Sete meses depois de ser acusado de manipular o mercado e de ser “a maior fraude corporativa da história” em relatório da consultoria Hindemburg Research, o Adani Group, holding fundada e comandada pelo bilionário indiano Gautam Adani, está novamente na berlinda.
Com novos elementos para a trama de manipulação de ações divulgada pela Hindemburg, o estopim para a encrenca da vez é um relatório publicado na quinta-feira, 31 de agosto, pela Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), consórcio global de jornalismo investigativo.
A partir de documentos obtidos pela OCCRP, o relatório traz à tona a acusação de que dois nomes que mantinham laços estreitos com o clã Adani passaram anos negociando secretamente um volume de pelo menos US$ 430 milhões em ações da holding, a partir de fundos baseados nas Ilhas Maurício.
Os fios condutores dessa nova trama são Nasser Ali Shaban Ahli e Chang Chung-Ling. Além da proximidade com a família que controla o grupo, os dois “personagens” já figuraram em cargos no alto escalão de empresas afiliadas do grupo, além de serem acionistas de algumas dessas operações.
Segundo a OCCRP, essas movimentações começaram em 2013 e os documentos que embasam a investigação tiveram sua veracidade atestada por pessoas próximas aos negócios da holding e incluem registros públicos de diversos países, além de e-mails internos do Adani Group.
“Os documentos mostram que, por meio dos fundos nas Ilhas Maurício, eles passaram anos comprando e vendendo ações do Adani através de estruturas offshore que ocultaram o seu envolvimento e obtiveram lucros consideráveis nesse processo”, observa, em nota, a OCCRP.
O consórcio cita dois fundos que, vistos de fora, parecem ser típicos veículos offshore, reunindo os recursos de diversos investidores. Os documentos indicam, porém, que boa parte das somas foi alocada por Ahli e Chung-Ling, especialmente no período de 2013 a 2018.
Entre outros dados, o material mostra que, no início de 2017, a dupla chegou a controlar pelo menos 13% do free float - as ações em circulação no mercado - em três das quatro empresas listadas do grupo na época.
A OCCRP também ressalta que a gestora responsável por essas movimentações fez pagamentos a uma empresa de Vinod Adani, irmão de Gautam Adani, em troca de assessoria para esses investimentos. Ao mesmo tempo, os documentos apontam que o próprio Vinod usou um dos fundos para fazer suas próprias aplicações.
A conexão com Vinod Adani e o volume de ações detido pela dupla vão de encontro à regulação do mercado indiano, que proíbe que acionistas tenham uma fatia superior a 75% em uma empresa.
“Quando a empresa compra suas próprias ações acima de 75% não é apenas ilegal, mas também uma manipulação do preço das ações”, afirma, no relatório, Arun Agarwal, especialista do mercado indiano.
Ele prossegue: “Dessa forma, a empresa cria uma liquidez artificial, aumenta o valor das suas ações, e, portanto, sua própria capitalização. Isso ajuda a obter uma imagem de que estão indo muito bem, a obter empréstimos, levar as avaliações das companhias a um novo patamar e, então, lançar novas empresas”.
Na própria quinta, 31, o Adani Group divulgou nota em resposta à divulgação do relatório, ressaltando que os documentos citados pelo consórcio são relacionados a casos encerrados há uma década, quando o grupo foi investigado por autoridades indianas, que não constataram irregularidades.
“Nós rejeitamos categoricamente essas alegações recicladas. Esse relatório parece ser mais uma tentativa de reviver o relatório sem mérito feito pela Hindemburg”, afirmou a holding, no comunicado em questão.
Ascensão e queda
Divulgado em janeiro deste ano, o relatório da Hindemburg acusava o Adani Group, entre outros pontos, de manipular o preço dos seus papéis e de manter companhias de fachada em paraísos fiscais para lavagem de dinheiro, além de destacar a “situação financeira precária” do grupo.
Na época, as empresas do Adani Group chegaram a perder mais de US$ 110 bilhões em valor de mercado e a divulgação do relatório alimentou os pedidos por parte de partidos de oposição na Índia para que a holding fosse novamente investigada sobre suas práticas.
A pressão exercida pela oposição dialoga com as acusações de que a ascensão registrada pela holding está diretamente ligada à proximidade da família Adani com o governo do primeiro-ministro Narendra Modi.
Desde 2013, quando Modi assumiu o posto, o Adani Group fincou seus pés em diferentes segmentos da economia, por meio de operações e ramificações em negócios como aeroportos, portos, usinas de energia e minas de carvão. Na aviação, por exemplo, o grupo controla cerca de 25% do tráfego aéreo do País.
Nessa trilha, Gautam Adani também engordou sua conta bancária. Em 2022, o magnata foi a pessoa que mais ganhou dinheiro em todo o mundo, ao reforçar seu patrimônio com US$ 60,9 bilhões e chegou ao terceiro lugar do Bloomberg Billionaire Index, com uma fortuna estimada em US$ 137 bilhões.
À medida que as acusações e o escrutínio sobre o seu negócio cresceram, Adani viu, porém, seu patrimônio cair substancialmente. Hoje, distante do pódio, ele figura na vigésima posição e sua fortuna está avaliada em US$ 64,1 bilhões. Segundo o ranking, ele perdeu US$ 56,1 bilhões apenas em 2023.
As empresas do grupo, que vinham em leve recuperação, também acusaram o golpe com a publicação do novo relatório. A principal delas, a Adani Enterprise, fechou o dia na bolsa de valores da Índia em queda de 3,73%. Outro ativo, a Adani Green Energy recuou ainda mais, 4,3%, no pregão.