Há dois anos, o executivo Rogério Melzi tirou do papel o plano de criar uma empresa consolidadora no setor de saúde. Com aportes de Elie Horn, da Cyrela, por meio de seu fundo Abaporu; do investidor Julio Bozano; e da Crescera, a antiga gestora Bozano, nascia, em 2017, a Hospital Care.
Desde então, estima-se que a empresa tenha investido mais de R$ 600 milhões em aquisições de hospitais e clínicas em cidades como Campinas e Ribeirão Preto, ambas em São Paulo, e Florianópolis, em Santa Catarina. “Na minha cabeça, teremos oito hubs em menos de cinco anos”, diz Melzi ao NeoFeed.
O executivo, que foi presidente da empresa de educação Estácio e que é copresidente do Conselho de Administração da Cyrela, tem praticamente carta branca de Elie Horn e dos acionistas da Hospital Care para ir às compras. E está levando a meta à risca.
Na noite de ontem, segunda-feira 9 de dezembro, a empresa anunciou mais uma aquisição ao seu portfófio. A companhia, dona de um faturamento estimado em R$ 1 bilhão, acaba de comprar o controle do Hospital Pilar, em Curitiba, criando o que os executivos chamam de o quarto hub de saúde.
Melzi e Rodrigo Milano, presidente do Pilar e membro da família fundadora, estavam negociando há dois anos, praticamente desde a fundação da Hospital Care. “Foi um longo namoro e noivado para acabar em casamento”, diz Milano, que permanecerá como presidente da instituição, ao NeoFeed.
Os números da transação são mantidos sob sigilo, mas a empresa pretende injetar R$ 40 milhões para atualizar a “hotelaria” dos 106 leitos do Pilar, hoje muito defasada, e comprar novos equipamentos para a medicina robótica.
Com o negócio, o Pilar, que faz 11 mil internações e 40 mil pronto-atendimentos por ano, também ganha fôlego e um parceiro com muito capital para enfrentar a concorrência cada vez maior na região.
Grandes grupos como Unimed e a Rede D’Or têm avançado sobre hospitais na cidade e, ao permanecer solo, o Pilar ficaria vulnerável. “Trata-se de uma sociedade estratégica para os dois lados”, diz Milano. “Poucos players ficarão no mercado.”
“O Pilar será o nosso hospital mãe em Curitiba”, diz Melzi. “Agora vamos buscar associações ou aquisições na cidade.” A ideia é replicar o modelo adotado nas outras cidades onde a Hospital Care atua e já tem um total de 16 ativos entre hospitais, clínicas e consultórios.
Ou seja, deverá adquirir outros negócios para serem interligados em uma espécie de sistema único de saúde privado. Estabelecimentos satélites orbitando ao redor do hospital.
“O hospital é caro, o pronto-socorro é caro. Se você leva complexidade baixa para o hospital, fica caro”, diz Melzi. Portanto, em vez de construir mais leitos, pode acessar clínicas e hospitais de atendimento primário.
No mapa da Azul
O crescimento acelerado da Hospital Care é explicado pela alta liquidez de seus acionistas e também pelo prazo de saída de alguns deles, o que pode acontecer em um futuro IPO. “Para mim, a Hospital Care é um projeto de 20 anos. Mas tenho investidores e o tempo deles deve ser oito anos”, diz Melzi.
A estratégia da empresa, hoje sediada em Campinas, município no interior de São Paulo, escolhido a dedo por contar com o aeroporto de Viracopos, universidades e um grande centro industrial, é entrar em cidades que tenham médio porte e hospitais de referência.
Os executivos do grupo, inclusive, já traçaram uma linha imaginária no mapa de expansão. “Do ponto de vista geográfico, para mim, é bom de São Paulo para o Oeste e de Brasília para o Sul porque saio do raio de ação de quem está fazendo muita coisa grande, inclusive da Inpar e da rede D’Or”, diz Melzi.
Do ponto de vista da pirâmide social, a ideia é sempre trabalhar no chamado upscale. “Nas cidades em que atuamos, queremos ser o Einstein. E, por Einstein, entenda-se a qualidade”, diz Melzi. A escolha das praças onde a rede entra com força também passa, quem diria, pelo mapa da companhia aérea Azul.
