O agronegócio enfrenta uma das crises de crédito mais severas das últimas décadas, com um salto na inadimplência e uma onda crescente de recuperações judiciais que se espalham pelo setor.
A fragilidade financeira de produtores pressionados por custos, dívidas e queda de margem abriu espaço para a entrada de fundos especializados em ativos estressados. Eles avançam sobre carteiras em recuperação, assumem créditos podres e, em muitos casos, miram diretamente a aquisição das próprias fazendas.
Os créditos estressados do agronegócio têm atraído gestoras como JiveMauá, Paramis Capital, Enforce, do BTG Pactual, e Audax Capital. O modus operandi desses fundos costuma ser direto: eles compram dos grandes bancos os recebíveis associados a créditos inadimplentes, normalmente com descontos significativos, e passam a negociar diretamente com os produtores.
A partir daí, oferecem condições mais flexíveis - com alongamento de prazos, deságio, troca de garantias - numa tentativa de recuperar parte do valor enquanto ganham margem sobre o ativo adquirido a preço de estresse.
No caso da JiveMauá, gestora de ativos alternativos com R$ 21,3 bilhões sob gestão, dos quais cerca de R$ 2 bilhões estão alocados nessa estratégia. Bruno Gomes, sócio e head da área de distressed & special situations, afirma que, nas negociações, a gestora tem dado preferência a grandes produtores, concentrados especialmente no Sul e no Centro-Oeste do País.
“Os leilões de créditos inadimplentes sempre existiram, mas aumentaram bastante recentemente”, diz Gomes. “Casas que têm mais capacidade de precificar o patrimônio do devedor e os elementos jurídicos daquele crédito que está vencido sempre vão ter uma vantagem para conseguir precificar bem esses ativos.”
Gomes afirma que esse tipo de leilão sempre existiu, mas se intensificou com a crise no agronegócio. Um dos mais atuantes nessa frente, segundo Gomes, é o Banco do Brasil. Principal credor do setor no País, o banco estima que encerrará o ano com R$ 59 bilhões a R$ 62 bilhões em perdas com inadimplência - sendo parte expressiva com o agronegócio.
“É histórico. Nunca tínhamos enfrentado uma situação como essa”, disse Geovanne Tobias, CFO do Banco do Brasil, sobre a inadimplência do setor, em apresentação de balanço do terceiro trimestre de 2025, em novembro. Pelas projeções do banco, os números deverão seguir piorando antes que comecem a dar sinais de melhora em 2026.
Grande parte dessa crise vem sendo puxada pelas culturas de grãos, como milho e soja, que passaram por quebras de safras nos anos anteriores, quando o setor aumentava seus níveis de alavancagem a passos largos.
Pela natureza das operações, quase sempre, esses investimentos são estruturados por meio de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) atrelados aos recebíveis. A rentabilidade-alvo nesse tipo de operação costuma ser de 30% ao ano, dados os riscos e a já elevada taxa Selic - neste momento em 15% ao ano.
A inadimplência do setor cresceu 15,7%, para 8,1% da população rural, segundo dados mais recentes do Serasa Experian, referentes ao segundo trimestre.
Ainda de acordo com a instituição, no primeiro semestre, foram registrados 954 pedidos de recuperação judicial no agro, 36,7% a mais do que no mesmo período do ano passado.
Em todo o ano de 2024 foram 1.272 pedidos de RJ. A projeção é que neste ano esse número ultrapasse 2 mil pedidos.
Onde está a crise
Além das compras em leilões de grandes bancos, outra via de acesso ao crédito estressado é por meio de uma prospecção proativa. “Fazemos o acompanhamento das recuperações judiciais e, quando identificamos um nome que tem potencial para ser reestruturado, buscamos ativamente os bancos para começar uma reestruturação”, diz Gomes, da JiveMauá.
A preferência, diz, é por produtores rurais com bastantes ativos, que tenham boas proteções em garantias, como terras bem localizadas e produtivas. “Em um cenário de estresse, o credor pode recuperar o valor com base na venda do imóvel”, afirma Gomes.
