Em janeiro deste ano, o então bancário Marcelo Voros, que há 31 anos trabalhava no Itaú Unibanco, recebeu a notícia de que entraria no próximo corte da instituição, dali a dois meses. Ele, que liderava a rede de agências do Rio Grande do Sul e muitas vezes participou de reuniões para decidir sobre o fechamento de unidades, agora teria de repensar a sua vida profissional.
Sua primeira reação foi procurar um ex-colega de Itaú que havia sido seu chefe: Marcos Massukado, executivo que saiu do banco em 2015 e em 2018 foi um dos fundadores do C6 Bank. A ideia era conseguir uma posição no C6, lembra ele, mas Massukado lhe contou que o banco digital estava montando uma rede de consultores externos para atender pequenas e médias empresas - em um trabalho similar ao de agentes autônomos das plataformas de investimentos, como XP e BTG Pactual, mas focado em serviços bancários e de pagamentos.
“Fui desligado do Itaú em março e em abril já estava com meu escritório (ligado ao C6)”, afirma Voros, que deixou a vida de viagens entre São Paulo e o Rio Grande do Sul para se instalar em Vinhedo, no interior paulista. Hoje, a sua empresa, a B2BSafe, conta com 15 consultores, espalhados por todas as regiões do Brasil, e uma carteira de 350 clientes.
A rede de consultores do C6, que faz parte de um programa chamado Conexão, começou como um projeto-piloto em 2020, mas só deu o pontapé inicial para valer mesmo em 2021. Para se ter uma ideia da tração que pegou nos últimos últimos meses, a rede dobrou o número de consultores ativos nos últimos quatro meses, para 408. O plano é chegar a 2 mil até o fim de 2022.
A estratégia do banco - que em junho passou a ter o J.P. Morgan como acionista, com uma fatia de 40%, e hoje é avaliado em US$ 5,05 bilhões, segundo a CB Insights - é oferecer um atendimento mais personalizado a empresas que faturam entre R$ 200 mil e R$ 24 milhões por ano, um segmento que a instituição considera desassistido pelo setor financeiro.
“O Microempreendedor Individual (MEI) é praticamente uma pessoa física e já navega bem no atendimento digital. As empresas de maior porte também já têm um atendimento personalizado. Mas o que está no meio disso, não”, diz o responsável pela área de distribuição de produtos para Pessoa Jurídica do C6, Philipe Pellegrino.
Segundo o C6, as cidades que estão perdendo agências bancárias têm sido um terreno fértil para os consultores. Vinhedo, por exemplo, a cidade onde Voros tem metade dos seus clientes, tinha 14 agências em 2016. Hoje, são 10, segundo dados do Banco Central (BC).
Trata-se de um movimento estrutural, impulsionado pela digitalização do setor financeiro. Os grandes bancos estão mais digitais e muitos serviços que antes eram feitos nas agências passaram a ser feitos via celular. De 2016 para cá, o número de agências bancárias no País caiu 22%, para 18.316 unidades.
Naturalmente, isso se reflete em demissões. Nos 12 meses encerrados em setembro, os bancos cortaram 6,7 mil vagas, segundo levantamento feito pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), com base em dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério da Economia.
Como consultor parceiro do C6, Voros atua de forma terceirizada, sem ser exclusivo. Os principais produtos que ele e os demais consultores oferecem são a abertura de conta no banco, o cartão de crédito corporativo e a maquininha da instituição, a C6 Pay. Nos últimos meses, eles começaram também a oferecer crédito, ainda de forma incipiente.
Até o momento, o Conexão é responsável por 13 mil contas PJ abertas no C6, ou 10% de todos os 135 mil clientes que são PMEs. Entre as maquininhas, foram 20 mil unidades vendidas. Ao todo, a rede de consultores já fechou negócio em cerca de 800 cidades.
“Mas o cliente que vem pelo Conexão tem um perfil melhor, com 10% mais ativações de conta, o dobro de saldo em conta, quase 40% a mais de aplicações em CDB no aplicativo e três vezes mais de volume transacionado na maquininha”, diz Pellegrino.
Segundo o executivo, os consultores são remunerados com uma taxa em cima de cada venda e também de maneira recorrente, com uma porcentual sobre a receita dos clientes que eles levaram para o banco. As taxas, porém, mudam de acordo com o cliente, com o porte dos negócios gerados e outras variáveis.
