Ao longo da pandemia, as ações da empresa de estacionamento Estapar desceram a ladeira, acumulando uma queda de quase 90% desde o IPO, realizado em maio de 2020, quando chegou a ser avaliada em R$ 2 bilhões.

Agora, a Estapar começou a subir a ladeira. Neste ano, as ações da companhia controlada por André Esteves por meio dos fundos FIP Maranello, Tempranillo e FIM Valbuena sobem 156%. Desde maio, “engatam” uma impressionante alta de 245%, elevando o valor de mercado para R$ 872 milhões - ainda longe do valor da abertura de capital.

O que explica essa euforia do mercado com a companhia? Dois fatores estão por trás do otimismo dos investidores. Primeiro: os bons resultados do primeiro trimestre de 2023. E, tão importante quanto, a equação de sua pesada dívida, que havia mais do que dobrado na pandemia e atingido R$ 854 milhões.

No primeiro trimestre, a receita líquida de R$ 305,5 milhões foi recorde (alta de 25,2%). O prejuízo, de R$ 31,7 milhões, foi também 27% menor. A alavancagem, que chegou a 22 vezes o Ebitda, caiu para 3,5 vezes, em razão da emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) no valor de R$ 300 milhões. A duração da dívida aumentou de 1,6 ano para 2,7 anos. Já o custo spread CDI+ diminuiu de 3,54% para 2,95% ao ano.

“Ficamos hiperalavancados e tomamos todas as linhas de crédito que poderíamos”, afirma Emílio Sanches em entrevista ao NeoFeed, executivo que assumiu o cargo de CEO no início deste ano após passar mais de 11 anos como CFO da companhia. “Conseguimos alongar o prazo de pagamento e diminuir o juros.”

Agora, a Estapar não quer mais ficar parada no estacionamento e planeja voltar a acelerar. O plano é olhar mais ativamente para M&As, a partir do ano que vem, segundo o NeoFeed apurou. Nessa estratégia, os segmentos que interessam são de empresas de carros elétricos, companhias de tecnologia e outras empresas de estacionamentos.

Outro plano da companhia que opera 441 mil vagas de estacionamento em 82 cidades é reduzir a dependência de sua operação no eixo Rio-São Paulo, que concentra 55% dos negócios. “Esse share pode ser melhorado”, afirma Sanches. A expansão da operação para as regiões Sul e Nordeste está em pauta. Cidades do interior de São Paulo também interessam à Estapar.

E, por mais paradoxal que possa parecer, a Estapar quer reduzir a dependência dos estacionamentos com a oferta de novos serviços para os motoristas. Essa ambição já era perseguida pela companhia, conforme entrevista do ex-CEO André Iasi ao NeoFeed.

Esse esforço engloba também a criação de um ecossistema de serviços. O aplicativo da Estapar já permite que os motoristas façam os pagamentos dos estacionamentos e reservem vagas. No Zul+, que tem 8 milhões de usuários, é possível cotar e contratar seguro para automóvel, pagar multas e tributos como IPVA e consultar preços de veículos.

"A nossa ansiedade é transformar a empresa em uma autotech", diz Sanches, que não dá um prazo para que novidades cheguem às plataformas da companhia. Entre elas, a possibilidade de, por exemplo, alugar um carro através do aplicativo.

Aos poucos, essa lado “autotech” começa a ser representativo na receita da Estapar. No primeiro trimestre de 2023, já representou 16,6% da receita total (dois pontos percentuais a mais do que o mesmo período de 2022) e movimentou um TPV de R$ 128 milhões, uma alta de mais de 40% quando comparado com os três primeiros meses de 2022.

Em outra frente, a Estapar também está apostando em um futuro com carros elétricos. No ano passado, a companhia anunciou uma fusão da Ecovagas (criada em parceria com a Enel X) com a Zletric, especializada em estações de recarga de veículos. Para ganhar dinheiro, a Estapar firma contratos e é remunerada pelas montadoras desses carros elétricos.

Tudo azul na rua

Com a maior circulação de carros nas cidades no pós-pandemia, um "intruso" tem sido notado pelos motoristas: um veículo Hyundai de cores branca, amarela e cinza com quatro câmeras no teto.

O carro é parte do monitoramento e fiscalização do uso das vagas Zona Azul na capital paulista, uma licitação vencida pela Estapar no fim de 2019 que exigiu um lance de quase R$ 600 milhões pela outorga por um período de 15 anos de contrato.

Até o ano passado, a Estapar aportou cerca de R$ 30 milhões para renovar os sistemas e a tecnologia embarcada de monitoramento, fiscalização e gestão da Zona Azul. São 53 mil vagas pela cidade de São Paulo para serem administradas. “Os softwares, as câmeras, o sistema… É tudo nosso”, diz Sanches. “Agora chegou a hora de capturar todo o investimento que fizemos.”

Segundo Sanches, isso significa fazer com que a Zona Azul volte ao seu propósito original: garantir o rodízio de vagas de rua em São Paulo. “O objetivo nunca foi que o carro ficasse parado na mesma vaga durante horas, mas que aquele seja um estacionamento compartilhado e que gere fluxo para o comércio local”, afirma o CEO.

A Zona Azul de São Paulo já contribui com mais de 10% da receita líquida da companhia. No primeiro trimestre, essa concessão representou R$ 31,6 milhões e o lucro bruto da operação foi de R$ 8,5 milhões, 32% a mais do que nos primeiros três meses de 2022.

Se mantiver o ritmo de crescimento de 15% nos próximos balanços, a Zona Azul de São Paulo poderá render para a Estapar neste ano algo em torno de R$ 139 milhões de receita líquida. Em termos de lucro bruto, se o crescimento acima de 30% continuar, a Estapar poderá ganhar R$ 44 milhões com a operação neste ano.

A competição da Estapar não está também parada e pode se tornar mais acirrada. Um exemplo é a fusão da Indigo com a PareBem, rede de estacionamentos do Pátria Investimentos. A rival tem 300 mil vagas em cerca de 100 cidades e seu plano é também apostar na diversificação da receita.

Em relatório, o Citi, ao comentar o resultado da Estapar, manteve a recomendação de compra das ações da companhia com preço-alvo de R$ 5 – hoje, estão em R$ 4,07. Mas fez uma ressalva. “As operações da Estapar estão em um nível decente, mas lidar com a alavancagem continua sendo o principal desafio”, diz um trecho do relatório.

Para João Daronco, analista da Suno Research, a melhora dos resultados e a perspectiva de queda dos juros, o que deve acontecer a partir do segundo semestre de 2023, são os fatores que estão por trás da alta recente das ações da empresa.