O mercado de shopping centers está prestes a passar por uma mudança significativa. Depois de quase cinco meses de relações tensas, com direito a indiretas pela mídia e até recurso no Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Aliansce Sonae e BRMalls se entenderam e partem agora para formar o maior nome do setor na América Latina.

Antes arredio a um acordo, avaliando que as primeiras propostas não refletiam o valor de seus ativos e não geravam ganhos aos acionistas, o conselho de administração da BRMalls deu o seu aval para a combinação dos negócios.

Em comunicado divulgado nesta sexta-feira, 29 de abril, a BRMalls afirmou que o colegiado entendeu que a operação “proporcionará uma nova companhia com liderança comercial, ganhos de escala, captura de sinergias e maior capacidade de investimento”.

“Nesse sentido, a BRMalls contribuirá com seu portfólio de ativos de alta qualidade, time excelente e capacidade de inovação, para criar a mais relevante e a melhor companhia de shopping centers da América Latina”, diz um trecho do comunicado.

O sinal positivo veio após a Aliansce Sonae apresentar uma terceira proposta de combinação de negócios em 18 de abril, oferecendo aos acionistas da BRMalls o pagamento de R$ 1,25 bilhão e a entrega de 326.339.911 ações, equivalente a 55,13% do capital social da companhia combinada.

A oferta na mesa representa um aumento de cerca de 17,2% em comparação com a relação de troca originalmente proposta pela Aliansce Soane em 4 de janeiro, considerando o preço em que seus papéis fecharam ontem.

Ela também embute um prêmio de 25,3% com relação ao preço das ações da BRMalls, considerando a cotação do dia anterior à divulgação da primeira proposta de combinação de negócios e um prêmio de múltiplo EV/Ebitda para 2022 de 37,2%.

Agora, a proposta precisa passar pelo crivo dos acionistas da BRMalls e da Aliansce Soane, que devem realizar as respectivas assembleias extraordinárias até 9 de junho, e também precisa ser aprovada pelo Cade. A expectativa das companhias é finalizar todo este processo entre o final deste ano e início do próximo.

"O centro do racional dessa fusão é a convergência cultural entre as duas companhias", disse Rafael Sales, CEO da Aliansce Sonae, em teleconferência nesta manhã com analistas e investidores para tratar da fusão. "A combinação cria um portfólio de alcance nacional, com posição de liderança nos principais mercados do país."

Se passar, a união resultará na criação da maior empresa de shopping centers da América Latina, com um total de 69 shopping centers e um valor de mercado combinado de R$ 13,4 bilhões, considerando o fechamento de ontem.

A BRMalls conta com shoppings conhecidos em seu portfólio, como o Shopping Villa Lobos, em São Paulo, com seu portfólio somando uma área bruta locável (ABL) total de 1,2 milhão de metros quadrados. A Aliansce possui um ABL total de 1,4 milhão de metros quadrados, com destaque para o Shopping Leblon, no Rio.

As vendas anuais deste novo player somam R$ 38,5 bilhões, dando a ele capacidade de competir com os principais nomes do e-commerce, que alteraram significativamente o cenário competitivo do varejo no Brasil e no mundo e afetaram duramente os shoppings centers.

A empresa combinada entre BRMalls e Aliansce Sonae teria o terceiro maior GMV, atrás de Mercado Livre, com R$ 48 bilhões, e Magazine Luiza, com R$ 44 bilhões.

Em termos de governança, a proposta prevê que o conselho de administração será composto por nove membros, dois deles indicados pela BRMalls, quatro pela Aliansce Sonae e outros três integrantes independentes. A companhia terá ainda um poison pill com gatilho de 25%, fortalecendo o aspecto de corporation dessa nova companhia.

Para Flavio Conde, chefe de renda variável da Levante, apesar dos efeitos da pandemia sobre o setor, o mercado de shopping center segue tendo uma boa tese de investimento, porque não mais exclusivamente locais para fazerem compras, mas também espaços sociais com oferta de entretenimento e alimentação. "Os shoppings vão caminhar cada vez mais para a oferta de serviços", disse Conde.

A combinação, segundo ele, tem potencial de resultar em fortes ganhos para os acionistas de BRMalls e Aliansce Sonae, ao criar uma empresa líder num setor que está se reerguendo após a pandemia e se transformando para além de um centro comercial.

Ele destacou que as ações da BRMalls estão em patamares muito baratos, citando que seu valor de mercado em relação ao seu valor patrimonial estava na casa dos 70%, contra cerca de 90% da Aliansce Sonae e 220% da Multiplan.

"Quem concordou com a fusão, os acionistas com participação relevante, certamente vão continuar na empresa resultante", disse. "A liquidez, o volume negociado das duas somadas, vai aumentar, fazendo com que a empresa resultante ganhe espaço no radar dos estrangeiros, que tinham restrição de investir porque o volume era pequeno e, por isso, não compravam as ações de ambas."

A BRMalls está sendo assessorada pelo banco Itaú BBA e pelo escritório de advocacia Spinelli Advogados. A Aliansce Sonae conta com o BTG Pactual como assessor financeiro e o Barbosa Müssnich Aragão – BMA como assessor jurídico.

Caminhada

A caminhada para chegar a esse entendimento foi longa e tortuosa, com direito a acionista de referência da Aliansce Sonae comprando participação na BRMalls, pressão de investidores e até consultas de outros interessados em fazer negócios.

A Aliansce Sonae propôs em janeiro para a BRMalls uma “fusão de iguais”, oferecendo R$ 1,35 bilhão em dinheiro, mais 265.013.405 novas ações representativas de 50% do capital social da Aliansce Sonae.

A BRMalls rejeitou inicialmente a proposta, alegando que ela subavaliava “consideravelmente” o valor econômico justo da companhia e não representar uma “fusão de iguais”, porque os acionistas da Aliansce Sonae exerceriam uma influência muito grande na companhia combinada.

Nos bastidores, a administração da BRMalls afirmava que estava aberta a uma negociação, seja com a Aliansce Sonae ou outro pretendente, por entender que um ganho de escala era necessário para lidar com a concorrência do e-commerce e superar as consequências que a pandemia teve sobre o setor de shopping.

A Aliansce voltou à carga em março, melhorando sua oferta, oferecendo R$ 1,85 bilhão em dinheiro e a entrega de 276.762.914 ações, representativas de 51,08% do capital social da companhia combinada. Mais uma vez, a BRMalls rejeitou.

Nesse ínterim, as partes foram se movimentando. A Aliansce Soane junto com o fundo de pensão canadense CPPIB, um de seus acionistas de referência, começou a montar posição na BRMalls, chegando a uma fatia de 10,8% no capital social, para pressionar pela operação.

Já a BRMalls passou a avaliar operações com outras empresas, retomando as conversas com a Ancar Ivanhoe, operadora de shoppings centers com quem já tinha negociado uma possível combinação. Até o nome do empresário Nelson Tanure surgiu, com a possibilidade de um acordo envolvendo a Gafisa.

A BRMalls também entrou com uma representação no Cade contra a Aliansce para impedir que ela exercesse seus direitos políticos enquanto acionista, citando conflito de interesse.

As coisas começaram a caminhar quando alguns acionistas começaram a se manifestar. As gestoras Truxt, Miles Capital e Oceana demonstraram apoio à segunda proposta da Aliansce Sonae.

Essa movimentação, junto a consultas a outros acionistas, levou a uma revisão da oferta da Aliansce Sonae e uma reavaliação da BRMalls de sua postura, culminando com o acordo anunciado hoje.