Um documento protocolado na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) pela Associação Neo, que reúne mais de 200 provedores regionais de internet, colocou indiretamente o Pátria Investimentos no centro de uma nova confusão que pode estar perto de um desfecho nesta semana.

A petição da Associação Neo traz um parecer do jurista Floriano de Azevedo Marques Neto, ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e professor titular da Universidade de São Paulo, contra o acordo da Winity Telecom com a Telefônica, que aluga metade da faixa de 700 MHz pela Vivo em 1.110 municípios em caráter de exclusividade.

A Winity Telecom é uma empresa de infraestrutura de telecomunicações criada pelo Pátria para atuar no atacado. Em novembro de 2021, ela pagou R$ 1,4 bilhão por um lote do leilão 5G na faixa de frequência de 700 MHz, um ágio de 805% em relação as outras ofertas da Highline e da Datora.

O cerne da questão sobre o acordo Winity e Telefônica é que o edital 5G impedia a participação de grandes operadoras no leilão, que tinha caráter nacional. O objetivo era incentivar a competição, com o surgimento de uma nova companhia para disputar o mercado com Vivo, TIM e Claro.

Essa é uma novela que se desenrola por um ano e que chegou também ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Mas agora está perto de uma conclusão na agência reguladora de telecomunicações. Na sexta-feira, 18 de agosto, a Anatel deve definir sua posição a favor ou contra o acordo.

A depender da decisão, a Winity pode se tornar inviável. A afirmação sobre a inviabilidade de negócio foi feita pela própria Winity, em documento enviado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que também analisa o acordo da companhia com a Telefônica.

“A não concretização da operação inviabilizaria a atuação da Winity como operadora de atacado, impedindo, consequentemente, a criação de um modelo inovador de negócios”, informa um trecho do documento, protocolado no Cade, no ano passado.

O mesmo documento diz que a “Winity não seria capaz de cumprir compromissos de cobertura dentro do prazo necessário e de forma financeira e economicamente sustentável, podendo levar, no limite, à devolução do espectro à Anatel”.

Se não conseguir aprovar o acordo, esse é mais uma revés do Pátria, que tem US$ 28,2 bilhões de ativos sob gestão. Recentemente, um fundo da gestora, o Special Opportunities II – FIP Multiestratégia, viu sua cota sair de R$ 10,55 para negativos R$ 301,04.

A cota negativa reflete os investimentos na Tecno, uma rede de 13 shoppings. O fundo era restrito a 53 investidores profissionais. Os sócios do Pátria fizeram um aporte aproximadamente R$ 16 milhões para encerrá-lo.

Em junho, um relatório do J.P. Morgan questionou a marcação de valor das empresas investidas do Pátria, considerando algumas delas infladas. Na época, o Pátria alegou que os analistas da instituição financeira americana trabalharam com dados considerados imperfeitos para fazer a avaliação.

Apesar desses dois fatos, o Pátria tem uma taxa de acerto de 95% de seus investimentos e, nos últimos 20 anos, obteve uma taxa de retorno dos investimentos (TIR) de quase 25% neste período.

Acordo polêmico

O acordo da Winity, além do aluguel de metade da faixa de frequência de 700 MHz comprada no leilão do 5G, prevê também que a Vivo disponibilize sua rede à Winity para cobertura de 1.012 trechos de rodovias e de 313 localidades, conforme obrigações assumidas na compra da rede em 700 MHz, no modelo de roaming.

Na prática, quanto mais uma empresa é dona de frequência, melhor a qualidade do serviço que pode ser prestado. No caso da frequência 700 MHz, hoje usada para o serviço 4G (e não 5G), ela permite menos investimentos na construção de antenas, as chamadas estações radiobases, pois têm maior cobertura.

Desde que foi anunciado, o acordo tem sido alvo de associações e empresas do setor. Em especial, os pequenos provedores que estão na Associação Neo, que reúne companhias como Brisanet, Unifique e Desktop, que têm capital aberto na B3.

A principal reclamação, além de limitar a competição, é de que o que o acordo Winity/Vivo fere as diretrizes do edital do leilão 5G. É o que defende o jurista Floriano de Azevedo Marques Neto, na petição protocolada na Anatel em 11 de agosto.

"O Edital do 5G teve por objetivo […] viabilizar maior grau de competição no setor de telecomunicações. Para tanto, e conforme delineado pela própria Anatel ao justificar a regra editalícia, é crucial que a faixa de 700 MHz licitada seja utilizada por empresas sem autorização nos 700 MHz."

O jurista pontua também que a proibição da participação de grandes grupos “alcança a disputa direta, mas também indireta”. “Eventual disputa indireta configuraria fraude à licitação, por desvirtuar clara exigência do edital", escreve Marques Neto.

O edital do leilão 5G aconteceu após a venda da Oi Móvel, em negócio de R$ 16,5 bilhões, comprada por Vivo, TIM e Claro. Na época, a licença nacional adquirida pela Winity tinha o objetivo de colocar mais um competidor no mercado, que fizesse frente as três companhias.

“O leilão da Anatel era para ter um novo competidor, depois que o mercado de telefonia móvel foi concentrado em três competidores”, diz Rodrigo Schuch, presidente da Associação Neo, ao NeoFeed. “O acordo vai afetar a competição, certamente, se a Winity ceder metade de sua faixa de frequência para a Telefônica”.

