A nova Ford está nas ruas. Passado o terremoto de 11 de janeiro, quando anunciou a decisão de parar de fabricar carros no Brasil, a Ford lançou nesta quinta-feira, 20 de maio, seu primeiro produto da nova fase: o SUV Bronco Sport, para competir no segmento C-SUV (médio).

Para surpresa geral, a Ford não quis bater de frente com o Jeep Compass, líder da categoria e seu rival natural nos Estados Unidos. Posicionou o Bronco Sport bem acima. Mais exatamente R$ 32 mil acima do Compass mais caro da linha. Faz sentido?

Segundo Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford na América do Sul, o verdadeiro rival do Bronco Sport é o… Land Rover Discovery Sport. O carro inglês, que há anos se estabeleceu como um SUV de luxo de fortes atributos off-road, parte de R$ 294 mil e pode chegar a R$ 338 mil com um motor similar ao utilizado pelo Ford: 2.0 turbo.

Como o Bronco Sport custa R$ 257 mil, a Ford estaria oferecendo uma vantagem competitiva de R$ 37 mil. Como o status de um carro não é algo tangível, é o caso de perguntar: essa estratégia vai funcionar no Brasil, um país que até ontem vendia modelos da Ford que custavam R$ 50 mil?

“Isso não é uma questão de Ford no Brasil e sim de Ford no mundo”, diz Golfarb. “A Ford saiu dos segmentos de entrada e está investindo naquilo que ela sabe fazer muito bem.” E acrescenta: “O Jeep Compass não é nosso competidor direto.”

A estratégia de oferecer mais conteúdo do que carros de marcas premium não é exatamente uma novidade para marcas generalistas. A própria Ford já fez isso no Brasil com o Fusion, um sedã que encarava o trio alemão Audi A4, BMW Série 3 e Mercedes Classe C. Funcionou durante algum tempo. Mas, hoje, o Fusion não é mais fabricado – e os sedãs das marcas premium seguem firmes e fortes.

Por isso, se é uma boa estratégia de marketing fugir da comparação direta com o líder da categoria e mirar em carros mais caros, também é um caminho que vai resultar em pouco volume. Se quisesse, mesmo como importadora, a Ford poderia trazer milhares de Bronco Sport do México para competir com o Jeep Compass em toda sua linha. Afinal, não há imposto de importação para trazer carros do México.

Mas a Ford não quer. A velha Ford faria isso. A nova, não. A nova Ford quer se tornar uma marca aspiracional. E acredita ter produtos para isso. “Não somos Audi, nem Mercedes, nem BMW”, diz Golfarb. “Nós vamos nos posicionar num segmento premium sem deixar de ser o que a gente é. Mas com uma qualidade que vai surpreender até essas marcas. Vamos ter muito valor neste segmento.”

No passado, a Ford foi a última a perceber que os clientes queriam que o carro fosse uma espécie de roupa nova. Enquanto a GM ofereceria carros de vários tipos, várias cores e várias marcas, a Ford se mantinha fiel à fórmula revolucionária do Modelo T, carro que inaugurou a linha de produção, ideia de Henry Ford (1863-1947) em 1913: todos iguais, todos pretos. Úteis, sim, mas sem charme.

Embora tenha optado por investir apenas em picapes e SUVs, a marca tem um ícone, o Mustang, que é vendido no Brasil (também em versão única) por meio milhão de reais. “A Ford tem a Lincoln [divisão de carros de luxo dos EUA] e tem as picapes F-150 e F-250. Sabemos como atuar em segmentos premium”, afirma Golfarb.

Mas nenhum desses carros é vendido no Brasil. O único veículo premium da Ford no mercado brasileiro é o Mustang. Mesmo assim, ele chegou com vários anos de atraso, enquanto a GM vendia como água seu rival direto, o Chevrolet Camaro. Alguns analistas acreditam que a Ford deveria trazer para o Brasil também as versões mais baratas do Mustang, pois o mercado de carros de alto valor está aquecido. A aposta, no entanto, ficou mesmo só em uma versão.

Da mesma forma, o Bronco Sport chega em apenas uma versão, a Wildtrak 4x4, com motor 2.0 de 240 cavalos e câmbio automático de 8 marchas. O carro tem soluções criativas, para quem gosta de acampar. O porta-malas, por exemplo, conta com uma divisória que se transforma numa mesinha ou prateleira, traz ganchos para armação de uma tenda e até um abridor de garrafa embutido na coluna traseira.

Passar de marca popular generalista para marca premium, entretanto, significa uma mudança de cultura que precisa ser “combinada” não apenas com os clientes, mas principalmente com a rede de concessionárias. Os clientes de carros premium estão acostumados a ser tratados como reis. Os vendedores da velha Ford estavam habituados a atender clientes que entravam pela porta e perguntavam o preço de um Ka ou de um EcoSport.

Agora, o desafio não é pequeno. De início, a nova Ford está apostando em dois produtos que nem sequer têm o famoso logotipo oval na grade dos carros. No Mustang, a imagem é de um cavalo correndo. No Bronco Sport, é a palavra Bronco, que é o cavalo selvagem nos Estados Unidos. O logotipo da Ford só aparece, discretamente, na parte inferior esquerda da tampa traseira.

A Ford precisa criar, portanto, uma nova imagem no Brasil, além de introduzir marcas novas, como Bronco Sport e Maverick, a picape que será lançada em 2022, também importada do México, usando o nome de um famoso carro de passeio dos anos 1970.

“O que fala mais alto é sempre o produto”, afirma Golfarb. “Posso fazer marketing, comunicação, mas não adianta eu dizer confia em mim. O que vai falar nessa história é o produto.” Vai dar certo? A fórmula antiga, de produzir carros acessíveis, funcionou durante 102 anos no Brasil, mas não dava lucro. Agora, a Ford tenta de outro jeito, menos interessada em volume (que não quis revelar) e totalmente focada nos resultados financeiros.