Quem trabalha com e-commerce já espera que o mercado pise no freio em relação ao boom vivido no primeiro ano da pandemia. Por outro lado, com os avanços da digitalização, muitos acreditam que as vendas pela internet devem seguir crescendo com mais velocidade em comparação aos anos da "longínqua" era pré-pandêmica.
O Brasil, embora tenha participado da festa do comércio eletrônico, ainda tem uma penetração baixa ante o restante do mundo. Após ver o e-commerce crescer 41% em 2020, para R$ 87 bilhões, segundo dados da Ebit/Nielsen, a participação do online no varejo saltou de 6% para 9%, enquanto mercados como Estados Unidos e China contam com taxas de 15% e 35%, respectivamente, de acordo com levantamento da XP.
De olho no potencial de expansão que o Brasil apresenta, o Citi escolheu o país para ser o quinto destino da sua nova plataforma de pagamentos, a Spring, que tem o e-commerce como foco e procura ser uma solução que centralize, para as empresas que vendem pela internet, todos os elos da cadeia de transações: desde a oferta de um gateway de pagamento até a adquirência.
“Trazer a Spring para o Brasil faz parte de uma estratégia global que mira mercados especialmente relevantes para fluxos de pagamentos de consumidores no e-commerce e que estão crescendo exponencialmente”, afirma Gabriel Kirestian, diretor de pagamentos e recebíveis do Citi para a América Latina, com exclusividade ao NeoFeed.
Antes do Brasil, o Citi já havia lançado a Spring nos Estados Unidos, no Canadá, no Reino Unido e no México, todos neste ano. Nos EUA, segundo Kirestian, o negócio já está se consolidando e conta com “vários clientes”. No Canadá e no Reino Unidos, estão saindo de um projeto-piloto para atender outras empresas. No México, estão dando os primeiros passos para um piloto com uma companhia.
No mercado brasileiro, há conversas com cerca de 200 companhias, diz o Citi, sem revelar os nomes. “As empresas que têm o e-commerce como principal canal de vendas estão na primeira fase da nossa estratégia comercial”, afirma o executivo. Segundo ele, porém, os negócios que ainda estão desenvolvendo o seu canal de vendas pela internet também fazem parte do público-alvo.
A Spring, vale dizer, não será exclusiva para quem é cliente do Citi. O banco americano, que em 2017 vendeu a sua operação no varejo para o Itaú, por R$ 710 milhões, desde então tem se dedicado a ser um banco para empresas, especialmente as grandes companhias, multinacionais e negócios de médio porte, com faturamento anual entre R$ 250 milhões e R$ 5 bilhões. Hoje, o banco tem 2,5 mil clientes corporativos no Brasil.
Embora não revele uma projeção de transações para a Spring, o Citi afirma que não deve fechar com as 200 empresas este ano ou no ano que vem. Será um longo processo de negociação. “Mas se conseguirmos chegar às 200, será um sucesso”, diz Fernando Granziera, head de Treasury & Trade Solutions do Citi no Brasil.
Este é o mais novo esforço do Citi no Brasil para oferecer soluções voltadas para empresas. No início de agosto, a instituição anunciou que estava entrando no mercado de "banking as a service", que consiste em oferecer a sua estrutura bancária para que outras empresas possam disponibilizar serviços de banco a seus clientes, como conta digital e empréstimos.
O cliente que aderir à plataforma do Citi terá, em um só lugar, um gateway de pagamentos, uma solução de adquirência, as principais opções de pagamento (cartão de crédito e boleto) e tecnologias que garantam a segurança contra a fraude. O sistema também estará integrado à gestão de caixa da empresa. O gateway será oferecido em parceria com a Mastercard. Já a adquirência, com a Fiserv.
“Se você é um grande vendedor no e-commerce e tem de lidar com dezenas de parceiros, a plataforma do Citi vai simplificar o ecossistema de pagamentos, que é bem fragmentado”, afirma Kirestian. Para o ano que vem, a ideia é também incluir na plataforma a possibilidade de o cliente aceitar pagamentos com Pix e e-wallets.
Por ser um banco global, o Citi acredita que a Spring poderá ser útil, especialmente, para companhias multinacionais. “São empresas globais que têm operações domésticas em múltiplos países. Eles podem ter uma experiência de pagamentos em uma só plataforma, com soluções universais”, diz o diretor do banco.
No mundo, o banco conta com 200 milhões de correntistas, no varejo e no atacado. Embora não abra a participação do Brasil, a América Latina alcançou US$ 2,2 bilhões em receita no segundo trimestre, 12% dos US$ 17,4 bilhões faturados pela instituição no segundo trimestre. A maior fatia é três vezes superior e pertence à América do Norte, com 45%. Não por acaso, a Spring começou antes nos três países que formam a região.
No Brasil, a operação do banco é lucrativa. Em 2020, a instituição teve lucro líquido de R$ 1,424 bilhão, queda de 4% em relação a 2019, uma retração seis vezes menor que a enfrentada pelos três maiores bancos privados de varejo, que, juntos, tiveram tombo de 24%.
Pelo potencial de expansão do e-commerce brasileiro, o Citi acredita que o Brasil tem condições de ser o segundo maior mercado para a Spring em até três anos, atrás apenas dos Estados Unidos e à frente do México. “O Brasil é muito desenvolvido do ponto de vista regulatório e tem uma competitividade bastante evoluída”, diz Kirestian, que também tem planos de levar a Spring para Índia e China, em 2022 e 2023, respectivamente.
No Brasil, o Citi vai encontrar um terreno fértil para o varejo online. Segundo projeções da XP, o e-commerce brasileiro deve crescer 32% em 2021, duas vezes a expansão registrada em 2019, antes da pandemia.
Por oferecer uma plataforma que se propõe a ser o único ponto de contato de uma empresa com soluções de pagamentos, o Citi também vai enfrentar muitos concorrentes já estabelecidos.
Entre os gateway de pagamentos, há nomes como a Adyen, a iugu, a Ebanx, e a Braspag, que pertencente à Cielo. Na adquirência, empresas como PagSeguro e Mercado Pago têm uma atuação consolidada no e-commerce, enquanto outras, como Getnet, aumentaram suas apostas durante a pandemia, para ficar menos dependente do varejo físico.
O diretor do Citi, porém, afirma que não vai estar competindo com nenhuma delas. “Não queremos concorrer com os gateways de pagamento, por exemplo, que há vários muito bons no Brasil. Queremos oferecer uma solução que seja uma experiência única para as empresas de e-commerce”, ressalta.
O consultor Edson Santos, especialista em pagamentos e sócio-fundador da CO.Link Business Consulting, afirma que a iniciativa do Citi pode resultar em uma espécie de retorno ao varejo.
"O Citi lida com grandes empresas que, em geral, tem seus próprios sistemas de pagamentos no e-commerce, como Magalu e B2W. Então, imaginar o Citi oferecendo um gateway para clientes que não são tão grandes, de pequeno a médio porte, é como voltar para o lugar de onde ele saiu (em 2017)", afirma Santos.
Segundo Kirestian, o modelo de precificação e receita vai variar de acordo com o cliente. “Se fosse uma solução voltada para consumidores, faria sentido padronizar. Mas, como é para empresas, depende muito da relação que temos com a companhia, como ter negócios com elas em outros países”, afirma Kirestian.
Enquanto dá os primeiros passos para a Spring, o Citi já tem planos para aumentar a sua participação em pagamentos. Segundo Kirestian, há uma intenção, ainda bem preliminar, de entrar, globalmente, no negócio de maquininhas. “Mas só vamos fazer isso quando a Spring estiver bem assentada”, afirma.