Uma fonte do mercado de telecomunicações disse ao NeoFeed que apesar de o acordo abranger 1.110 cidades, das mais de cinco mil em que a Winity pode atender, esse universo representa 80% do PIB. E acrescenta que, no mercado, há rumores de que a outra metade da faixa pode ser alugada para outro grande grupo de telefonia.

Fontes próximas a Winity Telecom disseram ao NeoFeed que a tese de que o acordo com a Telefônica/Vivo fere o espírito do edital não tem sustentação jurídica e de que não existia, no edital, nenhuma restrição para que pudesse explorar livremente o espectro. “Não existe nenhuma restrição para fazer acordos comerciais com essa ou aquela empresa”, diz essa fonte.

O NeoFeed apurou que além da Telefônica/Vivo, a Winity já tem um acordo com a Hughes, que opera satélites, e já assinou 10 memorandos de entendimentos (MoU) com outras empresas de setor de telecomunicações, um sinal de que está aberta para negociar com qualquer empresa. “A Winity Telecom é uma operadora de atacado e agnóstica e quer fazer acordo com todas as empresas do setor.”

O modelo de negócio da Winity é o de uma operadora de atacado que irá ofertar, de forma agnóstica, seu serviço para empresas que queiram alugar sua infraestrutura para oferecer serviços de voz e dados. O estilo é semelhante ao que tem sido feito na banda larga fixa, onde empresas como V.tal (BTG e Oi) e a FiBrasil (Vivo e o fundo de pensão canadense CDPQ) alugam suas redes para terceiros.

No mercado, no entanto, foi considerado estranho, segundo diversas fontes com as quais o NeoFeed conversou, o fato de a Winity ter demorado tanto para construir sua rede. Afinal, a frequência de 700 MHz estava livre para ser explorada (ao contrário da 3,5 GHz, que precisava ser limpa).

“Agora, ela diz que se não tiver o acordo com a Telefônica, não conseguirá cumprir as obrigações do edital. Até o fim deste ano, ela tem metas para entregar”, diz um executivo do setor, que tem acompanhado de perto esse caso.

A operação Winity/Telefônica recebeu posição contrária da Advocacia Geral da União por meio da procuradoria especializada na Anatel. O parecer de 2 de dezembro de 2022 diz que o acordo viola o edital e aponta para o fato de que as tratativas entre Telefônica e Winity começaram ainda antes do leilão do 5G.

Mas o conselheiro da Anatel, Alexandre Freire, que está relatando o caso, pediu, em maio deste ano, mais 120 dias de prazo para uma “autocomposição”, o que foi entendido no setor com uma tentativa de mediar um acordo entre as partes.

A Superintendência-Geral do Cade, por sua vez, havia aprovado o acordo sem restrições. Mas aceitou, em junho deste ano, recursos de Abrintel, Associação Neo e Telcomp e retomou a análise do caso.

Procurada pelo NeoFeed, a Winity informou por meio de nota, que “reafirma sua convicção de que o modelo de negócios proposto está em conformidade com o interesse público, com a legislação setorial, com a regulação da Anatel e com as regras do edital do leilão do 5G.”

Na nota, a Winity acrescenta que “o parecer apresentado pela Associação Neo, que sequer é formalmente parte interessada no processo, é extemporâneo”. “O documento foi apresentado quatro meses após o início do processo de autocomposição, fora do prazo aberto para as manifestações sobre o relatório já publicado pelo Conselheiro Relator, e a apenas 10 dias do julgamento do acordo.”

A Vivo, também em nota, informa que “no contexto da anuência prévia da operação, em 30 de março de 2023, a Anatel solicitou que as partes manifestassem interesse em negociar solução autocompositiva, o que foi feito. Em julho, Winity e Telefônica propuseram ajustes ao acordo inicial. Essa proposta, bem como os outros documentos do processo, será apreciada pelo Conselho da Anatel em sessão agendada para o dia 18 de agosto de 2023.”

O plano da Winity

Ao vencer o leilão do edital 5G, a Winity se comprometeu a construir uma rede em 55 mil quilômetros de estradas em 625 localidades. Isso significa um investimento de R$ 2 bilhões e 3,5 mil antenas espalhadas pelo território para distribuir o sinal.

Mas o plano da operadora de atacado do Pátria é estender esse projeto para 5 mil antenas até 2025. Em até 12 anos, quer ter 19 mil antenas, o que significa um investimento de R$ 12 bilhões.

Os recursos iniciais são oriundos do fundo IV de Infraestrutura do Pátria e de bancos de fomento. À medida que o projeto for evoluindo, a empresa deve buscar, no mercado de capitais, recursos para financiar a operação.

O acordo com a Telefônica/Vivo é considerado fundamental ao plano de negócios da Winity porque, além de fazer a companhia um cliente, a empresa espanhola também vai compartilhar sua infraestrutura com a empresa do Pátria.

Um exemplo é a obrigação de cobertura de 55 mil quilômetros de rodovias. Estima-se que 20 mil quilômetros já tenham a cobertura da Telefônica, o que não precisaria ser sobreposto pela Winity.

A Winity também usaria o espectro da Telefônica/Vivo, que já tem a frequência 700 MHz, em áreas onde não conseguiria construir uma rede com custo competitiva e faria, o que algumas pessoas próximas a empresa chamam, de uso eficiência do espectro.

As cenas dos próximos capítulos devem indicar se a Winity terá um final feliz.

(A reportagem foi atualizada às 10 horas do dia 14/08/2023 com informações sobre o Special Opportunities II – FIP Multiestratégia e com o histórico de retorno do Pátria)