Com garantias bem estruturadas, Gomes avalia que é possível reduzir os riscos de não serem executadas, em caso de inadimplência. Dessa maneira, a gestora consegue colocar até um Fiagro de pé, para ser dono dessas terras.
“É possível fazer um Fiagro de renda ou de ganho de capital, com as vendas das terras. Acho que tem muita oportunidade na parte distress do setor”, diz Gomes.
Essas garantias, conta, costumam ser estruturadas por meio de contratos de DIP Finance [financiamento para que empresas em recuperação judicial mantenham suas operações durante a reestruturação], em que a gestora pode fornecer uma nova linha de crédito, mas com preferência no pagamento das dívidas.
Dívida e execução
É também comum a estruturação de contratos em que o produtor reconhece que o terreno dado como garantia não é essencial para o negócio - ponto que costuma impedir a execução de garantias no setor.
Essa estratégia, que é mais comum entre fundos de investimentos, tem chegado também à zona rural, onde produtores mais capitalizados já começam a estruturar operações de crédito visando uma possível execução da garantia.
“É um movimento que está começando a acontecer. As empresas que querem usar a terra para produzir estão começando a olhar para esse tipo de aquisição via dívida e execução”, diz Caio Oliveira, consultor de finanças corporativas da StoneX Brasil. “Temos fomentado isso para nossa rede de clientes e contatos.”
Em alguns casos, conta Oliveira, é feita uma negociação com o dono da terra. “Se ele tem uma dívida de R$ 10 milhões e uma terra que vale R$ 20 milhões, posso comprar essa dívida, pagar um valor adicional e ficar com a fazenda por R$ 15 milhões, por exemplo.”
Para o consultor da StoneX, essa é uma dinâmica que pode ganhar força até 2027, quando acredita que o setor voltará para um patamar de inadimplência “saudável”. Apesar das oportunidades, o risco de a garantia não ser executada ainda mantém muitos investidores de fora desse jogo.
“Já olhei, mas não penso em entrar no setor agro, justamente por causa da dificuldade de se executar as garantias. Em muitos casos, a fazenda dada como garantia é a única fonte de renda do produtor e isso dificulta muito a execução. O histórico das decisões no Judiciário brasileiro não é favorável ao credor”, disse um gestor de ativos estressados, em condição de anonimato.
Compra de fazendas
O risco de execução também é um ponto que tem afastado a Riza Asset, com R$ 20,4 bilhões sob gestão, das recuperações de crédito no setor. A gestora, no entanto, tem buscado outra alternativa para se aproveitar da fragilidade do agronegócio: entrar como compradora direta nas fazendas.
Paulo Mesquita, sócio e gestor do núcleo de agronegócio da Riza, afirma que o cenário tem permitido a obtenção de taxas mais atrativas em contratos de sale and leaseback com produtores rurais.
“Temos conseguido até 18% de taxa travada por 10 anos, enquanto nossa carteira tem rodado com uma taxa média de 13,5%”, diz Mesquita.
O gestor conta que, nessas operações, a Riza compra a terra por cerca de 60% do valor e empresta de volta ao antigo proprietário a um valor próximo de 6% ao ano.
Os outros 12% da taxa que recebe vêm de um contrato de opção que dá ao produtor o direito de recomprar a terra pelo valor em que foi vendida em até dez anos.
“Se o produtor deixar de pagar essa opção, é ótimo para nós, porque compramos o terreno com muito desconto. Então, poderíamos vender e entregar valor para os cotistas”, afirma Mesquita.
Do total sob gestão da Riza Asset, cerca de R$ 5 bilhões está no agronegócio. Mas o grosso dessa estratégia vem sendo alocado no fundo Terrax (RZTR11), com patrimônio de R$ 1,9 bilhão e cerca de 147 mil cotistas.
“Como o setor está muito mais apertado, estamos conseguindo comprar terra a preços muito atrativos. Tem muita gente vendendo e pouca comprando”, diz Mesquita.