Os 350 clientes de Voros, por exemplo, já geraram R$ 3,4 milhões em transações desde abril, o que resulta em um faturamento médio mensal ao seu escritório de R$ 18 mil a 20 mil. “Mas o nosso plano é chegar a algo entre R$ 100 mil e R$ 150 mil”, diz o consultor.
Além de venderem produtos, também trabalham orientando os clientes, com visitas presenciais e periódicas, uma vez que a maior parte dos clientes não consegue deixar seus negócios para ir até um local de atendimento. "São pessoas que trabalham de segunda a segunda e precisam ter alguém do lado", afirma Pellegrino.
As 13 mil contas abertas pelos consultores, porém, ainda são uma pequena parte do bolo de 11 milhões de clientes que o C6 tem, que inclui o varejo. Para o analista Carlos Eduardo Daltozo, especialista em setor financeiro e diretor da Eleven Financial, o Conexão representa um esforço do C6 para retomar um propósito inicial do banco digital de ser uma instituição forte no atendimento a PMEs.
“A essência do C6 era ser o banco digital das pequenas e médias empresas, mas isso acabou ficando em segundo plano. Agora, eles estão voltando a essa origem”, diz. “O programa parece uma maneira de ter uma proximidade maior com o cliente PJ, mas também atender de maneira virtual no que for possível. É um movimento interessante.”
Iniciativas como a do C6 também ajudam a desmistificar a ideia de que o setor financeiro será 100% digital no futuro. Outras instituições também têm buscado apostar em modelos que misturam o virtual com o presencial.
O Agi, por exemplo, tem investido em unidades próprias pelo País e quer chegar a 2 mil pontos até 2026. A milésima unidade deve ser aberta ainda em 2021. O foco, por enquanto, é em municípios com menos de 50 mil habitantes, com oferta de serviços financeiros para todos os públicos, não apenas para o PJ.
Os grandes bancos também estão atentos a isso. Em janeiro deste ano, o Banco do Brasil anunciou um plano para fechar 112 agências tradicionais em 2021 e abrir 14 escritórios leves digitais - um modelo que busca atender clientes que realizam as transações mais básicas nos canais digitais e procurariam a unidade do BB para serviços mais complexos - e mais 14 pontos especializados em atender o agronegócio.
E o C6 também não é o único que está de olho no disputado mercado de PMEs. O mineiro BS2 quer ser o banco de crédito para companhias com faturamento anual entre R$ 5 milhões e R$ 30 milhões. Para isso, tem trabalhado para se conectar a 200 escritórios correspondentes, com a expectativa de atingir a marca no início do ano que vem.
A Conta Simples, fundada em 2018 para ser a conta digital das PMEs, recebeu em junho um aporte de US$ 2,5 milhões da Y Combinator, uma aceleradora americana, para turbinar o negócio. O LetsBank, ex-SmartBank, também está de olho nas empresas de menor porte, mas está seguindo outro caminho: a instituição quer fazer parcerias com grandes empresas para chegar às menores que se relacionam com elas, como um franqueado, por exemplo.
O Itaú Unibanco, que já tem relacionamento com cerca de 1,5 milhão de PMEs, lançou em junho um piloto da plataforma Itaú Meu Negócio, para produtos e serviços não bancários, como um apoio à gestão, num complemento à própria atuação do banco. O projeto é uma parceria com a Omie, startup de software para gestão em nuvem, que também passará atuar com força nesse nicho com a compra da Linker.
No caso do C6, a rede de consultores externos não se concentra apenas em cidades mais desassistidas de serviços bancários. Grandes centros urbanos, como a cidade de São Paulo, também fazem parte do programa.
Daniel Zanela, que tem uma carreira de 20 anos em instituições financeiras, dos quais 11 no Citi, também tem o seu escritório, o C4bs, com 1.500 clientes, quase todos ligados ao C6.
Com um faturamento anual de R$ 2 milhões, ele tem 15 consultores na sua empresa e diz que o fato de estar em São Paulo não limita o seu trabalho. Também tem clientes em Ubatuba, Piedade e Sorocaba, todas no estado de São Paulo. “Na capital, os clientes são mais abertos ao digital. Já no interior, há mais a necessidade do relacionamento”, compara.
Quando se recorda dos tempos de bancário, admite que foi uma “época boa”, mas ressalta que, agora, tem mais liberdade para trabalhar. “Estou construindo o meu próprio banco”, afirma.