A guerra das canetas emagrecedoras no mercado brasileiro escalou de vez para os tribunais. A Justiça Federal em Brasília emitiu decisão liminar, na noite de quinta-feira, 4 de setembro, favorável à restauração da patente da liraglutida pela Novo Nordisk, fabricante do Saxenda e Victoza, que havia expirada em novembro do ano passado.
A alegação apresentada pela empresa é que houve demora de 13 anos na concessão da patente pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) o que, ainda segundo a Novo Nordisk, causou prejuízo à companhia. Por lei, uma patente tem validade de 20 anos a partir da data do depósito.
Com a nova decisão, a Justiça garante mais oito anos, cinco meses e um dia, o que, em tese, permite a exclusividade da produção e venda do produto até 2033. “Um ambiente de previsibilidade é fundamental não apenas para a indústria farmacêutica, mas para todo o ecossistema de inovação no País”, diz a companhia dinamarquesa, em nota.
Com o fim do prazo regular de proteção da patente da Novo Nordisk no ano passado, a farmacêutica brasileira EMS obteve o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar a produção da primeira versão nacional da caneta emagrecedora, análoga ao GLP-1 e também com a liraglutida como princípio ativo.
Em agosto, a empresa iniciou a comercialização do Olire (para tratamento da obesidade) e Lirux (para diabetes), nas farmácias das redes RD Saúde (Raia e Drogasil) e DPSP (Pacheco e São Paulo), conforme revelado com exclusividade pelo NeoFeed. O primeiro lote foi de 150 mil unidades, com previsão de produção de 500 mil canetas em 12 meses.
A EMS informou que, mesmo com a liminar, não há qualquer interrupção nem da fabricação nem da comercialização das canetas emagrecedoras da empresa. A farmacêutica brasileira já entrou com recurso no Tribunal Regional Federal (TRF-1ª região).
“É importante reforçar que a decisão judicial em nada impacta a EMS. A própria Novo Nordisk reconhece que a patente em discussão refere-se a um processo tecnológico distinto, sem qualquer relação com os medicamentos Olire e Lirux, já disponíveis no mercado”, diz Marcus Sanchez, vice-presidente da EMS, ao NeoFeed. “Não há risco de descontinuidade no fornecimento.”
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), decidindo que todas as patentes deveriam durar no máximo 20 anos, sem qualquer tipo de expansão por causa de demora no registro do INPI.
Segundo a EMS, os sucessivos pedidos adicionais de patente do produto de referência feitos pela Novo Nordisk tinham o principal objetivo de retardar a entrada de novos concorrentes ao mercado. E que, agora, ela tenta confundir o mercado ao buscar mais prazo para uma exclusividade que, até a atual decisão da Justiça de Brasília, tinha acabado há 10 meses.
Para Gustavo Svensson, diretor jurídico do Grupo NC, controlador da EMS, a decisão da justiça favorável à Novo Nordisk é “equivocada”.
“Ela foi decidida de forma contrária ao posicionamento do STF. O que a Novo Nordisk tenta é esticar uma patente que já expirou”, afirma Svensson.
“Não é possível que um direito particular de uma empresa se sobreponha ao direito difuso de uma sociedade. Quando há um monopólio, há restrição de acesso tanto pelo consumidor como pelo poder público”, complementa.
Agora, a Novo Nordisk tentará fazer com que esse mesmo raciocínio valha para o caso da patente da semaglutida, princípio ativo do Ozempic, medicamento que fez a empresa ganhar estrelato mundial, e que no Brasil expira em março de 2026.
Mas, segundo o executivo da EMS, não há qualquer relação entre o pedido da empresa, que envolve a liraglutida, para uma possível inclusão de seu blockbuster, que, na prática, é outro produto.
“Não há qualquer chance dessa decisão alcançar a semaglutida. São coisas diferentes. Isso já foi decidido pela Justiça e agora eles ficam forçando. Estou convicto que essa liminar será derrubada”, diz o diretor jurídico da EMS.
Além da EMS, diversas farmacêuticas brasileiras, como Cimed, Biomm, Prati-Donaduzzi e Hypera, entre outras, já anunciaram que iniciarão a produção da semaglutida logo após a vigência da exclusividade do princípio ativo pela empresa dinamarquesa.
A disputa, que saiu dos balcões das farmácias e partiu para os gabinetes de juízes e desembargadores, envolve um mercado de R$ 5 bilhões em vendas de canetas emagrecedoras em 2025. Segundo relatório do BTG Pactual, a perspectiva é que esse número suba para R$ 7,5 bilhões no ano que vem, a partir do fim da patente do Ozempic.
Recentemente, a Novo Nordisk sofreu duas derrotas no Brasil, com potencial de afetar um possível crescimento no mercado nacional. A primeira delas foi a decisão da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que vetou a incorporação da liraglutida e da semaglutida no sistema público.
Além disso, a Anvisa publicou edital, no dia 25 de agosto, garantindo prioridade na avaliação de registros de liraglutida e semaglutida que tenham fabricação em solo brasileiro. Na prática, isso fará com que esses pedidos “pulem na frente” de outras solicitações para demais medicamentos.
A alegação da Anvisa foi de que havia o risco de havia grande concentração de mercado deste tipo de medicamento, em associação direta à Novo Nordisk. Também afirmou que a medida evitaria poderia riscos de desabastecimento destas canetas nas farmácias brasileiras.
No auge da popularidade da Novo Nordisk, a empresa chegou a ser a mais valiosa da Europa, em 2023, mas passou a perder valor de mercado a partir do avanço da concorrente americana Eli Lilly, com o sucesso do Mounjaro, caneta à base do princípio ativo tirzepatida, considerado mais eficaz que a semaglutida.