Quando fez o IPO, em novembro de 2020, puxando o cordão das empresas tech na bolsa brasileira, a Méliuz movimentou R$ 629,4 milhões com a tese de reforçar seu braço de cashback e entrar em serviços financeiros.
Mais de quatro anos depois da abertura de capital, a Méliuz está cada vez mais distante desse plano. E, para dar retorno ao acionista, a grande aposta da companhia, no momento, é colocar todas as suas fichas no mercado de criptomoedas.
Na sexta-feira, 30 de maio, a companhia deu mais um sinal de que está dobrando a aposta nas moedas virtuais. Ela anunciou um follow-on, que pode movimentar entre R$ 150 milhões e R$ 450 milhões, para comprar mais bitcoins.
Desde que anunciou essa estratégia, para ser uma espécie de versão brasileira da Strategy (ex-MicroStrategy), a Méliuz já tem cerca de 75% de seu caixa alocado na criptomoeda – são 320,25 bitcoins, que equivalem, ao preço de hoje, a R$ 186,1 milhões.
A oferta poderia elevar a posição da Méliuz para 1.075 bitcoins, caso atinja o máximo permitido e todo o montante seja convertido na criptomoeda. "Ao investir todo nosso excedente em bitcoin, entregamos reserva de valor em bitcoin, que é nosso grande objetivo a partir daqui", disse Gabriel Loures, CEO da Méliuz, na última call de resultados, referente ao balanço do primeiro trimestre.
Nas palavras de Israel Salmen, um dos fundadores da empresa e atualmente presidente do Conselho e fundador da Méliuz, o bitcoin é "um reator nuclear instalado no balanço". "É o ativo que atrai atenção e com número de investidores que supera o de ações no Brasil. O foco sempre é no crescimento de Bitcoin por ação", complementou, na call de resultados.
A questão que está sendo colocada no mercado acaba sendo qual é o negócio da Méliuz: uma empresa de cashback ou uma companhia de bitcoin? "O Israel [Salmen] vendeu um sonho lá atrás e agora quer virar uma 'bitcoin company'", diz um gestor que acompanha a companhia há muito tempo.
De acordo com esse gestor, o valor dessas empresas não passa de duas vezes a posição em bitcoin em caixa. "É impossível a Méliuz valer mais que isso. Com esse prêmio em relação ao bitcoin, eu estaria short. Pena que é muito difícil encontrar ação para alugar", afirma essa fonte.
A estratégia da Méliuz, no fim do dia, acaba sendo avaliada como a de uma empresa do mercado cripto – e, por esse motivo, é elogiada por quem é desse setor.
"As ações caíram após o anúncio. É compreensível: estamos falando de uma transição de modelo, de uma empresa de cashback migrando para algo mais próximo de uma 'Bitcoin Treasury'. Isso pode assustar quem ainda não entende a lógica de longo prazo por trás da escassez e da valorização do bitcoin", diz Caio Crispim, analista cripto do Bitybank.
Desde que anunciou a estratégia de comprar bitcoins, a ação da Méliuz subiu 145% – mesmo assim, o papel ainda é negociado com uma desvalorização de quase 50% em comparação ao IPO - em relação ao pico da ação, em julho de 2021, quando fez um follow on e captou mais R$ 1,1 bilhão, a queda é de mais de 90%.
Ainda assim, Valter Rebelo, head de criptoativos da Empiricus Research, avalia que é preciso um plano estruturado. "Não é só sair comprando bitcoin. Tem que ter um planejamento estratégico por trás disso tudo", afirma.
A Méliuz tinha um valor de mercado de R$ 712 milhões – 3,7 vezes os cerca de R$ 186 milhões em bitcoin em caixa. Na Strategy, essa razão é de 1,67 vez.
Com o aumento de capital, a Méliuz pretende reduzir essa diferença. Se captar os R$ 450 milhões e converter tudo em bitcoin, a relação entre valor de mercado e cripto em caixa cairia para perto de 1,9 vez, considerando os preços atuais da criptomoeda, do dólar e da ação no início do pregão desta sexta-feira.
Outras empresas têm trilhado caminho semelhante. No Japão, as ações da Metaplanet dispararam 7.000% desde que a companhia anunciou que se tornaria uma "bitcoin holding". Nos EUA, GameStop e Block (ex-Square), de Jack Dorsey, também compraram bitcoin, mas com o objetivo de integrar a cripto a seus serviços e produtos já existentes.
Na visão de Rebelo, criar produtos financeiros atrelados ao bitcoin, após acumular um volume relevante, pode ser uma saída para a Méliuz. "Acho que ainda há muita inovação para acontecer nesse sentido", afirma. Mas, entre comprar bitcoin diretamente ou via ação da Méliuz, ele considera a segunda opção menos arriscada.
Procurada pelo NeoFeed, a Méliuz não respondeu ao pedido de entrevista.