Enquanto boa parte das cargas com direção aos Estados Unidos era embarcada com rapidez no porto de Santos nas últimas semanas, para evitar os efeitos do tarifaço de 50% imposto pelo presidente Donald Trump às exportações brasileiras, a companhia Santos Brasil, que administra o maior terminal de contêineres da América do Sul, ia no caminho contrário, em direção à Ásia. O volume atual para os portos americanos não chega a 5%.
Essa rota dos navios rumo ao continente asiático, especialmente à China, se intensificou em abril, justamente com a chegada da francesa CMA CGM, um dos maiores armadores (responsáveis pela movimentação dos navios e transporte das cargas) do mundo e que assumiu o controle da empresa após concluir a compra dos 48% da gestora de recursos Opportunity, de Daniel Dantas, por R$ 6,3 bilhões.
“A tendência é que a Santos Brasil capture ainda mais essa demanda para a Ásia nos próximos meses. Não é tão rápido para que as outras empresas do setor, que têm muitas cargas para os Estados Unidos, consigam diversificar as operações e mudar a rota de seus navios”, diz ao NeoFeed uma fonte do setor portuário, com trânsito junto à companhia.
Até março de 2025, os Estados Unidos representavam 19% do volume total exportado pelo Tecon Santos. Com a nova configuração de serviços, a movimentação para os portos americanos caiu para 4,5%. Por outro lado, a Ásia representava 28% dos contêineres exportados pelo terminal de Santos até março, e passou para 45%.
“A empresa fica em uma boa situação neste momento e fica mais distante do risco da taxação dos Estados Unidos. Quem está em posição de pouca dependência dos americanos pode aproveitar essa vantagem agora”, diz Fabrizio Pierdomenico, ex-secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, do Ministério de Portos e Aeroportos, durante o primeiro ano da atual gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Essa mudança de rota acontece com uma OPA (oferta pública de aquisição de ações) à vista. Hoje, o novo dono tem 51% e já manifestou interesse em comprar a totalidade dos papéis em circulação. Com essa movimentação, a empresa informou ao mercado que irá fechar o capital e deixar a B3.
O leilão para compra de ações termina em 11 de setembro. O edital da OPA foi publicado no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na terça-feira, 12 de agosto. Mas ainda há alguns desafios até a finalização do processo, no mês que vem.
O principal deles é garantir a compra das ações a R$ 13,60, o mesmo valor que pagou ao Opportunity. O preço será corrigido pela taxa Selic no momento da aquisição. Hoje, no entanto, o valor nominal do papel da empresa é maior. No pregão desta quinta-feira, 14 de agosto, na B3, a ação fechou estável, em alta de 0,07%, a R$ 14,11.
Além do controlador, os principais acionistas da Santos Brasil são as gestoras SPX, com 5,11% de participação (e 44,1 milhões de ações), e a Absolute, com 5,06% (43,7 milhões). Isso significa algo em torno de R$ 601 milhões para a SPX e R$ 595 milhões para a Absolute.
Essa diferença de 3,75% no valor, que significa algo em torno de R$ 20 milhões a mais, pode entrar na mesa de negociação para a concretização do negócio. De qualquer forma, a expectativa é que, com a correção, essa diferença possa ser equalizada. Administradores têm 1,61% e o volume de 37,22% de ações estão em circulação.
Mas, fontes do mercado ouvidas pelo NeoFeed, não acreditam que a CMA terá dificuldades em adquirir a totalidade das ações e deixar a Bolsa. Procuradas, SPX e Absolute não quiseram comentar a OPA do novo controlador da Santos Brasil.
Verticalização das operações
Antes de comprar a Santos Brasil, a CMA CGM, que tem forte presença no continente asiático, fazia essas movimentações de cargas na empresa Brasil Terminal Portuário (BTP) e na DP World, que também operam no porto santista. A partir da aquisição, ela trouxe seus navios para o seu próprio terminal.
Ser dona de um terminal portuário é uma ação estratégica para os armadores, que garantem uma maior verticalização das operações e uma sinergia dos custos. Além disso, coloca a empresa francesa em condições de igualdade com seus dois principais concorrentes no mundo, a italiana MSC e a dinamarquesa Maersk, que são donas da BTP.
No segundo trimestre de 2025, as importações apresentaram alta de 22%, e as exportações subiram 17%. Além do Tecon Santos, a Santos Brasil administra terminais nos portos de Imbituba (SC) e o Tecon Vila do Conde (PA). No Maranhão, opera com granéis líquidos no porto do Itaqui.
Entre abril e junho, a companhia registrou receita líquida de R$ 880,9 milhões, alta de 25,3% sobre a mesma base de 2024. O Ebitda alcançado foi de R$ 456,7 milhões, crescimento de 35,2%. No lucro líquido, a alta foi de 12,6%, com R$ 193,4 milhões reportados.
No período, a empresa movimentou 382,4 mil contêineres em todos os seus terminais, alta de 3% ano sobre ano. Somente em Santos foram 340,9 mil, o que representa quase 90% de todo o fluxo transportado pela Santos Brasil.
Em julho, a companhia de logística portuária bateu o recorde de movimentação em um único mês da história dos terminais em portos sulamericanos, com 135 mil contêineres movimentados. A companhia terminou o semestre com 43% de market share em cargas conteinerizadas no porto santista.
“Depois da troca de mix de serviços, o efeito dessa tarifa não chega a atingir um volume de 5% das nossas operações. Com essa mudança, estamos muito mais atrelados ao mercado asiático”, diz Daniel Pedreira Dórea, CFO da Santos Brasil, durante call de resultados do segundo trimestre, em 7 de agosto. “Essa volumetria não tem grande expressão, comparada à toda demanda que temos hoje.”
Nos primeiros seis meses do ano, o Tecon Santos movimentou 1,2 milhão de TEUs (medida de um contêiner padrão de 20 pés), crescimento de 12,7% sobre o mesmo período de 2024. O percentual é superior inclusive ao registrado por todo o porto de Santos, que registrou alta de 7,8% nas movimentações de cargas entre janeiro e junho (com 2,8 milhões de TEUs).
E justamente para suportar essa demanda a partir da presença mais significativa no continente asiático, a Santos Brasil prepara um plano de investimentos de R$ 1,2 bilhão para o Tecon Santos no biênio 2025-2026, que inclui a demolição de um prédio administrativo para garantir mais espaços para os contêineres e a aquisição de mais equipamentos para a operação portuária.
O objetivo da empresa é alcançar a capacidade de armazenagem de três milhões de TEUs até o fim do próximo ano. Hoje, o volume suportado em Santos é de 2,7 milhões de TEUs. No início de 2026, a empresa receberá oito novos guindastes elétricos de pátio e dois guindastes de cais de operação remota.
“Justamente a alteração do mix de serviços, com essa diminuição da penetração nos Estados Unidos e o volume expressivo de investimentos para ampliar a capacidade, é que colocam a Santos Brasil nessa posição privilegiada no porto”, afirma a fonte próxima à companhia de logística e operações consultada pelo NeoFeed.
O aporte para 2025 e 2026 integra um ciclo de R$ 2,6 bilhões em capex até 2031, com mais equipamentos, otimização dos fluxos operacionais, investimentos em tecnologia e em descarbornização das operações do porto. Em seis anos, todos os 39 guindastes elétricos a diesel serão substituídos por modelos elétricos, o que irá reduzir em 97% as emissões de CO² desses equipamentos.