli Lilly anunciou que vai solicitar o pedido de aprovação de seu comprimido orforgliporn, também um análogo ao GLP-1, após apresentar bons resultados nos últimos ensaios clínicos. Ainda não há prazo para que isso aconteça.

Negociada na B3 por Brazilian Depositary Receipts (BDRs), as ações da Novo Nordisk registram desvalorização de 44,4% no acumulado de 2025. Na Bolsa de Nova York, a queda no período é de 34,5%. A farmacêutica dinamarquesa está avaliada em US$ 189,6 bilhões.