O custo da dívida tem pesado sobre as empresas brasileiras, que estão destinando volumes crescentes de recursos para o pagamento de juros. Essa realidade afeta não apenas pequenos negócios, mas também companhias listadas na bolsa de valores.

Um levantamento da Seneca Evercore, que o NeoFeed teve acesso com exclusividade, baseado nos últimos balanços públicos das empresas de capital aberto, revela uma deterioração na relação entre o EBIT (lucro antes de juros e impostos) e os gastos com a dívida.

Segundo os dados, o índice de cobertura (EBIT/despesas com juros) do Ibovespa caiu para 2,9 vezes, ante 4,4 vezes no mesmo período de 2021. O cenário é ainda mais preocupante entre as small caps, que hoje geram de EBIT, em média, apenas 1,3 vez os gastos com juros, contra 2,5 vezes dois anos atrás.

Isso significa que, na média, 77% do lucro operacional dessas empresas está sendo consumido apenas para o pagamento de juros, deixando somente 23% disponíveis para amortizar a dívida, pagar impostos e investir no crescimento.

“Isso tem relação direta com o movimento de alta dos juros. Empresas menores tendem a sofrer mais, e a situação daquelas que não estão na bolsa é ainda pior. É um sinal vermelho que está ligado”, afirma Daniel Wainstein, sócio-fundador da Seneca Evercore.

Wainstein avalia que o retrato seria ainda mais dramático se as empresas da bolsa não tivessem feito a lição de casa no último ano, reperfilando suas dívidas e aproveitando o período de bonança do crédito privado. “Os bancos têm perdido espaço para o mercado financeiro na concessão de crédito, o que tem ajudado a aumentar os prazos de pagamento”, diz o sócio-fundador da Seneca.

Dos 16 setores presentes no índice Small Caps, 13 registraram aumento nas despesas com juros em relação ao fim de 2022, e oito apresentaram piora em seus índices de cobertura. A situação mais crítica é a do varejo, onde o caixa gerado sequer cobre os juros da dívida. A relação está em 0,9 vez, a menor entre os setores analisados. Desde 2022, o índice médio das varejistas permanece abaixo de 1 vez, refletindo dificuldades em reduzir o endividamento.

Esse cenário tende a se agravar com a continuidade da alta dos juros. A expectativa de mercado é que o Comitê de Política Monetária do Banco Central eleve a Selic, atualmente em 12,25%, para 15%. “A alta dos juros tornará o dinheiro ainda mais caro, e o varejo é um setor altamente dependente de crédito e pagamentos parcelados”, observa Ricardo Jacomassi, sócio da TCP Partners.

Yuhzô Breyer, analista de renda variável da Trígono Capital, pontua que a maior dificuldade do setor já tem se refletido no preço das ações, que chegam a acumular mais de 90% de queda em relação aos picos registrados entre 2020 e 2021, quando o juro estava na mínima.

“Essas empresas precisam de muito capital para girar o estoque. Como o juro real é alto, é preciso muito dinheiro para mantê-lo. Muitas dessas empresas não estavam bem e podem ficar ainda piores, com a alta de juros. De tempos em tempos, há uma quebradeira no setor, quase que como um ciclo natural”, diz o analista.

Situação semelhante ocorre nos setores de comércio e distribuição de alimentos e de alimentos processados, onde as despesas com juros já equivalem ao EBIT. “Nesse caso, ou paga os juros ou os impostos. É preferível pagar os juros para evitar a negativação, mas, em algum momento, a Receita vai bater à porta.” Nessas condições, explica Jacomassi, a empresa pode ter que renegociar a dívida ou recorrer à recuperação judicial.

De acordo com os dados mais recentes do Serasa, 2.172 empresas brasileiras entraram com pedidos de recuperação judicial nos 12 meses encerrados em outubro de 2024, um aumento de 72% em relação ao mesmo período do ano anterior.

O aumento foi ainda mais acentuado no agronegócio, com 299 pedidos registrados nos três primeiros trimestres de 2024, um salto de 339% na comparação anual.

Entre as empresas listadas, os produtores agrícolas foram dos que mais deterioraram seus índices de cobertura, com a relação EBIT/despesas com juros caindo de 3,8 vezes para 1,5 vezes. Impactado por fatores climáticos que reduziram a produção, o setor enfrentou pressões em duas frentes no ano passado: de um lado, menor colheita e queda nos preços, que resultaram em receitas mais fracas; de outro, o aumento das despesas com juros, refletindo o maior risco de crédito no setor.

Para o agronegócio, as perspectivas para 2025 são mais otimistas. “Há expectativa de melhora no volume de produção com a nova safra, o que pode contribuir para reduzir a alavancagem”, comenta Monica Araújo, estrategista de alocação da InvestSmart XP.

No entanto, a maioria dos setores da economia brasileira deve enfrentar um 2025 ainda mais desafiador, uma vez que a combinação de juros elevados e atividade econômica enfraquecida deve se prolongar ao longo do ano.

“Alguns setores são mais sensíveis à alta da taxa de juros, especialmente os de consumo discricionário, capital intensivo e aquelas empresas que realizaram movimentos de consolidação e, portanto, estão alavancadas em um ciclo de juros altos”, avalia Araújo.

Apesar das dificuldades, Breyer pontua que essas empresas mais alavancadas ainda podem apresentar uma forte recuperação na bolsa em caso de virada do cenário macroeconômico. Para o analista da Trígono, há dois cenários possíveis. Em um deles, o governo passa a gerar superávit e o juro baixa pela melhora da percepção fiscal.

“Nesse cenário, as empresas que sofreram muito subiriam bastante na bolsa. É muito risco e muito retorno. No outro, essas empresas mais alavancadas vão terminar de derreter e entrar em default”, diz o especialista.