“É claro que tem uma avaliação técnica”, diz Melzi. E prossegue. “Mas brinco que, se a Azul voa, está bom para a gente. Porque a Azul já fez esse trabalho antes, os voos regionais da Azul já definiram quais as cidades podem ser alvos e facilita a logística.”
Mais um destino está na mira de Melzi e ele deve anunciar dentro de dois meses. Cada aquisição é muito negociada porque a empresa tem algumas exigências. Primeiro, a Hospital Care só entra em um negócio se tiver o controle – no mínimo 60% do negócio.
Isso é necessário por alguns motivos. Um deles, crucial para o modelo de negócios, é o da governança corporativa. “Em alguns hospitais, o controle é pulverizado entre mais de 100 sócios. Por isso, precisamos ser majoritários, para poder decidir”, diz Melzi. O outro é ter um sócio local, que conheça a região.
A união faz a força
Ao longo dos últimos anos, muitos hospitais ficaram pelo caminho por falta de competitividade ou porque foram absorvidos. Dados da Federação Brasileira de Hospitais mostram que, em 2010, o Brasil contava com 4.827 hospitais privados. Em janeiro de 2019, esse número havia caído para 4.267. Ou seja, 560 unidades a menos do que há uma década.
Esse é mais um indicador de que a consolidação do setor é um caminho sem volta e é cada vez mais necessária para reduzir custos e ganhar escala no mercado brasileiro. Ao mesmo tempo, há também um movimento de expansão geográfica, para buscar os pacientes onde estiverem.
O grupo D’Or, um gigante com faturamento de R$ 11 bilhões em 2018, acabou de marcar posição em Curitiba, a primeira operação da rede na região Sul, ao comprar o hospital Santa Cruz, por estimados R$ 900 milhões, informa o jornal Valor Econômico.
Antes focada no Rio de Janeiro, a rede hoje tem presença em São Paulo, Brasília, Ceará Pernambuco e Sergipe. O movimento inverso também tem acontecido. Operadoras de saúde nordestinas estão optando pela verticalização de serviços e comprando operações no Sudeste.
Em maio deste ano, a Hapvida, fundada no Ceará, pagou R$ 5 bilhões pelo grupo São Francisco, que atua na área de planos de saúde e conta com hospitais próprios, e tem forte atuação no interior de São Paulo e nas regiões Sul e Centro-Oeste.
“Estamos passando por um processo semelhante como o que aconteceu nos Estados Unidos há cerca de 20 anos”, diz Renê Parente, diretor executivo para as áreas de saúde, educação e serviços públicos da Accenture América Latina.
Mas o mercado brasileiro, diz Parente, ainda está atravessando a primeira fase da consolidação, na qual os grupos estão comprando hospitais, um de cada vez. “Mais para frente, veremos redes comprando outras redes”, afirma o especialista.
Vantagem competitiva
Ao ter várias operações debaixo de um único guarda-chuva, ganha-se também mais conhecimento para adotar as melhores práticas de cada praça em um único conceito. A própria Hospital Care tem um modelo como esse.
Basta observar a experiência da empresa em Campinas. A companhia comprou o hospital Vera Cruz na cidade e, junto com ele, absorveu o plano de saúde Vera Cruz Associação de Saúde, com cerca de 30 mil vidas.
Ao comparar a operação com o hospital de Ribeirão Preto, o São Lucas, os executivos da empresa perceberam que o Vera Cruz racionalizava mais os gastos. “Porque tinha uma operadora de saúde própria buzinando no ouvido dos gestores”, diz Melzi.
Em Ribeirão, como não tinham plano, não havia um controle maior. “E nisso vimos como as operadoras de saúde sofriam também. Em larga escala, isso gera problema”, diz Melzi.
Daí surgiu a ideia de criar uma companhia independente dentro do grupo. Trata-se da Excella, comandada pelo executivo Fabio Gonçalves, diretor executivo de valor e acesso do grupo Hospital Care, que propõe a remuneração de acordo com os resultados obtidos em um tratamento.
“Vamos mudar a forma como funciona a prestação de contas e entrar a fundo em remunerações baseadas em valor”, diz Gonçalves. A ideia é vender a consultoria para qualquer instituição de saúde. “Os desperdícios no setor chegam a R$ 40 bilhões”, afirma.
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